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Evangélicos na política: representatividade e poder

/ Transmissão online - via Zoom


A presença cada vez maior dos evangélicos na sociedade brasileira e sua crescente influência eleitoral e na política vêm ganhando destaque no debate público já há algumas décadas e, especialmente, a partir das eleições presidenciais de 2018, quando esse segmento foi decisivo para a eleição de Jair Bolsonaro. Deixando de lado os preconceitos e as generalizações que não raro acompanham esse debate, a Fundação FHC realizou um webinar com três especialistas na área, que contribuíram com suas vivências e pesquisas para um diálogo que ajude a compreender esse fenômeno em expansão.

       O crescimento dos evangélicos: de 1990 a 2018

“Em 1990, já identificávamos o aumento da presença do segmento evangélico na vida pública – não só na prática religiosa, mas na cultura e consequentemente na política”, disse Ana Carolina Evangelista, diretora executiva do Instituto de Estudos da Religião (ISER). A pesquisadora apresentou um panorama histórico a partir de uma pesquisa realizada pelo ISER, no Rio de Janeiro, na década de 1990. 

“Nos anos 1990, já falávamos em um país em transição religiosa, com uma maioria católica não-praticante e um crescimento mais intenso no segmento evangélico, significativamente praticante. Verificamos uma predominância dos pentecostais, com esmagadora presença nas áreas periféricas urbanas, bem como a participação marcante das mulheres nesse recorte. Naquele momento, dizíamos que quanto mais pobre era o território, menos católico e mais pentecostal ele se tornava. O universo praticante também já era um alvo primordial em períodos eleitorais”, disse Evangelista. 

Desde então, ressaltou a diretora executiva do ISER, a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, despontou como uma força eleitoral e política: “Se o candidato a algum cargo legislativo é membro da Igreja Universal, já aparece como uma orientação de voto importante, pois 95% dos membros da igreja votam em candidatos da própria igreja.”

Nos anos 1990, configurou-se a denominada bancada evangélica. “O que vimos nos últimos anos é que a bancada evangélica ganhou outra escala, com uma visibilidade maior, uma agenda definida, articulações com outras bancadas, temáticas e partidárias, e uma organicidade que vai crescendo.” 

Na última década, também verificou-se uma reação conservadora aos movimentos feministas e LGBTQIA+, com uma maior articulação das forças evangélicas no âmbito do Congresso Nacional. “Desde 2018, há a vitória de uma agenda mais conservadora, punitivista, intolerante e moralista. Não é apenas uma identificação a partir de pautas morais, mas de valores e moralidades cristãos de forma mais ampla, como investimento na família, empreendedorismo e liberdade religiosa”, explicou. 

“Por fim, vemos líderes e movimentos não religiosos usando a religião como retórica e como recurso discursivo, como forma de ampliar o alcance e a conexão com os segmentos sociais mais conservadores”, concluiu a pesquisadora. 

       Por que os evangélicos apoiaram Bolsonaro?

Antônio Carlos Costa, jornalista, teólogo e fundador da ONG Rio de Paz, foi pastor por 35 anos e, no início de sua exposição, criticou o apoio de boa parte da comunidade evangélica, sobretudo de seus líderes, ao governo Bolsonaro. “Essa aliança que as igrejas evangélicas fizeram com o bolsonarismo deixa em estado de perplexidade aqueles que conhecem a mensagem de Cristo. O Evangelho no Brasil foi associado a um estado de exceção, a uma cultura belicista.” 

Como os evangélicos brasileiros puderam dar apoio quase maciço a Jair Bolsonaro? O teólogo levantou cinco possíveis respostas para a questão: 

- “Os homens e mulheres que superlotam os templos evangélicos são – antes de serem evangélicos –  brasileiros; eles reproduzem a nossa cultura em sua vivência religiosa. E o Brasil é um país do patrimonialismo, do mandonismo, do nepotismo, da banalização da vida humana”;

- Em conexão a isso, há os limites da própria pregação, frequentemente de baixa qualidade e baseada em preconceitos: “Os pastores pregam mais a moralidade do que o próprio Evangelho”;

- As igrejas evangélicas brasileiras são influenciadas por setores do protestantismo norte-americano associados à direita ultraconservadora, que tomou conta do Partido Republicano;

- Os equívocos da esquerda brasileira, como o envolvimento com a corrupção e a sua dificuldade em lidar com o problema de segurança pública, que afeta sobretudo as comunidades mais pobres, onde vivem muitos evangélicos;

- Dinheiro e popularidade: “Hoje, pregar contra a aliança que o pentecostalismo fez com o bolsonarismo significa perder espaço na sua denominação, não falar mais em congressos, não vender mais livros e perder seguidores nas redes sociais.” 

