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Acervo FHC e Ruth » FHC: Ação Política

O tucano alça voo

Nascido de uma dissidência do PMDB, o PSDB entrava no cenário político em 1988 como uma alternativa mais enxuta, homogênea, orgânica e com bandeiras definidas


Com os trabalhos da Assembleia Constituinte correndo de maneira tumultuada e com o líder do PMDB, Mário Covas, atritado tanto à esquerda (a base que lhe era mais próxima), quanto à direita (a base que o havia elegido), surgiu o Movimento de Unidade Progressista. Criado nos primeiros meses dos trabalhos da Constituinte, em 1987, o MUP – como o grupo ficou conhecido de imediato – reunia a ala mais progressista do PMDB, que se mostrava insatisfeita com o excessivo número de egressos do PDS, partido de sustentação dos últimos anos da ditadura e que havia sido quase que soterrado no Colégio Eleitoral com a derrota de Paulo Maluf (1985).

“Eu comecei a dar declarações de que tinha de fazer outro partido, declarações inconvenientes para a minha posição de líder”, recordou Fernando Henrique Cardoso.

Neste contexto, os parlamentares do MUP, alguns ligados historicamente ao PMDB, defendiam uma guinada à esquerda e já tinham em mente um novo projeto: era preciso criar um partido. “Eu comecei a dar declarações de que tinha de fazer outro partido, declarações inconvenientes para a minha posição de líder”, recordou Fernando Henrique Cardoso em uma entrevista. “Pedi ao Ulysses (Guimarães) que queria falar com ele e fui à casa dele. Ele me disse: ‘Você também?’. Ulysses e o Mário Covas nunca se entenderam, mas comigo não tinha problema”. 

Os parlamentares vinculados ao MUP estavam em sintonia em alguns temas.  O de maior visibilidade era a proposta de um mandato de quatro anos para José Sarney, o então ocupante da Presidência da República. Sarney tinha direito a seis anos, admitia abrir mão de um, mas outros, incluindo Ulysses, defendiam que o mandato deveria ser de quatro anos. Quando a questão chegou ao plenário, Sarney fez valer sua força política e conquistou os cinco anos que almejava, governando de abril de 1985 a março de 1990.

Anos mais tarde, Fernando Henrique lembraria que, ao longo da Constituinte alguns parlamentares já demonstravam inconformismo com a polaridade entre o conservadorismo tradicional misturado com certa visão liberal em economia (que caracterizou o Centrão) e o nacional-estatismo da visão desenvolvimentista dos setores democráticos mais à esquerda, fortemente inclinados ao intervencionismo econômico e ao corporativismo. 

“Esses constituintes sentiam-se emparedados e desconfortáveis com tais posições. Não desejavam ser confundidos com o Centrão, nem tinham espaço na esquerda tradicional ou na esquerda petista. Esse era notadamente o caso de José Serra, José Richa, Franco Montoro, Euclides Scalco e meu”, compara Fernando Henrique. “Para mim foi duro deixar o PMDB. Eu gostava do Ulysses”, recorda Fernando Henrique.

O fator Quércia

Somado a esses aspectos específicos, havia ainda questões regionais bem peculiares. Muitos deputados e senadores, quase todos com expressiva liderança em Brasília, não contavam com igual força em suas bases políticas nos estados, comandadas por governadores eleitos em 1986 e com as quais estes parlamentares não tinham afinidade. Os casos mais expressivos eram os de São Paulo (Orestes Quércia), Minas Gerais (Newton Cardoso), Paraná (Álvaro Dias), Rio de Janeiro (Wellington Moreira Franco), Bahia (Waldir Pires), Miguel Arraes (Pernambuco) e Rio Grande do Sul (Pedro Simon).

Quércia era um caso bem simbólico. Surgido politicamente como prefeito de Campinas e elevado a figura nacional a partir da eleição para o Senado em 1974, Quércia, apesar da expressiva votação, não se destacou na tribuna em Brasília, tornando-se um nome bem menos expressivo se comparado a alguns de seus contemporâneos no Congresso, como Paulo Brossard (MDB-RS), Marcos Freire (MDB-PE) e Mauro Benevides (MDB-CE). 

Em 1982, com a volta das eleições diretas para governador em 1982, Quércia decidiu disputar a convenção do PMDB com outro senador paulista, Franco Montoro, opondo-se às principais lideranças do partido que viam Montoro como o candidato natural. Mesmo derrotado, Quércia saiu vencedor. Montoro ganhou a convenção, mas viu-se obrigado a aceitar a pressão do grupo quercista que exigia que seu líder fosse candidato a vice, o que acabou se concretizando.

Com a vitória do PMDB, Montoro chegou ao Palácio dos Bandeirantes e Quércia, como vice-governador, passaria os próximos quatro anos pavimentando a sua candidatura para a eleição seguinte (vale lembrar que na época não era permitida reeleição para cargos executivos). Vencedor na convenção de 1986, novamente afrontando as principais lideranças, Quércia conseguiu ampliar a cisão que já existia no interior do partido.

Nesse contexto, parlamentares insatisfeitos com alguns aspectos ideológicos e fisiológicos do PMDB – e vendo seu espaço eleitoral se reduzir nos seus estados – decidiram que a única saída seria a criação de uma nova legenda. A agremiação deveria ser mais enxuta, homogênea, orgânica e com bandeiras bem definidas. No caso, uma se destacaria: a defesa do parlamentarismo. “Se o parlamentarismo tivesse sido aprovado na Constituinte, o Brasil teria mudado – e para melhor”, avalia Fernando Henrique.


