Debates
25 de março de 2025

“Governo Lula e PT devem superar polarização e abrir espaço a uma nova agenda para o país”, diz Edinho Silva, candidato à presidência do PT

Para o candidato à presidência do PT, as forças governistas devem evitar reforçar a polarização para aumentar as chances de vitória nas eleições de 2026.

A centro-esquerda, sob a liderança do presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT), enfrentará grandes dificuldades nas eleições de 2026 devido a uma conjuntura nacional complexa e a um cenário externo desfavorável. Para aumentar as chances de vitória, seja com Lula ou outro candidato escolhido para sucedê-lo, as forças governistas devem evitar reforçar a polarização política, dialogar mais com a sociedade e se comunicar melhor, e colocar em prática iniciativas governamentais e políticas públicas mais sintonizadas com a realidade brasileira atual.

“Com a vitória de Trump, o cenário internacional é desfavorável a nós, do campo da esquerda. No Brasil, uma parte significativa da sociedade, algo em torno de 20% a 25%, se identifica com as ideias reacionárias e radicais da extrema direita, que têm diversos paralelos com o fascismo das décadas de 1920 e 1930. Não dá para menosprezar o que estamos enfrentando. Se não derrotarmos esse fascismo do século 21, viveremos uma tragédia nunca experimentada anteriormente em nossa história”, disse o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, candidato à presidência do PT, em palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso

Se vencer a disputa em 6 de julho próximo, Edinho conduzirá o partido durante a campanha eleitoral no próximo ano. Neste encontro, que integrou o o ciclo “O Brasil na visão das lideranças públicas, ele disse ser uma voz favorável dentro do PT no sentido de se evitar a polarização com a extrema direita porque ela cristaliza as opiniões da sociedade em dois campos opostos e dificulta o surgimento de uma nova agenda para o país. 

“Toda vez que eu falo no PT que nós precisamos sair da polarização, sou duramente atacado por algumas lideranças como se romper com a polarização significasse recuar politicamente. Não é isso. Só penso que, em uma sociedade já polarizada, insistir nisso indefinidamente vai cristalizar ainda mais as opiniões. [Com as] opiniões cristalizadas, a fotografia atual não será alterada”, afirmou o palestrante convidado, que é graduado em ciências sociais e um quadro histórico do PT. Foi  ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo de Dilma Rousseff.

Segundo o ex-prefeito araraquarense (por quatro mandatos), embora Lula tenha sido eleito em 2022 com o apoio de uma frente ampla em defesa da democracia, o governo teve dificuldades de romper com a polarização que divide o país. “Penso que, neste momento, o governo reconhece essa polarização (e a necessidade de superá-la). O próprio Lula entende o momento difícil e desafiador que vivemos e o que precisa ser feito para entrarmos em um outro momento da política nacional. Vejo um cenário de dificuldades, mas estou otimista”, disse.

Edinho Silva em debate na Fundação FHC — Foto: Vinicius Doti

Derrota democrata nos EUA é ‘sinal de alerta’

Segundo Edinho, a vitória de Donald Trump — descrito por ele como “o maior líder fascista do século 21” — mostra que o Partido Democrata norte-americano não fez a leitura correta do que estava em disputa nas eleições do ano passado:

“Precisamos olhar com atenção o que aconteceu em 2024 nos Estados Unidos porque pode acontecer aqui no próximo ano. Depois da vitória de Joe Biden em 2020, os democratas achavam que tinham derrotado Trump e seu projeto hegemonista. O governo Biden obteve importantes conquistas, a economia ia bem, parecia um voo de cruzeiro. Aí chegam as eleições e os democratas sofrem uma derrota acachapante. Está claro que não fizeram uma leitura correta sobre o que estava em disputa. Aquilo que parecia fora de lugar nos EUA de Biden volta de forma orgânica, com uma agenda mais elaborada, virulenta e radical. Temos que olhar para as eleições gerais de 2026 como parte desse contexto.”

“Este movimento político de inspiração fascista precisa ser derrotado novamente no Brasil, mas é difícil impor essa derrota se não trouxermos de volta parte da sociedade que foi homogeneizada pelo pensamento da extrema direita. Para disputar o eleitorado com essa direita virulenta, racista, misógina e homofóbica, é preciso furar a bolha”, continuou.

