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Acervo FHC e Ruth » FHC: Ação Política

Uma alternativa real

Fernando Henrique é nomeado ministro da Fazenda, se destaca na condução de um plano de estabilização econômica e se viabiliza como forte candidato à Presidência


O ex-senador Fernando Henrique Cardoso entrara em 1993 perfeitamente à vontade no cargo que então ocupava, o de ministro das Relações Exteriores, durante o governo Itamar Franco. Ministério e ministro se completavam. O primeiro dera ao segundo a plataforma sempre imaginada de visibilidade e de discussão dos grandes temas internacionais e do papel do Brasil no mundo. O segundo dera ao primeiro estatura política e alto nível no trato dos assuntos regionais e globais. A estabilidade reinava no Palácio do Itamaraty.

O mesmo não ocorria no Ministério da Fazenda. Até maio de 1993, o presidente Itamar Franco havia realizado três trocas no comando do ministério em apenas sete meses.

Tão logo assumiu, em outubro de 1992, com o afastamento de Collor, Itamar surpreendeu a todos indicando para o ministério o deputado pernambucano Gustavo Krause (PFL). Ele iria substituir Marcílio Marques Moreira e teria ao seu lado, no Ministério do Planejamento, o economista Paulo Haddad. 

Krause não duraria dois meses no cargo. Divergências com o presidente, que se inclinava pelo congelamento das tarifas públicas e pelo adiamento das privatizações, fizeram com que Krause pedisse demissão, sendo substituído interinamente pelo colega Paulo Haddad, que naquele período acumulou as duas pastas. Logo, Itamar nomearia Eliseu Resende. Ex-ministro dos Transportes no governo Figueiredo, Eliseu Resende também teria vida efêmera à frente do ministério, caindo em decorrência de suspeitas de favorecimento à empreiteira Odebrecht.

Convite pelo telefone para assumir a economia

“Não acredito que você não tenha me contado primeiro”, disse Ruth Cardoso, em telefonema para Nova York, onde se encontrava Fernando Henrique em meados de maio de 1993. “Não é verdade”, negou ele. “Bem, não sei o que você disse ao Itamar, mas ele considerou como um ‘sim’”, encerrou ela. A confirmação viria também pelo telefone, com Fernando Henrique esperando Itamar acabar o banho, pegar o aparelho e garantir: “Tomei a liberdade de nomeá-lo ministro da Fazenda. E a nomeação repercutiu muito bem”, explicou o presidente.

Enquanto se preparava para retornar ao Brasil para assumir o novo cargo, Fernando Henrique – ainda tomado pelo “choque inicial”, como definiria anos depois – deu-se conta de que a oportunidade que se apresentava lhe abria dois caminhos, totalmente opostos e extremos: o primeiro lhe indicava a oportunidade de resolver o maior problema de gestão pública do Brasil: a hiperinflação. O segundo poderia significar, em caso de fracasso, o fim de sua carreira política, iniciada dez anos antes. 

Embutido no primeiro item estava a possibilidade de Fernando Henrique vir a se tornar forte candidato a presidente da República nas eleições de 1994, hipótese ainda não compreendida (ou então compreendida, mas não assumida) por ele naquela época.

O Plano Real é a solução para estabilizar a economia brasileira? - Reportagem do Jornal do Brasil com candidatos à Presidência da República, 26 de junho de 1994

A moeda sem inflação - artigo de FHC no Jornal do Brasil em 1º de julho de 1994 

Um sociólogo à frente da economia

Embora não fosse economista, e sim sociólogo, Fernando Henrique passaria a comandar a economia brasileira num cenário muito adverso. O grande inimigo a ser combatido era a hiperinflação, que chegou a 2.400% em 1993. O primeiro passo foi cercar-se de uma equipe de economistas extremamente competentes, integrada por Pedro Malan, Pérsio Arida, Armínio Fraga, André Lara Resende, Gustavo Franco, Edmar Bacha e Winston Fritsch. Era preciso realizar uma mudança radical.

O grupo, então, começou a construir o que viria a ser conhecido como o Plano Real, o mais amplo e inovador conjunto de medidas de estabilização econômica já colocado em prática no Brasil. O projeto seria dividido em três etapas: o Programa de Ação Imediata, que estabeleceu ainda em 1993 um conjunto de medidas voltadas para a redução e maior eficiência dos gastos da União; a edição da Medida Provisória 434 em 27 de fevereiro de 1994, que criou a Unidade Real de Valor, já prevendo sua posterior transformação no Real; e a terceira etapa, de implementação do plano, realizada pelos sucessores de Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, Rubens Ricupero e Ciro Gomes.

Os efeitos do plano foram imediatos, com dois resultados concretos: o efetivo controle da inflação – que, entre julho e novembro de 1994, ficou em 2,93% – e o consequente aumento da capacidade de consumo da população. “Havia um segredinho sujo a respeito das causas da inflação brasileira”, concluiria o ministro, “muita gente se beneficiava com ela. Ou seja, sucessivos governos se aproveitavam do fato de que nenhuma solicitação de gastos era grande demais: bastava emitir mais dinheiro”. 

Além disso, lembrava Fernando Henrique, os bancos também ganhavam – e muito – com a inflação, assim como quem tinha dinheiro aplicado e corrigido pela inflação. Quem perdia era a população mais pobre, que não tinha como se defender da constante alta dos preços.      

Um plano de estabilização sem surpresas e sustos

Freando esses comportamentos e buscando alterar uma mentalidade que parecia arraigada na sociedade brasileira, Fernando Henrique jogou todas as fichas nas medidas idealizadas por seu time de economistas, e tomou para si a tarefa de explicar para a população tudo o que seria feito, passo a passo e sem surpresas, diferentemente de como havia ocorrido em planos anteriores. Desta vez, tudo seria feito às claras, com total transparência, prometeu o ministro da Fazenda à população.

Porém, além do efeito econômico, o Plano Real teria um aspecto político que não parecia ter sido previsto inicialmente.  O sucesso das medidas de estabilização econômica após diversas tentativas fracassadas durante os governos Sarney e Collor, colocou o nome de Fernando Henrique com força no tabuleiro eleitoral de 1994, fazendo com que até então um personagem distante das discussões sucessórias ganhasse protagonismo. 

“Muitos receavam que o brasileiro não compreendesse e rejeitasse o que parecia complicado demais, incluindo uma conversão da moeda”, avaliou Fernando Henrique. “Felizmente, todo o Brasil compreendeu, inclusive o Lula, que foi contra exatamente porque entendeu e sabia que ia dar certo. Como meu concorrente às eleições daquele ano, era esse o papel dele”.

O Plano Real mudaria não apenas a relação dos brasileiros com a economia, como também alteraria profundamente a sucessão presidencial marcada para o final de 1994. Fernando Henrique se tornava uma alternativa viável e com imenso potencial de crescimento. O Palácio do Planalto deixava de ser um sonho para o professor de sociologia transformado em político.

A URV e o Plano Real: pronunciamento de FHC em cadeia nacional de rádio e televisão, Brasília (DF), 1993 (presumida)



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Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro “Rato de Redação - Sig e A História do Pasquim" (Matrix, 2022).

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