Imagem do Congresso: como melhorar o Parlamento e sua relação com a população?
Neste webinar, promovido pela Fundação FHC e pela RAPS, conversamos com a senadora Eliziane Gama e os deputados federais Alessandro Molon e Marcelo Ramos.
O Congresso Nacional precisa aumentar sua diversidade, para que seja mais parecido com a sociedade brasileira, e deve dialogar mais com as pessoas, possibilitando que haja maior participação popular no processo legislativo. Deve também trabalhar para construir consensos em temas que interessam a toda a população e ser mais transparente na destinação dos recursos públicos.
Estes foram os destaques do webinar “Congresso Nacional: qualidade da representação parlamentar e protagonismo político”, que reuniu uma senadora e dois deputados federais que têm se destacado no Parlamento brasileiro. O debate deu início à programação anual de seminários da Fundação em 2022 e foi uma parceria entre a Fundação FHC e a RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade).
“Para que o Congresso seja fruto do sentimento popular, é fundamental que ele reflita a composição da sociedade brasileira. A presença de mulheres no Senado Federal e na Câmara dos Deputados ainda está muito aquém da nossa representação na população. O mesmo acontece com a população negra. É preciso mudar a legislação para garantir maior acesso de mulheres e negros ao Parlamento”, disse a senadora maranhense Eliziane Gama, filiada ao Cidadania e líder do Bloco Senado Independente.
“Na atual legislatura, o Poder Legislativo – nos primrteiros dois anos, sobretudo a Câmara, e no segundo biênio, o Senado – tem sido uma trincheira em defesa da democracia. Esse protagonismo é muito importante para proteger o Estado de Direito, mas, devido à fraqueza do atual governo e sua dependência em relação ao Centrão, está se transformando em algo disfuncional, o que não é bom para o país”, afirmou o deputado fluminense Alessandro Molon, filiado ao PSB e líder da Bancada da Oposição na Câmara.
“No Brasil, debate-se muito o sistema político e pouco o sistema partidário. É urgente criar mecanismos de democracia dentro dos partidos. A maioria dos partidos brasileiros têm o mesmo presidente há anos. É preciso oxigenar os partidos de forma a torná-los mais transparentes e possibilitar o surgimento de novas lideranças”, disse o deputado amazonense Marcelo Ramos, recém-filiado ao PSD e vice-presidente da Câmara dos Deputados.
Orçamento secreto viola princípios constitucionais
Os três palestrantes defenderam a prerrogativa do Congresso de destinar parte do Orçamento anual para as emendas parlamentares, mas criticaram o chamado “orçamento secreto”, em que o relator do orçamento pode destinar verbas sem especificar o nome do parlamentar responsável pela indicação. Em 2022, serão distribuídos R$ 16,5 bilhões para deputados e senadores por meio das emendas de relator.
“As emendas parlamentares, sejam elas individuais, de bancada ou definidas pelas comissões, são um instrumento importante para garantir uma partilha mais descentralizada dos recursos públicos, garantindo que eles cheguem na ponta, onde são extremamente necessários. Mas elas devem existir considerando os princípios básicos da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não é o que temos visto, recentemente, com o orçamento secreto”, disse Eliziane Gama.
“A votação do Orçamento anual é o momento de definir um projeto de futuro: que país queremos? Sou favorável a que o Legislativo tenha voz para destinar 100% das verbas públicas, em diálogo com o Executivo, claro, mas o orçamento não pode ser uma colcha de retalhos, sem uma visão de conjunto e sem qualquer transparência. Existe hoje a suspeita de que o orçamento secreto está servindo para construir maioria, e não apenas do governo, mas de quem comanda o Congresso. Essa prática é ruim para o bom uso dos recursos públicos, para a imagem das instituições e para a própria democracia”, disse Alessandro Molon.
“O Brasil, por suas dimensões continentais, tem um federalismo bastante particular, em que os três entes federativos têm autonomia política, administrativa e financeira. Distribuímos as responsabilidades, mas não os recursos. Não está errado destinar parcela do orçamento federal aos estados e municípios. Os 513 deputados e os 81 senadores conhecem as necessidades de sua região e podem contribuir para que as verbas públicas cheguem onde a população mais precisa. O equívoco não são as emendas parlamentares, mas a falta de transparência”, disse Marcelo Ramos.
Financiamento eleitoral deve ter recursos públicos e privados limitados
Para Ramos, a proibição de doações de empresas aos partidos políticos – decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 – acabou concentrando o financiamento eleitoral, sobretudo, em recursos públicos sem que a sociedade estivesse convencida da importância de financiar a democracia. “O problema está no valor do Fundo Eleitoral, sim, mas também na falta de compreensão por parte dos brasileiros de que a democracia precisa ser financiada de alguma maneira. Por isso, defendo um sistema misto, com uma base de financiamento público menor, complementada pelo financiamento privado com regras claras, transparentes e controle adequado”, disse o vice-presidente da Câmara.
Molon propôs a redução do número de candidatos a deputado federal por partido como caminho para reduzir os custos das campanhas: “Hoje cada partido pode registrar até 150% do número de cadeiras disponíveis no seu estado. O Rio, por exemplo, tem 46 vagas na Câmara Federal e cada partido pode lançar 69 candidatos. Creio que esse percentual poderia ser reduzido para 50%, por exemplo, nos estados maiores, o que tornaria as campanhas mais baratas.”
Ele também defendeu maior estímulo a doações de pessoas físicas, mas limitando o valor máximo de cada doação, para evitar que candidatos ricos sejam privilegiados em relação aos demais. “Doar é uma forma de participar da política”, disse. Hoje a lei eleitoral permite que pessoas físicas doem até 10% de sua renda bruta anual declarada à Receita no ano anterior ao pleito.
Eliziane Gama destacou a importância de reduzir o número de partidos políticos no Brasil, lembrando que as federações partidárias – uma novidade da eleição de 2022 – podem representar um passo nesse sentido, tanto para reduzir os gastos com campanhas, como para melhorar a governabilidade. “É impossível construir uma maioria funcional com mais de 30 partidos representados no Congresso”, disse.
Paridade de gênero
A senadora reiterou a necessidade de garantir maior acesso às mulheres no Parlamento, inclusive por meio de uma distribuição mais justa dos recursos do Fundo Partidário. “Segundo estudo do Instituto Patrícia Galvão, no passo atual só teremos paridade de gênero no Congresso Nacional em 2111. É fundamental mudar a legislação para acelerar esse processo”, afirmou.
Gama também propôs que a população possa ter mais influência no Legislativo – tornando mais fácil a apresentação de projetos de iniciativa popular e utilizando com maior frequência mecanismos como os plebiscitos e referendos – e defendeu o fortalecimento dos conselhos de ética na Câmara e no Senado.
Menos polarização, mais consenso
Para Marcelo Ramos, os congressistas devem evitar a polarização excessiva e fazer um esforço para construir convergências tendo como base o espírito público e valores civilizatórios, humanos e progressistas: “O Parlamento é o lugar do diálogo. As diferenças ideológicas existem, mas devemos trabalhar para construir consensos que de fato contribuam para melhorar a vida dos brasileiros e tornar nosso país mais justo e desenvolvido. A política é um instrumento para fazer o bem, não para se dar bem.”
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.