Ainda durante sua fala inicial, Edinho alertou para uma provável tentativa de interferência de Trump e seu grupo político nas eleições de 2026: 

“Trump não vai assistir à eleição brasileira de camarote. Podemos esperar uma interferência pesada, sobretudo via redes sociais. Daí a importância de discutirmos uma legislação adequada para as plataformas digitais. Elas não podem ser terra de ninguém. Isso não é democrático nem civilizatório. Não se trata de censura, mas de estabelecer regras claras. Temos que enfrentar esse debate na sociedade e no Congresso Nacional.”

PT precisa ‘reencantar’ o jovem com a democracia

“Compartilho de suas preocupações, mas, nas pesquisas qualitativas, o que aparece com frequência é uma direita empoderada, com discurso e capacidade de mobilização. Enquanto isso, a esquerda parece apegada a slogans ultrapassados, as lideranças progressistas estão meio apagadas, olhando para o passado. Como encantar as pessoas?”, perguntou a cientista política Camila Rocha, diretora científica do Centro para Imaginação Crítica (CCI/Cebrap) e autora do livro ‘Menos Marx mais Mises. O liberalismo e a nova direita no Brasil’ (Editora Todavia, 2021), convidada a comentar a fala do palestrante e fazer perguntas.

“Qual a maior categoria profissional do país hoje? A dos motoboys. Um dos grandes desafios que enfrentamos no PT é entender e dialogar com essa nova classe trabalhadora. Qual a política do governo para os motoboys, os motoristas de Uber? Eles não se veem como trabalhadores, mas como empreendedores. O PT, que nasceu do sindicalismo, não tem diálogo com esse grupo. Houve algumas tentativas, mas perdemos o debate”, disse Edinho.

Ele demonstrou preocupação com o resultado das eleições municipais de 2024, em que a esquerda não teve bom desempenho: “Se compararmos os mapas eleitorais de 2022 (eleições gerais) e 2024 (eleições municipais), é trágico o quanto o PT perdeu votos na periferia. Em São Paulo, os jovens votaram em Pedro Marçal. Como explicar para o jovem da periferia que a democracia é importante e que o Marçal não é democrático? Os jovens estão descrentes com a política, o PT tem que recuperar esse encantamento da juventude com a democracia.”

Edinho Silva em debate na Fundação FHC — Foto: Vinicius Doti

Entre outras ideias para atrair os mais jovens, Edinho propôs a criação de um amplo programa de acesso ao crédito para a juventude, maior empenho do governo federal para disseminar a educação em tempo integral em todo o país, uma política mais consistente de fomento de novos negócios e startups e a universalização de creches para a primeira infância, fundamental para as jovens mães poderem trabalhar. 

“Os jovens das classes menos favorecidas não têm acesso ao crédito, como sonhar em melhorar de vida e ter prosperidade, algo que tem sido muito valorizado, por exemplo, entre os evangélicos neopentecostais? O emprego tradicional, com carteira assinada, é muito importante, mas a democracia precisa criar outras condições de ascensão social”, disse. 

Outra área que pode beneficiar a população mais pobre é um amplo projeto de legalização e melhoria de moradias em condições precárias, sendo que muitas delas estão em áreas ilegais e não tem nem mesmo o documento ‘habite-se’. “Quem investiu em uma casa, ainda que em condição precária, inadequada ou até mesmo ilegal, não quer sair de lá de jeito nenhum. Poderíamos oferecer recursos para tornar essas casas melhores e mais seguras, quando for possível”, disse.

“Podem ser boas ideias, mas o acesso ao crédito, por exemplo, exige estabilidade macroeconômica. Sob o comando de Fernando Haddad, a economia não está fora de controle, mas, na minha visão, o governo tem sido imprudente. Tem uma agenda velha, com um forte traço estatista, gastos públicos excessivos e flerta com a inflação. Para quem vê de fora, fica uma sensação de uma certa perplexidade”, comentou o cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC e mediador do evento.

Edinho lembrou que, ao voltar ao Palácio do Planalto em 2023, o governo petista fez um “grande esforço” para recuperar programas como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, criados em governos anteriores do PT (entre 2003 e 2016) e desmantelados durante o governo Bolsonaro (2019-2022). “São políticas públicas importantes que precisavam ser retomadas, mas reconheço a necessidade de investirmos em novas iniciativas para dar respostas à nova realidade do país e do mundo”, disse.

