Debates
22 de maio de 2025

O Brasil na transição energética e o papel do petróleo

O debate teve dois painéis, um mais geral, intitulado ‘O Brasil na transição energética e o Papel do Petróleo’, e outro mais específico que buscou responder à seguinte questão: ‘Devemos explorar a Margem Equatorial?’.

A transição energética, fundamental para mitigar os efeitos da mudança climática, é não linear e multidimensional: trata-se mais de um “processo de adição” de fontes renováveis à matriz energética de cada país do que da tentativa de substituir rapidamente o uso de combustíveis fósseis. 

A demanda por petróleo e gás natural como fontes de energia deve continuar forte por várias décadas, sobretudo em países em desenvolvimento como a Índia, uma das economias de mais rápido crescimento no mundo, e nos menos desenvolvidos, que dispõem de recursos limitados para acelerar sua transição.

O Brasil, por ter uma variedade de fontes energéticas superior à grande maioria dos demais países, tanto renováveis como não renováveis, com predominância das primeiras, está em posição privilegiada para se beneficiar desse processo. Ao contrário de outros países, em particular os desenvolvidos, o setor de energia não responde pela maioria das emissões brasileiras. 

O país está à frente dos demais, em sua maioria, na transição energética. Não significa dizer que não tenha desafios para preservar e expandir as suas fontes de energia renovável — basta pensar na importância de preservar e restaurar a Floresta Amazônica para evitar secas prolongadas e frequentes que comprometem a geração de hidroeletricidade. Tem também oportunidades para avançar ainda mais na produção de biocombustíveis, tanto para o transporte terrestre como aéreo.

Quanto à decisão de explorar ou não a chamada Margem Equatorial — que se estende por cerca de 2.800 km ao longo da costa do Oceano Atlântico, a partir da costa do Amapá até o Rio Grande do Norte — há argumentos favoráveis e contrários. Uma coisa é certa: se quiser cumprir a NDC apresentada em 2024 pelo atual governo, o Brasil não poderá explorar as reservas potencialmente existentes na Margem Equatorial. 

Se comprovar a existência de reservas petrolíferas e quiser explorá-las, o país só verá o início da produção de petróleo daquela área por volta de 2035, com término estimado para 2060. Quem é favorável a essa opção argumenta que ainda haverá demanda global por muitas décadas e que o Brasil não receberá nada em troca se não atendê-la. 

Já os que são contra a exploração da Margem Equatorial, apontam, além dos riscos ambientais, a insegurança quanto ao retorno do investimento, uma vez que a aceleração da mudança climática pode acarretar a necessidade de uma transição mais rápida para fontes de energia renováveis. 

“A decisão final não será de nenhum órgão ou ministro. Será de Lula. É o presidente da República que vai bater o martelo”, disse Jean-Paul Prates, que presidiu a Petrobras de janeiro de 2023 a maio de 2024, neste debate realizado pela Fundação FHC e pelo Instituto Arapyaú. Parte do ciclo Meio Ambiente e Desenvolvimento, o evento teve dois painéis, um mais geral, intitulado ‘O Brasil na transição energética e o Papel do Petróleo’, e outro mais específico que buscou responder à seguinte questão: ‘Devemos explorar a Margem Equatorial?’.

Roberto Schaeffer, Flávia Guedes e Jean-Paul Prates em debate na Fundação FHC –
Foto: Vinicius Doti

Brasil é referência mundial na exploração sustentável de petróleo no Atlântico

“A transição energética em curso no planeta traz um conceito novo, que é o de adição de novas fontes de energia renováveis, não de substituição pura e simples da energia proveniente do petróleo e outros combustíveis fósseis. É um processo não linear e multidimensional, que varia bastante dependendo da região e do país”, disse David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Zylbersztajn, professor do Instituto de Energia (IEPUC), destacou que a Índia e a China, nações mais populosas do planeta, só se comprometeram a zerar suas emissões depois de 2060: “Um indiano consome hoje em média 22 vezes menos energia do que um norte-americano. Com o crescimento acelerado do país, é inevitável que a Índia continue a ter uma forte demanda por energia advinda do petróleo. E, enquanto houver demanda, haverá oferta.”

