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Acervo FHC e Ruth » FHC: Ação Política

‘O nosso papel na Constituinte era procurar o meio-termo’

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, Fernando Henrique buscou se pautar pelo equilíbrio, buscando um meio-termo entre ideias mais extremadas e o conservadorismo


A Assembleia Nacional Constituinte foi um dos momentos mais importantes do Brasil pós-ditadura militar – e dos menos conhecidos. Durante 20 meses, entre 1987 e 1988, 559 parlamentares se envolveram na redação da Carta que iria balizar os destinos do país pelas décadas seguintes. Os constituintes tinham compromissos com o passado (consertar erros cometidos em duas décadas sem democracia), com o presente (dar governabilidade à jovem democracia) e com o futuro (indicar qual caminho o país deveria seguir).

A Constituinte teve algumas figuras-chaves. Ulysses Guimarães foi a maior delas. Consagrado por mais de meio milhão de votos nas eleições para deputado constituinte de 1986, respeitado entre seus pares, hábil negociador, Ulysses era ainda um tri-presidente: da Câmara dos Deputados, da Assembleia Nacional Constituinte e do maior partido brasileiro à época, o PMDB. 

Também o ex-prefeito de São Paulo Mário Covas – eleito senador por São Paulo com 7,7 milhões de votos, a maior votação do país – chegou com muita força política. Embora fossem do mesmo partido, Ulysses e Covas disputaram algumas quedas-de-braço durante o processo constituinte.

Fernando Henrique Cardoso – próximo pessoal e politicamente dos dois – também chegou à Assembleia com uma montanha de votos nas costas. Ele acabara de ser reeleito senador por São Paulo com mais de seis milhões de votos – a segunda maior votação do país, justamente depois de Covas –, obtendo assim a sua primeira grande vitória eleitoral, pois quando chegou ao Senado, em 1982, substituiu Franco Montoro, eleito governador de São Paulo.

> Leia aqui o discurso “Constituinte, o início da caminhada” - proferido pelo senador Fernando Henrique Cardoso em 1987


Franco Montoro, FHC e Ulysses Guimarães

De início, Fernando Henrique foi escolhido para ser o relator do regimento da Constituinte – “Autoritariamente, pelo Ulysses” – lembraria ele anos depois em uma entrevista. “Ele já me designara para ser relator outras vezes, em convenções do MDB e do PMDB. Na Constituinte, ele queria alguém que fosse capaz de pegar aquela confusão toda e entregar algo lógico”. Com o aval de Ulysses, FH sabia da importância de se pautar pelo equilíbrio, buscando sempre o diálogo: “O nosso papel na Constituinte era procurar o meio-termo entre o ponto de vista conservador e o ponto de vista extremado”.

Com a Assembleia instalada em 1º de fevereiro de 1987, Fernando Henrique se lançou candidato a relator da Comissão de Sistematização, mas perdeu a disputa para o deputado amazonense Bernardo Cabral, também do PMDB. Pragmático, aceitou a assumir a sub-relatoria da comissão e investiu no papel de articulador. Durante os trabalhos, marcou posição em questões cruciais, como contrária à legalização do jogo de bicho e à pena de morte e favorável à adoção do mandado de segurança coletivo e à proibição do comércio de sangue, entre outros temas polêmicos.

> A Constituinte - desafio e alternativa - artigo de FHC na Folha de S. Paulo em 5 de janeiro de 1986

Houve momentos em que Fernando Henrique e Mario Covas divergiram, como no caso da adoção do parlamentarismo com mandato de cinco anos para o presidente da República e deputados. A proposta – que, se aprovada, teria mudado a história da Constituinte e do país – foi encaminhada pelo senador paranaense José Richa, com aval de Ulysses e apoio de FHC e outros constituintes de peso, como José Serra, José Fogaça, Ibsen Pinheiro, Jorge Bornhausen e Euclides Scalco. Mas Covas defendeu o mandato de quatro anos para os sucessores de Sarney (que governou por cinco anos, de 1985 a 1990).

Já o PT, liderado por Luiz Inácio da Silva, que foi o deputado constituinte recordista em votos no país — 651 mil, 60 mil a mais do que Ulysses — sempre foi contrário ao parlamentarismo, talvez já vislumbrando que algum dia Lula chegaria ao Palácio do Planalto. No final, os constituintes optaram pela manutenção do presidencialismo, com mandato de quatro anos sem direito à reeleição (regra que só seria mudada alguns anos depois).

Ao final dos trabalhos, Fernando Henrique fez um balanço positivo dos resultados e, mais de 20 anos depois, voltou a falar do tema: “A Constituinte representou um avanço para os direitos e as liberdades democráticas. No que diz respeito ao sonho de construir uma sociedade melhor, também. Mas em relação ao funcionamento efetivo do Estado, não tanto. Não tínhamos meios financeiros para colocar em prática tudo o que se projetava lá”.

> A Constituição das mudanças - artigo de FHC na Folha de S. Paulo em 6 de outubro de 1988

> A nova Constituição - Entrevista de FHC para a Amazônia Ilustrada - abril e maio de 1989

 
Progama eleitoral das eleições de 1986 sobre a Constituinte

Já durante o processo constituinte, ficou claro para Fernando Henrique e outras lideranças posicionadas ao centro e à centro-esquerda do espectro político que havia chegado a hora de sair do PMDB. Pesaram a percepção de que o PMDB, muito heterogêneo, não respondia adequadamente ao novo momento da democratização, que pedia definições mais claras, assim como a dominância do quercismo na seção paulista do partido.

“Comecei então a dar declarações da necessidade de fundar outro partido”, lembra FH. Em 25 de junho de 1988, figuras como Franco Montoro, Mário Covas, Fernando Henrique e José Serra, todos de São Paulo, Pimenta da Veiga (MG), José Richa (PR), Almir Gabriel (PA), entre outros, fundaram o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB. Também assinou a ata de fundação uma jovem liderança do interior paulista chamada Geraldo Alckmin, mais tarde vice-governador e governador de São Paulo e atualmente vice-presidente da República. A lista também contou com mulheres, sobretudo intelectuais, como Guiomar Namo de Mello e Gilda Portugal Gouvêa. 

Em 1989, quando finalmente o Brasil voltou a escolher seu presidente em eleições diretas, quatro constituintes se lançaram candidatos: o próprio Ulysses (PMDB), Covas (PSDB), Lula (PT) e Guilherme Afif Domingos (PL). Lula surpreendeu, ultrapassou Leonel Brizola, ex-governador do Rio, e chegou ao segundo turno, mas o vencedor foi o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello (PRN), que não havia participado da Assembleia Constituinte.

Curiosamente, alguns anos depois, outros constituintes importantes chegaram à Presidência, como Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Michel Temer. No Palácio do Planalto, puderam colocar em prática algumas das políticas públicas previstas na chamada Constituinte Cidadã, que em 2023 completa 35 anos de idade.

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Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro “Rato de Redação - Sig e A História do Pasquim (Matrix, 2022).

 

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