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O papel do STF na defesa da democracia

/ auditório da Fundação FHC


O Supremo Tribunal Federal não é uma instituição à prova de críticas, mas nos últimos anos teve uma atuação fundamental na defesa da democracia brasileira, cumprindo assim seu papel constitucional. Deve, no entanto, concluir o quanto antes, e com absoluto respeito ao processo legal, os diversos inquéritos abertos durante o governo Bolsonaro, possibilitando assim um desejável retorno à normalidade político-institucional. 

Estas foram as conclusões deste encontro presencial que reuniu cerca de 30 convidados com grande interesse pelo tema da defesa da democracia, incluindo professores e pesquisadores da área do direito, advogados, cientistas sociais e jornalistas, na sede da Fundação FHC, em São Paulo.

O debate teve como base o artigo “O STF e a defesa da democracia no Brasil”, escrito por Vieira e publicado pelo Journal of Democracy em Português, em junho de 2023. Os professores Oscar Vilhena Vieira (FGV DIREITO SP), Vera Karam de Chueiri (Universidade Federal do Paraná) e Ronaldo Porto Macedo Jr. (Universidade de São Paulo) fizeram comentários iniciais.

“Analiso e faço críticas ao Supremo há 30 anos e acho que seus erros se agravaram entre 2013 e 2018. Foi uma surpresa que tenha conseguido reagir às ameaças autoritárias nos últimos anos. O STF agiu com firmeza não porque fosse virtuoso, necessariamente, mas porque viu a possibilidade de redução de seus poderes”, disse Vieira, professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e conselheiro da Fundação FHC.

“Concordo que o STF teve um papel importante na contenção da recente escalada autoritária, mas também colaborou, em certa medida, para que ela acontecesse. Entre outros exemplos, o Supremo foi errático durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a Operação Lava Jato, se omitiu diante de reformas estruturais que desrespeitaram a Constituição, acostumou-se a um perigoso aumento das decisões monocráticas e, mesmo no enfrentamento do populismo de extrema direita, atuou no limite entre o extraordinário e o excepcional”, disse Chueiri, professora Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFPR).

“Ao descrever em seu artigo, com riqueza de detalhes, a atuação do STF nos últimos cinco anos, o professor Oscar Vilhena Vieira andou no fio da navalha. O que foi feito para proteger o Estado Democrático de Direito respeitou seus princípios fundamentais ou resultou em uma democracia militante que, em alguns momentos, afronta o próprio Estado de Direito? Na minha visão, há fortes evidências de que o Supremo, sobretudo devido a decisões dos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, entrou em uma zona nebulosa”, disse Macedo, professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP. 

Vieira: STF teve de agir porque outros órgãos federais se omitiram

Segundo o autor do texto em debate, o Supremo abriu inquéritos para investigar ameaças a seus ministros, a disseminação de fake news e a realização de atos antidemocráticos porque outros órgãos federais que deveriam tomar a frente nessas investigações não o fizeram. “Durante o governo anterior, o Ministério Público Federal, sobretudo devido à atuação do Procurador Geral da República, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) claramente se omitiram diante de fatos muito graves. Por isso, o STF instalou esses super inquéritos que têm dado tanto o que falar. Quando dizemos que as instituições funcionaram, foi sobretudo por causa do STF”, afirmou Vieira.

O constitucionalista salientou, no entanto, sua preocupação com um possível excesso de ativismo por parte da Corte, não tanto na defesa da democracia, mas ao “entrar em muitas bolas divididas” em outras áreas: “O STF deve preservar seu capital político-institucional. Se comprar todas as brigas, corre o risco de sucumbir. A arte de fazer escolhas é muito importante, mas é difícil quando não há unidade interna (entre os ministros).”

“Quando dizemos que as instituições funcionaram, foi sobretudo por causa do STF”, afirmou Vieira.

“Quando se trata de defender a democracia, o Supremo deve aprimorar sua capacidade de definir em que situações é necessário adotar medidas extraordinárias, nunca excepcionais. Nesse sentido, é importante desenvolver e consolidar no país a doutrina da chamada ‘democracia militante’, que teve origem nos anos 1930 quando pensadores alemães reagiram ao nazifascismo e foi colocada em prática pela República Democrática Alemã (hoje República Federal Alemã) após a Segunda Guerra Mundial”, disse.

Segundo Vieira, a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito — que entrou em vigor em 2021 e tipifica crimes contra a democracia — representou um importante avanço, mas ainda levanta muitas dúvidas e questionamentos. “Tivemos de colocar a nova lei em prática como se fosse em uma final de Copa do Mundo, sem qualquer treinamento anterior”, comparou. 

