Debates
24 de abril de 2025

“O Brasil na visão das lideranças públicas”, com o prefeito de Recife, João Campos

Liderança do PSB, João Campos compartilhou sua experiência e visão sobre os desafios de sua cidade, seu estado, Pernambuco, e do Brasil.

Gestão fiscalmente responsável com uso intensivo da tecnologia e monitoramento de resultados. Comunicação baseada na escuta e forte presença nas ruas. Ação política que busca a união, não a divisão. Estes são os componentes da fórmula que, segundo João Campos, 31 anos, explica o sucesso de sua administração na Prefeitura de Recife. Em 2024, o jovem político do PSB (Partido Socialista Brasileiro) foi reeleito com 78,11% dos votos válidos, tornando-se o prefeito mais bem votado da capital pernambucana.

“É preciso valorizar a cultura de gestão, mas com sentimento por trás de cada decisão, porque elas mudam vidas. Além disso, estou presente nas ruas de Recife todos os dias para ouvir e conversar com as pessoas. O político precisa transformar ideias em ação e dar resultados. Ser bom de comunicação é importante, mas não sou apresentador de TV”, resumiu Campos em palestra na Fundação FHC dentro do ciclo “O Brasil na visão das lideranças públicas”.

Segundo Campos, para “construir credibilidade política é preciso entender as divergências e priorizar as convergências”. “O que está faltando ao Brasil é capacidade de juntar. Não é fácil, busco fazer isso levando a conversa para o campo prático, com uma agenda baseada em coisas reais, concretas. O bom governo é aquele em que as pessoas falam sobre ele espontaneamente, em vez do governo tentar falar aquilo que acha que as pessoas querem ouvir”, disse.

O palestrante destacou que, ao ser reeleito em Recife, contou com a maioria dos votos tanto de petistas como de bolsonaristas: “Pesquisa realizada cerca de uma semana antes do primeiro turno apontou que eu teria 90% dos votos dos eleitores de Lula, 65% dos votos dos eleitores de Bolsonaro e 80% dos votos dos evangélicos. Unir pessoas que pensam diferente com base no trabalho que fizemos na cidade explica o excelente resultado que obtivemos nas urnas.”

Formado em engenharia, João Campos — filho do ex-governador Eduardo Campos, morto em um acidente de avião em Santos (litoral paulista) em 2014, em plena campanha à Presidência da República pelo PSB, e bisneto de Miguel Arraes, figura histórica da política pernambucana e nacional — iniciou sua carreira política em 2018, quando foi eleito deputado federal por Pernambuco. Aos 27 anos, foi eleito prefeito de Recife e exerce atualmente seu segundo mandato. É considerado uma das jovens lideranças mais promissoras no campo da centro-esquerda.

João Campos em debate na Fundação FHC — Foto: Vinicius Doti

Vacina contra coronavírus foi porta de entrada para serviço público digital

Quando disputou sua primeira eleição para prefeito de Recife, em 2020, o mundo vivia o primeiro ano da pandemia do novo coronavírus, havia muita incerteza sobre quando seria aprovada a primeira vacina e quando o Brasil, então sob governo Bolsonaro, começaria a vacinar a população. Ao assumir em janeiro do ano seguinte, no momento em que a vacina Coronovac começava a chegar ao Brasil, João Campos tomou a decisão de assegurar a cada morador de Recife a possibilidade de agendar data e hora de sua vacinação por meio de um aplicativo na Internet. A decisão teve o duplo objetivo de agilizar a vacinação e abrir uma ampla porta de entrada para outros serviços a serem oferecidos digitalmente pela prefeitura. 

“Antes da pandemia, tínhamos uma base de apenas 8.000 pessoas cadastradas em nossa plataforma digital, hoje temos praticamente toda a população da capital, de cerca de 1,5 milhão de pessoas, com cadastro digital atualizado. O aplicativo da prefeitura já teve mais de 1,2 milhões de downloads. Com a devida autorização para acessar os dados pessoais de toda essa base, tenho informações muito precisas sobre o momento de vida de cada habitante e não preciso esperar ela ou ele procurar o serviço da prefeitura, nós mesmos podemos nos adiantar e oferecer aquilo que cada pessoa precisa por meio do WhatsApp. É o que chamamos de ‘governo a zero clique’”, explicou.

“O uso intensivo da tecnologia associado a serviços públicos eficientes torna tangível o discurso de defesa da democracia porque os cidadãos querem ter uma vida protegida e a garantia de que o poder público vai entregar aquilo que é seu dever. Qualquer ator político que fizer o que fizemos em Recife ganhará a confiança da população”, afirmou.

Além da saúde, sobretudo na atenção básica, Campos destacou a duplicação das vagas em creches e chegar a 50% das escolas em tempo integral como conquistas de seu primeiro mandato. Outra prioridade foi a austeridade fiscal, colocada em prática logo no primeiro ano de governo, que possibilitou elevar a nota de crédito do município, com apoio da União e por meio de operações de crédito internacionais, ao mesmo tempo em que se preparava um plano estratégico de investimentos para os anos seguintes.

“O primeiro ano de governo foi de ajustar as contas da prefeitura, mas depois, com uma carteira de projetos bem elaborada e recursos em caixa, batemos recordes de investimento ano a ano. Foram R$ 2,7 bilhões destinados a investimentos em quatro anos, 70% deles nas regiões periféricas. Se tivesse optado por duelar entre equilíbrio fiscal e proteção social não teria feito nada.”

