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Desafios da Política Nacional de Segurança Pública, com Mario Sarrubbo

/ Transmissão online - via Zoom


O Ministério da Justiça, atualmente comandado pelo ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski, elabora um plano com diretrizes e parâmetros, ainda que gerais, para a área da segurança pública, visando aumentar sua influência sobre os estados no combate ao crime comum e organizado. “O ministro Lewandowski tem falado da importância de ‘constitucionalizar’ o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e trazer para a União suas responsabilidades no campo da segurança pública”, disse o secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Luiz Sarrubbo, em webinar realizado pela Fundação FHC.

“A ideia não é tirar a autonomia dos estados, mas aumentar a capacidade do governo federal de definir diretrizes e parâmetros e, de fato, articular o combate ao crime no país”, disse. Ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo, ele alertou que o projeto do ministro da Justiça, em fase de elaboração, deve enfrentar resistências no Congresso Nacional.

“O SUSP é uma boa ideia, mas essa discussão vai acabar no Congresso Nacional, onde as forças mais conservadoras são representativas e não compartilham da visão preponderante hoje no governo. No atual contexto de polarização, temos de tomar cuidado ao apresentar propostas legislativas”, disse.  

Como exemplo, o palestrante citou o tema do controle de armas: “Nosso desejo seria baixar um decreto restringindo ao máximo a posse de armas pela população, pois muitas delas acabam nas mãos dos criminosos. Mas isso enfrentaria muita resistência no Congresso Nacional, que também representa a vontade da população ou de parte dela”.

“Nas conversas com a bancada da segurança pública, tenho insistido que não existe bala de prata para resolver o problema da criminalidade no país. O que existe é a intenção de realizar um trabalho sério por meio do fomento e da indução de políticas estruturantes a partir do Ministério da Justiça. Chegou a hora de colocar a força da União no combate ao crime, mas preservando os pilares do Estado Democrático de Direito e respeitando os direitos humanos, como determina a Constituição”, disse Sarrubbo. 

O Sistema Unificado de Segurança Pública (SUSP) foi instituído pela Lei nº 13.675 em junho de 2018, durante o governo Temer, com o objetivo de integrar os órgãos de segurança e inteligência; padronizar informações, estatísticas e procedimentos; entre diversas outras medidas visando a integração das forças de segurança de todo o país. Mas o projeto não foi priorizado durante os anos Bolsonaro e continua praticamente no papel.

“O maior desafio da segurança pública é coordenar uma política em que os estados trabalhem conjuntamente com a União no combate ao crime comum, principalmente aos crimes patrimoniais, e também ao crime organizado”, disse Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Segundo a cientista social, a sensação de medo e insegurança existente hoje no país incentiva a adesão de parte da população a ideias e medidas autoritárias: “Como o Estado não resolve o problema da criminalidade, muitos começam a defender a ideia de se fazer justiça com as próprias mãos ou de simplesmente abandonar os direitos humanos para fazer o que for preciso contra os criminosos. Para mudar essa situação, é fundamental que o governo federal faça a sua parte.”

Contra o crime organizado, a palavra é integração

O secretário defendeu que “todos os atores envolvidos no combate ao crime organizado” devem se sentar à mesma mesa para definir novas estratégias de atuação contra o narcotráfico e outros crimes levados a cabo por grupos criminosos organizados: “Nossa ideia é promover encontros frequentes com membros dos Ministérios Públicos estaduais e federal, das polícias civis, militares, penais e rodoviárias estaduais, da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, das Receitas estaduais e federal, enfim, todos os envolvidos no combate ao crime organizado para conversar”. 

O palestrante destacou a necessidade de maior cooperação entre as forças de segurança brasileiras e dos países vizinhos. “Mais de 80% da cocaína e da maconha consumida no mundo é produzida na América do Sul. O Brasil é um dos principais corredores do tráfico internacional de entorpecentes. Ou trabalhamos junto com os países vizinhos, sobretudo Colômbia, Peru e Bolívia, ou não vamos ganhar essa guerra”, afirmou. 

Sarrubbo apontou o Centro Integrado de Operações de Fronteira (Ciof), inaugurado em 2019 em Foz do Iguaçu (PR), com investimentos de R$ 2,9 milhões da Itaipu Binacional, como um modelo a ser replicado em outras partes do país dentro de uma estratégia integrada de combate ao crime organizado.

Diretrizes para o uso de câmeras corporais por policiais em todo o país

No dia em que o secretário esteve na sede da Fundação FHC em São Paulo, o Ministério da Justiça divulgou diretrizes para o uso de câmeras corporais em todo o país, que serão obrigatórias para as forças federais de segurança, como a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). 

