Nesta linha do tempo, percorremos os caminhos para o fortalecimento do controle e da transparência das contas e das ações de governo no Brasil. Abordamos os principais acontecimentos e debates sobre gastos públicos, combate à corrupção e acesso à informação.
O uso adequado do dinheiro público é a base para um país entregar políticas públicas de qualidade para os seus cidadãos. A transparência e o controle sobre o uso dos recursos públicos não são uma tarefa simples. Ao contrário, é extremamente complexa, em particular num país com a dimensão territorial e a estrutura federativa que tem o Brasil, com seus 26 estados e 5.568 municípios, e uma longa história, ainda presente, de uso do Estado para benefício de grupos privados.
Nos países mais desenvolvidos, as instituições voltadas a estabelecer controles sobre os gastos públicos e dar transparência ao seu uso não se criaram e fortaleceram da noite para o dia. Os maiores avanços nessa área se deram a partir da Segunda Guerra Mundial, na esteira da expansão dos regimes democráticos, em particular no continente europeu, e do aumento da participação do Estado como provedor de bens e serviços.
A história dessas instituições, portanto, é inseparável da história da expansão da democracia no mundo. No Brasil, só a partir do final do século 20 passamos a viver um prolongado período democrático. O curto período de 1946-1964 ainda se deu nos limites de uma sociedade urbana e industrial em formação, pouco conectada a sistemas integrados de comunicações de massa, onde o eleitorado representava uma fração minoritária da população.
O retorno à democracia em 1985 inaugura, na verdade, uma nova experiência: a construção de um Estado Democrático de Direito, com ampla participação política e eleitoral, maior diversificação e engajamento público da sociedade civil, num país cada vez mais conectado.
O Brasil tem dado passos importantes desde então no desenvolvimento de instituições de controle e transparência. Não é um processo linear, muito menos concluído, nem mesmo nas democracias consolidadas. Sempre haverá interesses empenhados em usar recursos públicos para fins privados. Sempre será necessário calibrar os mecanismos de controle para que eles não produzam paralisia ou perda de eficiência nas políticas públicas.
Bem menores que os passos no desenvolvimento de instituições de controle e transparência têm sido os avanços na avaliação das políticas públicas, ou seja, dos resultados obtidos com os gastos públicos. Não basta controlar as ações dos agentes públicos, dar transparência ao uso dos recursos. É preciso também avaliar os resultados obtidos com o emprego desses recursos.
O combate à corrupção é um dos objetivos das instituições e políticas voltadas ao controle e transparência das ações do Estado em geral e do uso dos recursos públicos em particular. Nenhuma outra forma de mau uso desses recursos tem tanta repercussão social e consequências na esfera penal. É o que maior interesse desperta nos cidadãos.
Quanto mais opacas as relações entre burocratas, políticos e grupos de interesse, maior o risco de desvio dos recursos públicos. A ideia de que em regimes autoritários existe menos corrupção porque os políticos têm menos poder é uma ilusão de óptica. Nas democracias, os desvios de recursos públicos cedo ou tarde se tornam visíveis. Nas ditaduras, não.
Por provocar escândalo, a corrupção, quando descoberta, cria condições políticas que podem favorecer mudanças institucionais favoráveis ao aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e transparência. Isso ocorre porque a indignação da opinião pública reduz a resistência de grupos econômicos e políticos que se beneficiam da menor transparência e controle sobre as decisões de órgãos governamentais. O combate à corrupção, porém, pode ser instrumentalizado para fins estranhos ao interesse da sociedade. Nesses casos, em lugar de favorecer o aprimoramento das instituições, serve para promover interesses políticos, corporativos e/ou empresariais específicos, quando não salvadores da Pátria.
Desde a redemocratização, a sociedade brasileira se mobilizou diversas vezes em torno do tema da corrupção. A percepção de que ela é endêmica no Brasil se reflete na posição que o país ocupa (96º entre 180 países) no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, publicado em 2021.
Apesar dessa percepção negativa dos próprios brasileiros, o país avançou nas últimas três décadas na construção de instituições voltadas ao controle e transparência das contas e ações do Estado. Desse processo, se beneficiou também o combate à corrupção.
Existem diferentes formas de controle em países democráticos. O controle institucional é feito por organizações do próprio Estado, seja no âmbito do Executivo, a exemplo do que faz a Controladoria Geral da União, ou a exemplo do que realiza o Tribunal de Contas da União, como órgão auxiliar do Congresso. O Legislativo pode constituir comissões de inquérito, as chamadas CPIs, que têm poderes equiparáveis ao do Judiciário, entre os quais de determinar diligências, convocar e interrogar testemunhas e requerer documentos.
O controle institucional requer independência dos órgãos de fiscalização. Eles devem ter condições, asseguradas na lei e na prática, de atuar no interesse da sociedade e não dos governos de turno. No arranjo institucional brasileiro, o Ministério Público, depois da Constituição de 1988, ganhou um papel de destaque. É um órgão de Estado, mas autônomo, e recebeu a missão de zelar pelos interesses gerais da sociedade. Seus membros têm um grau de autonomia na proposição de ações públicas, na área civil e penal, raramente encontrado em outros países.
Existem também mecanismos para o exercício do controle social por parte dos cidadãos. Este pode se dar pela participação direta em audiências públicas ou indiretamente por meio de denúncias à imprensa e ao Ministério Público, por exemplo. A existência de mecanismos de controle social, entre eles uma imprensa independente, é essencial para reduzir o risco de o controle institucional ser capturado por agentes públicos e/ou privados interessados em manietá-lo.