Prefeito recifense se define como um ‘realista esperançoso’

Segundo Campos, as guerras, as ameaças à democracia, a intolerância política e o que ele chamou de “bullying econômico” por parte do presidente norte-americano Donald Trump criam um cenário de instabilidade que afeta todos os países, inclusive o Brasil, com reflexos na economia, na sociedade e nas decisões dos governantes, tanto a nível federal, como estadual e municipal.

“É um período complicado que exige atenção e cuidado, mas que também pode ser uma oportunidade para nos posicionarmos de uma forma diferente e ocupar novos espaços. Como dizia o escritor pernambucano Ariano Suassuna, com quem tenho laços de parentesco, o pessimista é um chato e o otimista, um tolo. A saída então é ser um realista esperançoso”, brincou.

Na política nacional, ele prevê um quadro ainda difícil em 2026, quando ocorrerão eleições gerais, devido à polarização política e ao embate entre o presidente Lula (provável candidato à reeleição) e o ex-presidente Bolsonaro (mesmo inelegível), mas nos anos seguintes haverá espaço para uma nova geração de políticos em formação.

“A próxima eleição ainda terá como característica a polarização, com uma tendência de fortalecimento da direita, sobretudo no Congresso Nacional. Quando converso com as pessoas pergunto se elas preferem estabilidade ou instabilidade, bom senso ou radicalismo e, na minha visão, a maioria dos brasileiros e brasileiras já começa a dar sinais de cansaço das posições mais extremadas. Por isso, acredito que, no médio prazo, poderemos debater os rumos do país em um ambiente de maior civilidade e respeito”, disse Campos, provável candidato a governador de Pernambuco no ano que vem.

João Campos em debate na Fundação FHC — Foto: Vinicius Doti

Pautas identitárias: ‘Prefiro entregar em vez de entrar em bola dividida’

“Em recente entrevista ao programa Roda Vida (TV Cultura), o senhor afirmou que a população não tem interesse nas pautas identitárias. Como construir políticas públicas que garantam os direitos dos cidadãos sem levar em consideração o histórico de desigualdade de gênero e raça no Brasil?”, perguntou a cientista política Beatriz Rey, convidada pela Fundação a comentar a fala do palestrante e a fazer perguntas.

“Sou do campo da centro-esquerda e acho que todo mundo tem o direito de defender aquilo no qual acredita, mas acho que às vezes falta à esquerda a tática adequada para atingir seus objetivos. Como um político que exerce um espaço de poder, prefiro primeiro fazer, garantir direitos e depois propagar aquilo que foi feito. No programa Embarque Digital, que implementamos em Recife, 50% dos participantes são pretos e pardos e 60% são mulheres. Ao investir em educação integral, estamos dando melhores oportunidades a uma população historicamente marginalizada. Prefiro entregar resultados em vez de entrar em bola dividida. Quanto um não quer, dois não brigam”, respondeu o prefeito.

Beatriz Rey e João Campos em debate na Fundação FHC — Foto: Vinicius Doti

“As cidades devem ter maior responsabilidade na área da segurança pública?”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor executivo da Fundação FHC, que reuniu algumas perguntas da plateia.

“Hoje não é papel das cidades ter polícia própria. Se for para ter, teremos de rever as competências definidas em lei e também as origens do financiamento. O presidente Lula e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, apresentaram uma PEC ao Congresso que, se aprovada, deixará mais claras as competências da União, dos estados e municípios. É uma boa oportunidade para discutirmos o tema e avançarmos no combate à insegurança e ao crime organizado”, respondeu Campos.

Como prefeito, ele destacou algumas medidas adotadas em Recife, como programas de melhoria da iluminação pública e investimentos em equipamentos sociais nas áreas mais vulneráveis da cidade.

“É preciso valorizar a cultura de gestão, mas com sentimento por trás de cada decisão, porque elas mudam vidas. Além disso, estou presente nas ruas de Recife todos os dias para ouvir e conversar com as pessoas. O político precisa transformar ideias em ação e dar resultados.”

João Campos, prefeito de Recife

PSB quer ocupar ‘espaço programático no centro político’

Candidato ao cargo de presidente do Partido Socialista Brasileiro em eleição prevista para o final de maio, João Campos disse “não ter dúvidas de que o PSB vai crescer nos próximos anos e ocupar um espaço que está carente na política brasileira”.

“Hoje temos os pólos mais extremados, à esquerda e à direita, e um centrão excessivamente pragmático. Há espaço para crescer de forma programática, defendendo ideias e projetos, no campo progressista. O PSB tem tudo para crescer com qualidade e consistência”, afirmou.

Após o final da palestra, em entrevista aos jornalistas presentes, ele defendeu que o vice-presidente Geraldo Alckmin, também do PSB, seja novamente candidato ao cargo em 2026, como companheiro de chapa do presidente Lula: “É uma posição clara e unificada dentro do partido (o apoio à reeleição de Lula), com a prioridade da manutenção do vice-presidente Geraldo Alckmin na chapa presidencial.”

Veja como foram outros encontros do ciclo “O Brasil na visão das Lideranças Públicas”.

Gilberto Kassab: ‘Polarização ainda é desafio, mas democracia se consolida e eleitor está mais maduro’

Edinho Silva: ‘Governo Lula e PT devem superar polarização e abrir espaço a uma nova agenda para o país’

Eduardo Leite: ‘Política deve atacar os problemas, não as pessoas’


Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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