Debates
26 de outubro de 2021

Mulheres: estereótipos e barreiras no mercado de trabalho

Como diminuir a desigualdade de gênero nos diferentes setores do mercado de trabalho? Conversamos com uma cientista social, uma economista e uma física para discutir essa questão.

Relações de gênero produzem e reproduzem desigualdades. No mercado de trabalho, mulheres enfrentam barreiras estruturais e simbólicas. Da dificuldade de inserção e permanência em áreas de crescente valorização na sociedade — Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, em inglês) — à desvalorização no trabalho de cuidado, com remuneração inferior ou mesmo inexistente, socialmente atribuído ao gênero feminino sob a ótica da vida privada.

Para tratar destes e outros desafios, a Fundação FHC conversou com três mulheres, que que trouxeram experiências de diferentes áreas: Márcia Cristina Bernardes Barbosa, física e membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências (TWAS), Nadya Araujo Guimarães, socióloga e professora titular sênior do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, e Regina Madalozzo, economista e pesquisadora associada ao Grupo de Estudos em Economia da Família e do Gênero (GeFam).

Mulheres no mundo acadêmico

“No mundo acadêmico, o percentual de mulheres diminui à medida que sobe o estrato de importância na carreira. Conseguimos igualar na entrada, na graduação, e chegar em cargos de professoras, por concurso, mas no resto da cadeia temos problemas sérios — e são problemas de natureza política”, disse Márcia Barbosa, trazendo ao evento sua perspectiva sobre a universidade. Em sua área — a física — as desigualdades são ainda mais profundas.

“Há 20 anos a união internacional de físicos criou um grupo de trabalho para entender por que havia poucas mulheres na física. Fizemos uma conferência internacional, com 65 países participando. O que descobrimos, que é comum no mundo inteiro, foi esse efeito de tesoura — começa com um número baixo de mulheres na graduação, e esse número vai chegando a quase zero quando se chega à docência. A situação está melhor em países onde ser físico ou cientista é desvalorizado”. Titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências, Márcia explicou que no Brasil os percentuais de mulheres na física são maiores do que em países desenvolvidos (como EUA ou Alemanha), mas por razões longe de ideais.

Além disso, Márcia destacou outras questões que afastam as mulheres da carreira acadêmica, como a baixa autoestima — frequentemente construída socialmente desde a infância — e as preocupantes taxas de assédio moral e sexual em universidades brasileiras. Também apontou as diferenças de oportunidades que existem entre mulheres de distintas classes sociais, uma característica que não deve passar despercebida. “As mulheres, que recebem da sociedade a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, sempre que têm a oportunidade de uma atividade excepcional — que é a atuação em cargos mais altos — precisam pensar como vão equacionar essas e outras funções. E as mulheres que conseguem subir contam com uma rede de outras mulheres, frequentemente de classes mais baixas.”

Sociologia do trabalho e relações de gênero

A professora e pesquisadora Nadya Guimarães contribuiu com o seu campo de estudo — a sociologia do trabalho. “As representações sobre o masculino e o feminino importam. São centrais seja para estruturar, hierarquizar ou na retribuição pelo trabalho”, disse. Essas representações mostram que não basta para as mulheres adentrar o mercado de trabalho —  já ultrapassando uma série de barreiras estruturais — pois há barreiras simbólicas ainda muito sólidas, que se mantêm e se amplificam.

“Essas imagens de gênero afetam tanto a ordem do trabalho na esfera pública — o ‘trabalho produtivo’ —  como o chamado ‘trabalho reprodutivo’, aquele que se faz no espaço familiar e que não é qualificado como trabalho, muitas vezes nem mesmo pelas mulheres”. Até recentemente, o IBGE considerava o fazer doméstico como algo que não era trabalho, explicou Nadya. A socióloga também apontou a gravidade da ausência de políticas públicas efetivas na área do cuidado — setor que é contaminado pela desvalorização a que estão sujeitas as figuras que em geral o realizam, as mulheres.

“A intervenção do Estado na produção de políticas de cuidado no Brasil é recente, frágil e débil. É fortemente tributária dos avanços da Constituição de 1988, onde se regulou, por exemplo, o direito ao acesso ao cuidado das crianças menores e a obrigação do Estado de prover creches. Mas passamos algumas décadas até assegurar recursos para que isso se tornasse realidade. As dificuldades de renda para consumir esses serviços no mercado produzem outra sobrecarga de trabalho, principalmente nesses circuitos ‘de ajuda’, nos quais diferentes mulheres dividem entre si trabalhos de cuidado.” Nadya também pontuou que esse cenário se agravou na pandemia, recaindo sobretudo sobre as mulheres negras e do meio rural.

A pesquisadora fez uma reivindicação por políticas públicas que tratem o cuidado como um direito universal e integrado. “O direito universal nos permite, no campo do cuidado, reconhecer, redistribuir, remunerar. O cuidado é uma necessidade de todos e corta transversalmente as políticas públicas de educação, saúde, assistência etc.”, concluiu.

Empresas e a diversidade 

“No Brasil, o mundo corporativo foi puxado pelas regulamentações e pelo olhar mais atento das empresas multinacionais. Foi através delas que chegou aqui o conceito de que precisamos de mulheres na liderança”, disse Regina Madalozzo. “Ao meu ver, a academia está um pouco atrás das empresas, porque essas têm um impulso — sabem que diversidade traz eficiência e dinheiro, de forma direta e indireta”, explicou a economista.

Regina citou iniciativas como o aumento da licença-paternidade — que vem sendo adotado por empresas voluntariamente — o que melhora a equidade de gênero no mercado de trabalho e dentro de casa. Contudo, não deixou de ressaltar que a situação ainda está longe de ser ideal, e segue o mesmo padrão de “tesoura” citado por Márcia. “Em conselhos de empresas, por exemplo, a participação feminina ainda está muito estagnada. Sabemos que dentro do mundo executivo menos de 20% das mulheres fazem parte da liderança. Se botarmos em números, homens que trabalham em tempo integral fora de casa contribuem em média com 10 horas de trabalho doméstico por semana, já as mulheres na mesma situação fazem 20 horas. É o dobro, é muito mais trabalho”.

A economista citou um estudo realizado pela empresa McKinsey & Company, que mostra que há uma correlação entre a participação de mulheres no mercado de trabalho e o crescimento do PIB dos países. “Correlação são duas variáveis que vão andando na mesma direção, mas não quer dizer que uma causa a outra. São as mulheres que causam o crescimento? Não necessariamente. Mas diversificar e possibilitar que as pessoas usem a capacidade que elas já têm, isso sim faz crescer.”

Para Saber Mais: 

Leia o relatório da pesquisa “A diversidade como alavanca de performance”, realizada pela McKinsey & Company, que reforça o vínculo entre diversidade e performance financeira nas empresas, e sugere como as organizações podem criar estratégias de inclusão melhores para obterem vantagem competitiva.

Conheça o projeto “Mulheres em tempos de pandemia”, do Think Olga, uma organização não-governamental de inovação social com foco em criar impacto positivo na vida das mulheres do Brasil.

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Isabel Penz, historiadora formada pela USP, é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação FHC.