Fundação do PSDB (Foto: Guilherme Rangel; 1988)

Um partido com força em São Paulo e em Minas Gerais

Fundado em junho de 1988, registrado definitivamente em 1989, e com um nome muito semelhante ao do seu antecessor, o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) mesclava a social democracia com a democracia cristã e, mais adiante, se aproximaria do liberalismo econômico e social. 

O símbolo escolhido foi um tucano nas cores azul e amarela e, entre os fundadores do novo partido, estavam os paulistas Franco Montoro, José Serra, Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, o paranaense José Richa, o carioca Artur da Távola, a pernambucana Cristina Tavares, o baiano Domingos Leonelli e os gaúchos João Gilberto, José Paulo Bisol e Vicente Bogo. Todos egressos do PMDB.

> Leia aqui o discurso proferido pelo senador Fernando Henrique Cardoso no Congresso do PSDB em abril de 1989

Fernando Henrique lamentou a não-entrada de outros políticos com quem tinha grande identificação, como Miro Teixeira (RJ), Antônio Britto (RS) e Dante de Oliveira (MT). Rara exceção entre os fundadores era o senador Afonso Arinos de Melo Franco, tradicional nome da velha UDN e que havia sido eleito senador pelo PFL do Rio de Janeiro dois anos antes. Em Minas Gerais destacavam-se três nomes: Eduardo Azeredo, Aécio Neves, o jovem neto de Tancredo Neves, e Pimenta da Veiga, um parlamentar de destaque e ex-líder do PMDB. 

De início, o PSDB nascia com nove senadores e 39 deputados federais, sendo que onze eram paulistas. Discursando no encontro nacional dos militantes dissidentes do PMDB, que oficializaram a fundação do PSDB, o ex-governador Franco Montoro declarava que o novo partido nascia “longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas, como resposta ao sentimento de indignação que tomou conta do povo com a traição à luta das Diretas Já”.

Apesar de recém-constituído e ainda com organização provisória, o PSDB participou das eleições municipais de 1988, disputando com candidatos próprios em muitas capitais brasileiras. Colheria apenas uma vitória expressiva, com Pimenta da Veiga conquistando a prefeitura de Belo Horizonte.

  

      FHC na fundação do PSDB (Foto: Guilherme Rangel; 1988)

Um choque de capitalismo

Já mais estruturado, o PSDB entraria em 1989, o decisivo ano da primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura, com um candidato com forte apelo eleitoral: o senador Mário Covas. Com uma campanha irregular, marcada pela indefinição e demora para a escolha do candidato a vice-presidente – começou com a cúpula querendo o ex-governador pernambucano eleito pelo PDS, Roberto Magalhães, alvo de forte resistência, e acabou com a indicação do então pouco conhecido senador paraense Almir Gabriel – Covas enfrentaria dificuldades para viabilizar seu nome. 

Para tentar atrair o empresariado e se livrar da imagem esquerdista que carregava, o candidato inclusive discursou no Senado defendendo que “o Brasil precisava de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios”. O discurso, escrito por Serra e Fernando Henrique, não surtiu o efeito desejado – atrair eleitores – mas antecipou a linha de reformas da economia que o governo FHC adotaria no futuro. Ao final do pleito, Covas ficou em quarto lugar, com menos de 12% dos votos totais, atrás de Fernando Collor (PRN) e Lula (PT), que disputaram o segundo turno, e de Leonel Brizola (PDT), mas à frente do peemedebista Ulysses, seu antigo correligionário.

Em sintonia com o que acreditava ser o seu eleitorado, a fatia ligada à centro-esquerda, o PSDB apoiou Lula no segundo turno. Seria novamente derrotado, mas em 1990, nos primeiros meses depois da posse de Collor, o partido ensaiou uma aproximação com o presidente, em especial no apoio ao programa econômico de privatização e à modernização e abertura para o exterior. Sem integrar o governo, o PSDB teve pelo menos dois de seus integrantes, o deputado José Serra e o senador Fernando Henrique Cardoso, sondados para ministérios, mas a ideia não foi adiante, em grande parte devido à oposição de Covas.

Nas eleições estaduais de 1990, o PSDB lançou Covas ao governo de São Paulo e ele novamente foi derrotado, desta vez por Luiz Antônio Fleury, do PMDB e apoiado por Quércia. Também fracassaram os candidatos tucanos em Minas Gerais (novamente Pimenta da Veiga) e no Rio de Janeiro (Ronaldo César Coelho). A única vitória do partido naquele foi no Ceará, em que o governador eleito em 1986 e filiado ao PSDB desde 1990, Tasso Jereissati, conseguiu fazer seu sucessor, Ciro Gomes, até então prefeito de Fortaleza.

Pelos próximos quatro anos, o PSDB cresceria nacionalmente, em especial a partir de 1993 com a atuação de Fernando Henrique à frente do Ministério da Fazenda, no governo Itamar Franco. Logo, o partido se viabilizaria com um dos favoritos ao próximo pleito presidencial, em 1994. 

O sucesso do Plano Real (1994) e a atitude pragmática de FHC de se aproximar do PFL – na época comandado pelo governador baiano Antônio Carlos Magalhães –seriam fundamentais para consolidar a primeira grande vitória nacional do PSDB, com a chegada de Fernando Henrique Cardoso ao Palácio do Planalto, em 1994, apenas cinco anos após a criação do partido. No mesmo ano, Covas conquistou o Palácio dos Bandeirantes, dando início a 28 anos de hegemonia tucana no maior estado brasileiro.

 

Leia também: 

Partido novo - artigo de Fernando Henrique Cardoso na Folha de S. Paulo em 23 de junho de 1988

‘O nosso papel na Constituinte era procurar o meio-termo’

Das ruas ao Colégio Eleitoral: a reconquista da democracia

 

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Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro “Rato de Redação - Sig e A História do Pasquim (Matrix, 2022).


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