Segundo Zylbersztajn, a exploração petrolífera brasileira, sobretudo a realizada no Pré-Sal, emite de 40% a 50% menos CO2 do que a praticada em outros grandes países produtores e, por este motivo, não faria sentido o país deixar de explorar eventuais novas reservas como, por exemplo, as da Margem Equatorial, se elas forem confirmadas. “O Brasil é referência mundial na produção petrolífera no Oceano Atlântico, tanto do ponto de vista da segurança como da sustentabilidade. Não temos que servir de exemplo para ninguém porque já estamos fazendo a nossa parte”, afirmou.

Meta do Brasil de zerar emissões até 2050 é inatingível se explorar novas reservas

“Se o Brasil tiver realmente a intenção de cumprir a última NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), pode esquecer a exploração da Margem Equatorial. O governo vai fazer o que prometeu ou a NDC é pra inglês ver?”, disse Roberto Schaeffer, professor titular de Economia da Energia da COPPE/UFRJ.

Em 2024, o governo Lula publicou uma NDC — compromisso que cada país signatário do Acordo de Paris assume voluntariamente para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa — em que estabeleceu para si próprio a meta de zerar as emissões totais desses gases até 2050.

“A NDC brasileira não inclui apenas as emissões de CO2, mas de todos os gases do efeito estufa, incluindo gás metano (produzido por bovinos no processo de digestão) e óxido nitroso (N2O). Esses últimos nunca vão zerar, então o Brasil precisa zerar as emissões de CO2 entre 2035 e 2040 e se tornar negativo (ou seja, reter mais CO2 do que emite) depois disso. Para cumprir esse compromisso, não há outra saída a não ser reduzir significativamente a produção de petróleo. O momento de procurar petróleo novo acabou”, continuou Schaeffer, que participou da elaboração da nova NDC brasileira.

Roberto Schaeffer, Flávia Guedes e Jean-Paul Prates em debate na Fundação FHC –
Foto: Vinicius Doti

Para cumprir a meta, salientou, o país também terá de reduzir drasticamente o desmatamento ilegal na Amazônia — atualmente o uso da terra, especialmente o desmatamento e as mudanças de uso da terra, é uma das principais fontes de emissão de CO2, sendo responsável por uma parcela significativa do total de emissões brasileiras e globais — e o consumo de diesel e querosene de aviação. 

“Em alguns anos, cem por cento dos ônibus e caminhões brasileiros terão de rodar com biocombustível ou eletricidade e o querosene de aviação terá de ser substituído pelo SAF (Combustível Sustentável de Aviação). O caminho para zerar as emissões totais até 2050 tem um custo significativo, mas também pode gerar valor e oportunidades em diversas áreas”, afirmou.

Brasil desperdiça oportunidade de discutir papel do petróleo com maturidade

“Se não fosse a emergência climática, eu seria ‘petroleiro raiz’, pois o uso de petróleo e gás para produzir energia é muito eficiente e possibilitou um grande salto civilizatório. Entretanto, a questão das mudanças climáticas se impõe. Estima-se que a transição energética custe 5% do PIB global, mas o custo de não fazer nada é imprevisível e recai sobre as sociedades como um todo”, disse Shigueo Watanabe Jr., colaborador do Clima Info.

Shigeo também criticou a polêmica em torno da autorização de pesquisa no bloco 59, localizado a cerca de 160 km da costa do Amapá e a mais de 500 km da foz do rio Amazonas: “Virou um cavalo de batalha e assim estamos perdendo a oportunidade de discutir o papel do petróleo no desenvolvimento do país com mais maturidade, abrangência e profundidade.”

No Amapá, há um silenciamento das vozes críticas à exploração

“A transição energética não deve ser apenas uma mudança das fontes de energia na matriz energética, mas sim uma transição justa e equitativa. Quase não se fala disso no dia a dia. Muito menos no Amapá, onde só se vende a ideia de que o petróleo traria desenvolvimento, mas a que custo?”, disse Flávia Guedes, analista de projetos do Instituto Mapinguari, que atua desde 2015 pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia.

“Todo mundo quer ter uma melhoria em sua qualidade de vida e a população do Amapá precisa muito de investimentos, empregos, qualificação e oportunidades. Mas isso não vai acontecer com a exploração de petróleo na Margem Equatorial, como não tem acontecido na grande maioria dos municípios brasileiros localizados em áreas de exploração petrolífera. Para quem seria esse desenvolvimento? É isso que precisamos discutir, mas há no Amapá um silenciamento das vozes críticas à exploração”, continuou.