Para Chueiri, o STF deve atuar em defesa do Estado Democrático de Direito, quando necessário, mas “sem ultrapassar os limites constitucionais do que pode fazer do ponto de vista procedimental”. “É preciso definir com maior clareza qual é a fronteira entre a proteção da democracia e o respeito aos princípios fundamentais do Estado de Direito”, disse a pesquisadora do CNPq.

Macedo: limitar liberdade de expressão pode comprometer a democracia

“O que é um risco efetivo para a democracia? Esta é uma questão empírica difícil de avaliar. Tendo a acreditar que os exageros verbais típicos do populismo que vivemos nos últimos anos não vinham acompanhados de uma estratégia deliberada e concreta de destruição da democracia. Em que momento houve, por exemplo, um risco efetivo à independência do Judiciário?”, perguntou Macedo.

Segundo o professor da USP, a liberdade de expressão é um aspecto importante da democracia e é preciso ter cuidado diante das propostas de criação “ad hoc” de novas legislações e jurisprudências que possam resultar em um comprometimento desse princípio democrático fundamental. “Se abrirmos essa caixa de Pandora, sem que haja uma clareza dos riscos efetivos à democracia, não sabemos aonde isso vai parar”, alertou.

“Não é razoável sugerir que não houve risco real de um golpe durante os quatro anos em que Bolsonaro esteve no poder. O sujeito parece um pato, voa como um pato, grasna como um pato, então é um pato”, rebateu o cientista político Sergio Fausto. Para o diretor da Fundação FHC, a orquestração golpista a partir do Palácio do Planalto só não teve êxito porque houve resistência da maioria da sociedade, da cúpula das Forças Armadas, da liderança do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, entre outros.

É hora de construir um caminho de saída da atual crise institucional

“Concordo que os problemas começaram antes, com um certo ativismo por parte do Supremo, decisões monocráticas absurdas, idas e vindas na questão da prisão após condenação em segunda instância e outras decisões relacionadas ao combate à corrupção. Mas existe uma disfuncionalidade também no Poder Legislativo, com a não apreciação dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro pelo presidente Arthur Lira, e o avanço do orçamento secreto na Câmara e no Senado. A desorganização funcional e institucional é crescente em Brasília e ameaça a democracia brasileira”, disse a advogada e economista Elena Landau, na parte do evento aberta a comentários da plateia.

“As instituições políticas não funcionam da maneira ideal em lugar nenhum do mundo e a democracia sempre pode ser descrita como um copo meio cheio, meio vazio. O mérito do artigo em debate é contar a história vivida recentemente e fazer o registro histórico desse período excepcional. A questão que se coloca agora é como sair disso?”, disse a professora Maria Paula Dallari Bucci, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

“Não há dúvida de que o STF teve participação no processo que resultou no surgimento do populismo autoritário neste país, assim como é fato que a Corte tinha que ter atuado de forma extraordinária para conter o golpe articulado pelo ex-presidente da República. Como sair deste imbróglio? É preciso fortalecer nossa jovem democracia a partir da perspectiva de um aprofundamento do pacto civilizatório entre os três poderes da República”, disse Adriana Ancona de Faria, doutora em Direito Constitucional.

“O problema mais sério que as democracias de todo o mundo enfrentam hoje é que, de uns anos para cá, a extrema direita se tornou extremamente competitiva eleitoralmente. A concessão de poderes extraordinários no plano jurídico-institucional para conter ameaças à democracia pode produzir o resultado oposto e terminar por fortalecer a extrema direita autoritária nas urnas. Por isso, é fundamental que a disputa em prol da democracia se dê também nos campos social e político”, alertou Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da USP.

“É fato que a democracia é um processo complexo e confiar excessivamente em um órgão de elite como a Suprema Corte para conter suas oscilações pode resultar em abusos. Levo muito a sério, por exemplo, a questão da liberdade de expressão. Se apertarmos demais o torniquete, corremos o risco de reforçar o argumento da extrema direita de que está sendo prejudicada pelo establishment político-institucional. A proteção da democracia pela própria democracia é necessária, mas exige muita cautela e aprendizado”, concluiu Vieira.


Assista ao vídeo do debate na íntegra. 

Leia o artigo “O STF e a defesa da democracia no Brasil”, de Oscar Vilhena Vieira.

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Acesse a página Democracia em crise, que agrega diversos conteúdos produzidos recentemente pela Fundação FHC sobre o tema.

 

Saiba mais: 

O STF e a defesa da democracia - Por Alexandre de Moraes 

Ataques de 8 de janeiro: o que aprendemos e como fortalecer a democracia?

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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