       Direita religiosa ganhou força no governo Bolsonaro

“Nas últimas eleições presidenciais, em números absolutos, os evangélicos deram 11 milhões de votos a mais a Bolsonaro. Isso foi decisivo. Acabamos 2018 assustados”, disse Ronaldo de Almeida, coordenador do Laboratório de Antropologia da Religião da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele traçou um panorama dos últimos quatro anos, iluminando a presença das religiões no atual governo. 

“O governo Bolsonaro tem sido um espaço prático de sinergia entre diferentes religiosos conservadores. Estamos acostumados a falar em direita católica, direita evangélica, judeus conservadores etc. Mas deveríamos falar em direita religiosa. Isso não é um fenômeno novo, mas ele foi potencializado pelo atual governo. A direita religiosa vem se tornando um player estável, que produz pautas comuns, discursos comuns, interação entre diferentes atores e a geração de uma face pública: Jair Bolsonaro”, disse o pesquisador do Cebrap. 

Hoje, as pesquisas ainda indicam uma vantagem de Bolsonaro no segmento evangélico, porém é diferente daquela encontrada em 2018. Ronaldo levantou três hipóteses para esta situação: 

- “O comportamento do atual presidente, que tem se mostrado um farsante do ponto de vista religioso”;

- “A memória do Lula e o investimento dos partidos, desde então, em conversar com os evangélicos, que antes eram marginalizados pela esquerda”;

- “A reação do movimento evangélico de esquerda, que começou a se posicionar e a oferecer narrativas contra o discurso hegemônico de direita.” 

O doutor em antropologia também buscou reforçar um aspecto por vezes negligenciado dos debates, que é o olhar sobre os católicos: “Quando olhamos para 2018, os católicos haviam se dividido (entre os dois candidatos finalistas no segundo turno). Agora, dão uma margem de vantagem a Lula e uma rejeição forte a Bolsonaro. O que eu acho interessante é que no universo católico há mais aderência à democracia.” 

Quais seriam as veias pelas quais a oposição poderia buscar uma aproximação com os católicos mais moderados? “Primeiro, o papa Francisco tem sido um contraponto político a Bolsonaro. Também a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem tomado uma atitude crítica em relação ao presidente – em alguma medida isso pode descer ao católico paroquial. Por fim, há um catolicismo que dialoga com um Brasil profundo e pobre, cujo contradiscurso é menos focado na moralidade e mais nas chaves da solidariedade, da necessidade. O PT tem uma história antiga com esse enraizamento mais popular.”  

       Um ‘zoom’ na bancada evangélica

Ana Carolina Evangelista foi convidada a fazer um detalhamento da chamada frente parlamentar evangélica – qual seria seu tamanho real?; ela pensa e vota de maneira homogênea?. “Hoje, vemos nos noticiários que a frente parlamentar evangélica é composta por 203/4 deputados. Mas menos da metade dessa frente é de parlamentares que possuem de fato uma identidade evangélica”, disse. 

“Quando a frente quer propor uma agenda e mostrar o seu peso e o seu poder, ela fala como frente, com o seu número total de assinaturas. Mas é importante fazer um ‘zoom’. Os parlamentares que de fato têm uma identidade evangélica e mobilizam pautas a partir de sua identidade religiosa são algo entre 90 e cem, sendo que um terço destes de fato propõe leis e participa de comissões temáticas”, explicou.

Finalizando o debate, Sergio Fausto, diretor geral da Fundação FHC e mediador do evento, indagou se haveria a chance de um jogo mais equilibrado entre conservadores e não-conservadores no campo religioso, que fosse menos atravessado pelo bolsonarismo. 

“Eu tenho a esperança de que os próximos anos sejam marcados, no âmbito do protestantismo brasileiro, por muitas manifestações públicas de arrependimento pelo apoio dado ao atual presidente. Quando essas igrejas tomarem consciência, os verdadeiros cristãos que embarcaram nesse devaneio vão experimentar uma dor profunda”, concluiu Antônio Carlos Costa. 

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Isabel Penz, historiadora formada pela USP, é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação FHC.

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