Segundo Guedes, o estado não tem serviços públicos para dar conta do interesse que a possibilidade de exploração do petróleo na região já está provocando: “Isso vai causar uma grande migração de outros estados para o Amapá e reacender violências que já sofremos no passado. As comunidades querem ser ouvidas e participar das tomadas de decisões, mas nem mesmo a mais básica consulta prévia está sendo cumprida.”

Flávia Guedes em debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Como exemplo de falta de retorno à população, a ambientalista lembrou o apagão ocorrido no Amapá em 2021: “Temos quatro hidrelétricas no nosso estado. Quando elas foram construídas, a promessa foi de que trariam desenvolvimento e progresso. Mas, mesmo depois de sofrer os efeitos adversos, como a seca de rios, perda de biodiversidade e alteração do modo de vida de milhares de pessoas, ficamos 23 dias sem energia em plena pandemia. E ficou por isso mesmo.”

Guedes, que veio do Amapá especialmente para participar do seminário, concluiu dizendo que a bioeconomia é o melhor caminho para desenvolver o Amapá: “Temos um enorme potencial para produzir alimentos e outros produtos preservando a floresta, os rios e nosso modo de vida. Mas a bioeconomia não é levada a sério por aqueles que tomam as decisões em Macapá e em Brasília.”

A transição energética não deve ser apenas uma mudança das fontes de energia na matriz energética, mas sim uma transição justa e equitativa. Quase não se fala disso no dia a dia. Muito menos no Amapá, onde só se vende a ideia de que o petróleo traria desenvolvimento, mas a que custo?

Flávia Guedes, analista de projetos do Instituto Mapinguari

Para ex-presidente da Petrobras, decisão final será do presidente Lula

“A Petrobras tem a obrigação de fazer o que estiver ao seu alcance para explorar a Margem Equatorial. Já o Ibama tem a prerrogativa de trazer a dimensão ambiental à mesa. Mas a decisão final não será de nenhum órgão ou ministro. Será do presidente da República”, disse Jean-Paul Prates, que presidiu a Petrobras de janeiro de 2023 a maio de 2024.

Segundo Prates, a Petrobras está tecnicamente preparada para explorar petróleo em uma região sensível como a área em frente à Foz do Amazonas: “A Petrobras é a melhor empresa petrolífera offshore do mundo. Está acostumada a extrair petróleo do fundo do mar com segurança e de maneira sustentável. Se tem petróleo na Margem Equatorial, ela tem todas as condições de explorar.”

Ele lembrou, no entanto, que há vários passos a serem dados antes disso se tornar realidade. “Tem toda uma cronologia de ações, que começa com uma avaliação operacional, passa pela emissão da licença de pesquisa e a perfuração dos primeiros poços para saber se tem petróleo. A Guiana (próxima ao Amapá) perfurou 60 poços até encontrar imensas reservas. Depois tem que fazer um plano de exploração e construir a infraestrutura. Se tudo der certo, a produção só vai começar lá por 2035 e terminar em 2060 ou 2070”, explicou.

“O mundo vai continuar a demandar petróleo daqui a algumas décadas? Não sabemos. O que sabemos hoje é que vivemos uma evolução energética, em que novas fontes de energia renováveis ganham cada vez mais importância, mas o petróleo continua a ter um papel. O Brasil tem a sorte de ter uma multiplicidade de fontes de energia, renováveis e não renováveis. Temos muitos craques, quais escalar? Cabe ao Estado brasileiro saber manejar esta dádiva que poucos países têm”, concluiu Prates.

Recursos do petróleo podem contribuir para preservação da Amazônia

Segundo Henri Philippe Reichstul, que foi presidente da Petrobras de 1999 a 2001, os recursos financeiros que forem recolhidos pelo Estado brasileiro com pagamento de royalties e tributos em decorrência da exploração de petróleo na Margem Equatorial podem ser importantes para investir na preservação da floresta amazônica no Amapá e em outros estados da região.

“É mais fácil evitar ou mitigar eventuais problemas decorrentes da atuação de empresas petrolíferas na região, seja a Petrobras ou outras empresas devidamente constituídas, do que enfrentar o garimpo ilegal, os madeireiros e o narcotráfico, que hoje atuam quase livremente na Amazônia. Quanto mais recursos tivermos para investir na preservação, melhor. O petróleo pode contribuir com isso, se os poderes Executivo e Legislativo assim determinarem”, disse Reichstul, que estava na plateia, e pediu a palavra na fase de perguntas e respostas.

Veja o vídeo “Petróleo e Transição Energética”, da série Ponto a Ponto, lançado em maio pela Fundação FHC.


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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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