A portaria detalhou dezesseis atividades policiais que deverão ser gravadas, entre elas, atendimento de ocorrências; buscas; ações operacionais, inclusive manifestações ou reintegrações de posse; e situações de potencial de confronto ou uso de força física. Os estados não são obrigados a seguir as recomendações, mas só aqueles que adotarem as diretrizes poderão dispor de recursos federais para a compra do material.

“Os dados, principalmente aqueles coletados em São Paulo, indicam que o uso de câmeras corporais melhora a eficiência do trabalho dos policiais militares, diminui a letalidade policial, tanto dos cidadãos como dos próprios policiais, e melhora a qualidade da prova. Daí a importância do governo federal divulgar parâmetros nacionais para o uso desse equipamento”, explicou. 

Segundo Sarrubbo, o governo federal estuda criar um parâmetro para definir o número mínimo de policiais civis e militares que cada estado deve ter, levando em consideração a população, a taxa de criminalidade e os recursos tecnológicos disponíveis. “Estudamos a criação de um mecanismo que seja uma espécie de gatilho: quando a quantidade de policiais ficar abaixo do mínimo necessário em determinado estado, automaticamente o governo precisa abrir concurso para a contratação de policiais”, disse.

Ao anunciar a criação do Escuta Susp – programa que oferecerá apoio psicológico voluntário a policiais militares, civis, bombeiros e peritos criminais –, o secretário citou dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) que mostram que, desde 2015, foram informados 821 suicídios de policiais, sendo o ano de 2023 o pior da série histórica, com 133. Depressão, síndrome de burnout, falta de engajamento e de motivação são as queixas mais frequentes entre os agentes de segurança apuradas pela Pesquisa Nacional de Qualidade de Vida dos Profissionais da Segurança Pública, lançada no ano passado.

Elaborado em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a primeira etapa do projeto prevê a realização de 65 mil atendimentos online a profissionais de segurança pública, começando por Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Sergipe e Distrito Federal e se estendendo a outros estados a partir de 2025. Também será criado um protocolo psicoterápico específico para essas categorias profissionais.

Ele também propôs a criação de um sistema nacional de boletins de ocorrências, que possibilite que ocorrências criminais registradas em um estado possam ser facilmente consultadas pelos demais, aumentando assim a troca de informações entre as polícias civis e militares. “É um sonho, não muito simples de ser colocado em prática, mas seria muito útil para o combate ao crime nacionalmente”, disse.

Gestão das forças de segurança de todo o país precisa ser modernizada

A demanda por maiores efetivos policiais em todo o país é legítima, mas os limites fiscais inviabilizam que os estados contratem mais policiais civis, militares e outras categorias da área de segurança, disse a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao comentar a ideia do secretário de criar um mecanismo que obrigue os estados a contratar mais policiais quando o efetivo cair abaixo de um determinado limite. 

Segundo Samira Bueno, é preciso reestruturar as carreiras e os modelos de trabalho nas forças de segurança de todo o país: “Atualmente os profissionais de segurança pública representam em média  23% do funcionalismo público no país, mas ocupam 33% da folha de pagamento das unidades federativas. Ou seja, eles ganham mais do que outras categorias. Como o orçamento público é limitado, não há como ampliar os efetivos policiais. A modernização da gestão das forças de segurança é o único caminho para abrir espaço no orçamento das polícias estaduais para destinar mais recursos ao combate ao crime.”

Ela citou, por exemplo, as polícias norte-americanas, onde um terço dos funcionários, principalmente da área de gestão, é composto por civis e recebe salários diferentes dos policiais diretamente envolvidos em operações de campo e investigações. “Não há necessidade de médicos, dentistas, veterinários e outras categorias que prestam serviços às polícias, mas que não atuam diretamente no combate ao crime, serem militares. Eles podem ser civis e receber salários diferentes dos profissionais militares. Mas as PMs não admitem essa possibilidade, o que encarece todo o sistema”, explicou.

A cientista política cobrou maior envolvimento da União, estados e também dos municípios na repressão ao crime patrimonial: “O que gera enorme sensação de insegurança na população é o roubo de carros, celulares etc. As cidades estão assumindo maior protagonismo na segurança de seus habitantes. Dados recentes mostram que as guardas municipais tiveram um aumento de 35% em seus efetivos nacionalmente, mas é preciso definir melhor qual é o papel das guardas municipais e como elas devem atuar em parceria com as forças estaduais para reduzir a violência e a insegurança dos cidadãos”, disse.

Ela salientou que o crime organizado assumiu uma uma nova magnitude no país, com a diversificação de seus negócios e novas formas de lavagem de dinheiro: “Na Amazônia, o mesmo avião que transporta cocaína carrega ouro ilegal. O crime não tem fronteiras. Nosso federalismo coloca em caixinhas o combate à criminalidade. Cada estado tem seu sistema e eles não compartilham informações. O trabalho de coordenação tem de ser feito pelo governo federal, por meio do Ministério da Justiça e de órgãos como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira).”

 

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

 

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