Transparência e controle na Constituição de 1988
A ditadura (1964-1985) censurou a imprensa, concentrou poderes no Executivo, adotou a lógica do segredo de Estado, em nome da segurança nacional. A redemocratização almejava o oposto: liberdade de imprensa, desconcentração do poder, transparência nas relações do Estado com a sociedade.
A agenda das oposições à ditadura imprimiu sua marca na Constituição de 1988. O direito à informação foi incluído entre os direitos fundamentais e os poderes do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União foram ampliados. A liberdade de imprensa foi assegurada. Estabeleceu-se o Orçamento Geral da União abrangendo todas as receitas e despesas da União. Pouco antes se havia acabado com o chamado orçamento monetário, que permitia o financiamento de despesas com recursos do Banco Central, via Banco do Brasil, à margem do Congresso, sem controle ou transparência. Criaram-se o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias para dar maior previsibilidade aos orçamentos anuais. O Congresso deixou de ser apenas um carimbador dos projetos de lei de orçamento encaminhados pelo Executivo.
Novos ventos lá fora e aqui dentro
A partir da segunda metade dos anos 1990, o combate à corrupção entrou na agenda internacional, devido à preocupação, sobretudo dos Estados Unidos, com a lavagem de dinheiro e o financiamento de redes terroristas e cartéis da droga. Convenções prevendo cooperação entre os países são assinadas na OEA (1996), OCDE (1997) e ONU (2003). Essas convenções, das quais o Brasil é signatário, estabelecem diretrizes para as políticas de combate à corrupção.
As pressões internas por um combate mais eficaz à corrupção também aumentaram no mesmo período. A liberdade de imprensa, a maior independência do Legislativo e a autonomia assegurada ao Ministério Público resultaram na revelação e investigação de esquemas de desvio e mau uso de recursos públicos. A reação da opinião pública frente aos “escândalos” levou à criação de novas leis, como a Lei de Improbidade Administrativa (1992) e a Lei de Licitações (1993), esta última aprovada em resposta à descoberta de um esquema de corrupção envolvendo fornecedores do governo e membros da comissão de orçamento do Congresso. A mesma dinâmica esteve na origem da Lei da Ficha Limpa (2010), aprovada depois que um esquema de compra de votos no Congresso veio à tona, no chamado escândalo do mensalão. Já a Lei Anticorrupção foi uma resposta às grandes manifestações de junho de 2013.
A transparência e o acesso à informação deixaram de figurar apenas como princípios previstos constitucionalmente e se tornaram obrigações para os órgãos públicos com a Lei da Transparência Fiscal (2009) e a Lei de Acesso à Informação (2011).
Os desafios recentes
Se o aparato de controle e transparência ganhou instituições mais fortes, sua implementação trouxe novos desafios. Em parte, por um processo natural de aprendizagem, que requer ajustes periódicos na legislação. Boas intenções nem sempre produzem bons resultados. Regras muito restritivas e detalhadas podem prejudicar a eficiência da ação do Estado. É o que levou, por exemplo, à flexibilização da Lei de Licitações. A nova lei, aprovada em 2021, visa simplificar e tornar mais rápidas as contratações de obras e serviços públicos.
Mudanças ocorrem também por pressões de setores que se sentem prejudicados e buscam diminuir a efetividade do aparato de controle e transparência. Um exemplo disso é a nova Lei de Improbidade Administrativa, de 2021. Embora a anterior merecesse aperfeiçoamentos, a nova, aprovada com o apoio de todos os partidos no Congresso, aparentemente, passou do ponto. Na tentativa de desestimular ações de improbidade administrativa mal fundamentadas contra políticos e funcionários públicos, restringiu em excesso o poder do Ministério Público no uso desse instrumento de controle.
Retrocesso inequívoco ocorreu na área orçamentária, com a adoção do chamado “orçamento secreto”. Nos últimos três anos vem crescendo o volume de recursos orçamentários distribuídos com base em emendas parlamentares abrigadas sob a rubrica genérica de “emendas do relator”. Trata-se de um artifício que facilita o toma-lá-dá-cá entre o Executivo e o Congresso e dificulta à sociedade conhecer os autores dessas emendas parlamentares. Graças ao jornalismo investigativo de órgãos de imprensa independentes o assunto veio a público, associado a casos de desvio e mau uso de recursos públicos.
A construção de instituições de controle e transparência é um processo permeado por conflitos, não apenas entre controladores e controlados, mas também entre os próprios órgãos encarregados de exercer as funções de controle, que não raro disputam entre si atribuições e poder. Nesse processo, podem ocorrer abusos de poder por parte dos controladores.
O Ministério Público sofre críticas por um alegado uso abusivo que seus membros fazem do poder de investigação e acusação, especialmente depois da aprovação da Lei das Organizações Criminosas (2013), que prevê a possibilidade da “delação premiada”. Já o TCU é criticado por supostamente ir além das suas competências ao exercer habitualmente a fiscalização prévia de programas e ações de governo, interferindo assim no processo decisório sobre o conteúdo das políticas públicas, quando o seu papel deveria se limitar à fiscalização ex post de iniciativas governamentais.
O bom uso dos recursos públicos não é produto do voluntarismo de um órgão, muito menos de um indivíduo. Numa democracia, o sistema de controle e transparência tem não apenas melhores chances de se estabelecer, como também de se aprimorar. A Constituição define parâmetros para a sua atuação. Eventuais abusos ou omissões se tornam visíveis. Para que o sistema funcione, é preciso uma sociedade atenta e informada e uma imprensa independente. O Brasil vem avançando nesse sinuoso percurso.
Nesta linha do tempo, buscamos retratar os principais marcos e debates envolvidos para o controle e a transparência dos gastos públicos — conhecê-los contribui para fortalecer o papel da sociedade em uma melhor aplicação do dinheiro público.