Além das propostas acima, Edinho citou também a segurança pública. “Há muitos anos a esquerda foge desse tema. É um equívoco porque a população sente na pele o problema da insegurança e da violência. É preciso investir na polícia sim, ela deve estar bem equipada, com salários adequados e boa formação. Também é fundamental investir no trabalho preventivo e de inteligência. Durante minha gestão, Araraquara foi a segunda cidade mais segura do interior de São Paulo. Instalamos mais de 3.000 câmeras inteligentes em todos os bairros, além de integração com os sistemas de segurança privados. É possível ser duro contra o crime e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos humanos.”

Outro projeto destacado é o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, que foi anunciado pelo ministro Fernando Haddad no primeiro ano de governo, mas ainda não apresentou resultados concretos. “Quando Trump rasga os pactos para enfrentar a  emergência climática, surge uma oportunidade para o Brasil. Nenhum país tem condições de produzir energia limpa como nós. Este tema é prioritário e tem que avançar”, afirmou.

Direita vive contradição com Bolsonaro inelegível e réu no STF

Edinho Silva caracterizou o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno mais próximo, incluindo a família, como representantes no Brasil desse “movimento de inspiração claramente fascista em voga no mundo”. Questionado se os demais pré-candidatos da direita à Presidência da República, como os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ratinho Júnior (Paraná) e Romeu Zema (Minas Gerais), se encaixam neste grupo, ele respondeu:

“Não, eles têm identidades e projetos distintos, não dá para dizer que são todos fascistas. A direita vive uma contradição porque quer se dissociar do golpismo de Bolsonaro, mas precisa do voto do bolsonarismo mais radical. Creio que Bolsonaro, mesmo inelegível e réu no STF, não vai transferir seu capital eleitoral a outro candidato da direita sem garantir que o núcleo duro do bolsonarismo continue no jogo político. Quando falo de núcleo duro, penso na Michelle, no Eduardo e no Flávio, mas também no Guilherme Derrite (atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, indicado por Bolsonaro), por exemplo. Esta é uma história a ser contada”, disse.

PT tem que começar a construir o “pós-Lula”

Mesmo que o presidente Lula decida se candidatar à reeleição em 2026, será a última vez que o nome da maior liderança da esquerda brasileira estará nas urnas, lembrou Edinho. “Qual o partido que vai existir quando Lula se aposentar das urnas? Está na hora de começar a construir o futuro do PT pós-Lula. O partido tem estrutura, base social e capacidade de mobilização, mas precisa se reconectar com a sociedade, inclusive com grupos com os quais não dialogamos bem. Os evangélicos, que em poucos anos serão maioria da população brasileira, são um exemplo”, disse. 

Edinho citou o partido de centro-esquerda mexicano Morena — fundado pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador em 2011 e hoje a principal força política do país — como um bom exemplo de partido de esquerda latino-americano bem enraizado na sociedade contemporânea mexicana. “Vale a pena ver o que eles estão fazendo e o que podemos aproveitar”, disse. AMLO e o Morena são criticados por aprovar reformas constitucionais e institucionais que enfraquecem o Estado democrático de direito e podem levar o país rumo ao autoritarismo competitivo.

Por fim, Edinho destacou a importância de novos partidos ocuparem o centro do espectro político, citando especificamente o Partido Social Democrático (PSD), de Gilberto Kassab, e o PSB (Partido Socialista Brasileiro), do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. “Gostaria muito de ver um novo centro se fortalecendo no país, e o PSB e o PSD são bons candidatos a ocupar este espaço”, concluiu.

Veja outras palestras do ciclo ‘O Brasil na visão das lideranças públicas’:

Gilberto Kassab: ‘Polarização ainda é um desafio, mas democracia se consolida e eleitor está mais maduro’

ACM Neto: ‘Direita deve evitar o radicalismo na disputa pelo Palácio do Planalto em 2026’

Alexandre Padilha: ‘Campo Democrático precisa isolar a extrema direita’

Eduardo Leite: ‘Política deve atacar os problemas, não as pessoas’


Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.

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