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Acervo FHC e Ruth » FHC: Ação Política

No Itamaraty, indicado por Itamar

Em 1992, após o impeachment de Collor, Fernando Henrique Cardoso chega ao Poder Executivo, tornando-se ministro das Relações Exteriores do governo Itamar Franco


O título foi usado em um documentário sobre Fernando Henrique Cardoso lançado em 2022, mas 30 anos antes, Itamar Franco, ao tomar posse, era, sim, um presidente improvável. Aos 62 anos, o vice-presidente que assumia o Palácio do Planalto para concluir o mandato de Fernando Collor – que havia sido eleito em 1989 e sofrido impeachment três anos depois – era uma figura curiosa, cheia de manias e com um comportamento idiossincrático.

Itamar Franco tornou-se vice-presidente de maneira também improvável. Com uma carreira construída no MDB (depois PMDB), Itamar foi prefeito de Juiz de Fora, senador eleito na imensa leva emedebista de 1974 e reeleito oito anos depois, já com o apoio de Tancredo Neves. Candidato derrotado ao governo de Minas Gerais em 1986 – quando já estava filiado ao PL, partido com poucos pontos de contato com o atual PL de Bolsonaro – Itamar era um senador que se destacava mais pelas posições polêmicas do que pela atuação como parlamentar e negociador.

Nos meses que antecederam a eleição de 1989, o nome de Itamar começou a circular como opção de candidato a vice, devido ao peso eleitoral de Minas Gerais. Para Collor, Itamar não era a primeira opção. O governador alagoano preferia ter ao seu lado Márcia Kubitschek, deputada eleita pelo PMDB e filha de Juscelino, ou Hélio Garcia, ex-governador mineiro.

Um vice afastado do presidente

Por uma série de injunções, Itamar foi o indicado. Desfiliou-se do PL para ingressar no PRN, o partido de Collor, mas teve uma atuação discreta durante a campanha. Eleito, manteve-se distante do titular, com quem não tinha nenhuma afinidade ideológica ou política. Após a reforma ministerial de abril de 1992 em que ex-colaboradores do regime militar, como Célio Borja, Pratini de Moraes e Ângelo Calmon de Sá entraram no governo, Itamar desligou-se do PRN. Tal distanciamento acabou sendo benéfico, já que Itamar acabou não se contaminando pelos problemas que causaram o impeachment de Collor.

Em 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados decidiu por ampla maioria autorizar a abertura de um processo de impeachment do presidente. Neste mesmo dia, Itamar assumiu interinamente a Presidência até que o titular fosse julgado pelo Senado Federal. Empossado, Itamar conseguiu ser o ponto de confluência de uma série de interesses políticos – a única foi exceção foi o PT, que se negou a apoiá-lo e desautorizou a entrada de Luiza Erundina no governo, o que ocasionou a desfiliação dela do partido.

“Para dizer a verdade, fiquei bem satisfeito com o cargo”

Como já estava sem legenda, Itamar reuniu em torno de si apoios significativos, em especial do PMDB, do PSDB e do PFL. Ao formar sua equipe, privilegiou amigos e colegas de Juiz de Fora e, por isso, seu governo ficou informalmente conhecido como República do Pão de Queijo. Porém, nas exceções, se saiu bem. Chamou nomes expressivos como os deputados Antônio Britto e Alberto Goldman (ambos do PMDB) para os ministérios da Previdência e dos Transportes, respectivamente, o ex-governador pernambucano Gustavo Krause (PFL) para a Fazenda, e os senadores Hugo Napoleão (PFL) para Comunicações, Maurício Corrêa (PDT) para a Justiça e Fernando Henrique Cardoso para Relações Exteriores.

A opção por Fernando Henrique foi uma feliz coincidência. Os dois se conheciam dos tempos no Senado e estreitaram a convivência nos meses que antecederam a cassação de Collor. “Minhas relações com Itamar Franco são um capítulo à parte”, recordaria FHC anos mais tarde. “Conhecemo-nos no Senado em 1983. Nós dois integrávamos a oposição ao presidente João Figueiredo”, lembra, destacando a seguir o estilo turrão do senador mineiro: “Nacionalista extremado e contendor permanente, ele às vezes obstruía uma sessão por várias horas. Ou então infernizava os ministros da área econômica cobrando expressões inglesas não traduzidas em relatórios e discursos”.

Outro indicativo favorecia o convite: Fernando Henrique, que já havia vivido no Chile, lecionado na França e nos Estados Unidos e falava bem francês, espanhol e inglês, parecia talhado para o cargo de chanceler. Assim, o convite surgiu: “A determinada altura, tomando café, Itamar me perguntou se eu aceitaria ser o ministro das Relações Exteriores”. E Fernando Henrique respondeu: “Disse-lhe, como de praxe, que o convite não era necessário, mas que, se ele assim desejasse, aceitaria”. E acrescentou: “Para dizer a verdade, fiquei bem satisfeito com o cargo”.


Reunião de Cúpula dos Países Membros do G-15; Senegal, 20/11/1992;

Foto: Domingos Tadeu 

À frente do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Henrique se empenhou em conduzir sua gestão sob a inspiração do Barão do Rio Branco, “o grande ministro das Relações Exteriores da República Velha, um dos poucos e verdadeiros heróis brasileiros”, na definição do ex-presidente. Em resumo, eram um panamericanismo, sim, mas com visão universalista e não de domínio de uma nação mais poderosa. “Embora seja importante para a diplomacia, a preservação de uma linha de conduta coerente é essencial que a política externa sinta os ventos do mundo”, defendia o então ministro. E completava: “não para curvar-se a eles, mas para utilizá-los na direção do interesse nacional”.

El mundo y las ciencias sociales: ayer y hoy - Discurso de Fernando Henrique Cardoso, ministro das Relações Exteriores do Brasil, ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidad de Chile, em 25 de março de 1993.

Mr. Itamaraty - entrevista de Fernando Henrique Cardoso ao jornalista Fernando Gabeira; 1993.

Do comando da política externa ao da economia 

Tentei seguir esse padrão de política externa”, reconheceria Fernando Henrique. “Uma busca pela autonomia, pela participação numa realidade internacional”. Poderia ser este o resumo do curto período – de outubro de 1992 a maio de 1993 – em que Fernando Henrique comandou o Itamaraty, um ministério de grande charme e prestígio, mas desprovido de força política e de capacidade de influenciar os avanços sociais e econômicos que o país exigia.

Foi então que, em uma reviravolta surpreendente, Itamar convidou FHC para assumir o Ministério da Fazenda, este sim um cargo de grande impacto no dia a dia de todos os brasileiros. Auxiliado por uma equipe de economistas brilhantes, Fernando Henrique Cardoso elaborou o Plano Real e conseguiu estabilizar a economia, abrindo caminho para sua bem-sucedida candidatura à Presidência da República, na eleição presidencial de 1994.

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O mundo está se organizando em blocos - entrevista de Fernando Henrique Cardoso a Dora Kramer e Rosângela Bittar; O Estado de S. Paulo, 25 de outubro de 1992

 

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Este texto faz parte da série “FHC: Ação Política”. Por meio de textos, fotos, vídeos e documentos do Acervo da Fundação FHC, abordamos momentos e fatos marcantes da trajetória política e intelectual de Fernando Henrique Cardoso.

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo, JB e Zero Hora. Autor do livro “Rato de Redação - Sig e A História do Pasquim" (Matrix, 2022).

 

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