Religião e Democracia no Brasil: os desafios a enfrentar
O Ministro Luís Roberto Barroso, o sociólogo Bernardo Sorj e a professora Paula Monteiro foram nossos convidados para analisar os principais desafios da religião e democracia no Brasil.
“Acredito no debate público, na razão e na boa fé. Creio que o que é justo acaba prevalecendo. A religião é um instrumento do bem, do amor ao próximo, de não fazer aos outros o que não se quer que seja feito a você. Deve-se evitar a manipulação do sentimento religioso”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, neste webinar que marcou o lançamento do livro “Religião e Democracia na Europa e no Brasil” – uma iniciativa da Plataforma Democrática e que é composto por seis artigos de autores europeus e brasileiros sobre as relações entre religião e democracia.
“Sou filho de mãe judia, então sou tecnicamente judeu, e pai católico. Quando era bem jovem, fiz intercâmbio nos Estados Unidos e morei com uma família presbiteriana. Mais tarde, durante o mestrado em Yale, meu vizinho era um muçulmano da Arábia Saudita. Tive a oportunidade de conviver com sua família e suas práticas. O pluralismo religioso faz parte da minha vida e da minha visão de mundo. Acredito que é possível conviver com o diferente, respeitando-o, sem abrir mão das próprias crenças. O pluralismo religioso e a convivência respeitosa são decisivos para a vida democrática”, continuou o ministro.
Barroso destacou que a Constituição brasileira de 1988 enfatiza duas dimensões da liberdade religiosa: assegura a liberdade de consciência, pois protege o direito das pessoas professarem a religião que melhor lhes aprouver; mas impõe a neutralidade do Estado, que não deve estabelecer cultos religiosos ou privilegiar uma religião ou igreja, em detrimento das demais. “É a defesa da liberdade religiosa, desde que não haja violência, e a observância da neutralidade que dão laicidade ao Estado”, disse o juiz, que é professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
“Vivemos um momento histórico em que as democracias sofrem ataques de ideologias autoritárias que mobilizam, com diferentes combinações, temas nacionalistas e religiosos. Cada cidadão tem o direito de seguir suas crenças e definir para si próprio o que seja patriotismo. O importante é que símbolos e instituições religiosas não sejam usados para fragilizar as instituições democráticas e atacar direitos individuais e coletivos”, disse o sociólogo Bernardo Sorj, que organizou a obra com Sergio Fausto, cientista político e diretor da Fundação FHC.
A problemática da neutralidade do Estado frente às religiões não é uma novidade no Brasil. A diferença agora é que existe muito mais tensão em torno do tema do que havia quando a influência cultural e política do catolicismo e da Igreja Católica era muito superior à de qualquer outra crença ou instituição religiosa. Hoje o pluralismo religioso é uma realidade no Brasil, com o crescimento da influência cultural e política das denominações evangélicas. Também quem pratica e representa as religiões de matriz africana reivindicam, como nunca antes na história, a proteção dos seus direitos. Para não falar no número crescente dos que se dizem sem religião.
Nesse novo contexto, muitas vezes o conceito de liberdade de religião tem sido empregado para estigmatizar os que não professam a mesma crença ou que não têm crença alguma. “Paradoxalmente a liberdade religiosa passou a ser utilizada como argumento para justificar a intolerância religiosa”, afirmou Paula Monteiro, professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo.
Esta é uma tendência perturbadora, associada à ascensão das denominações evangélicas e de sua influência cultural e política. Mais do que nunca, para proteger a liberdade religiosa de todas as formas de crença (e não crença), é preciso garantir a neutralidade do Estado brasileiro, disse a antropóloga.
“A separação entre Estado e religião não só protege a democracia como, na mesma medida, protege as religiões. A história mostra que a mistura entre religião e poder político deturpa, deforma e corrompe as próprias instituições religiosas”, concluiu Sorj.
Assista ao vídeo completo do debate.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.