Políticas para população negra: reconhecimento e ações afirmativas pela igualdade racial no Brasil
No processo de redemocratização do país, o movimento negro conseguiu colocar em pauta diversas propostas e reivindicações. Realizou encontros de alcance nacional e participou de conselhos criados por governos estaduais em defesa dos direitos dos negros. Nos debates da Constituição de 1988, a questão racial ganhou espaço e alguns avanços foram obtidos na letra da lei. Apesar desses avanços, hoje ainda se sentem os efeitos culturais, socioeconômicos e políticos de quase 400 anos de escravidão e da precária inserção do negro na sociedade brasileira após a abolição. A nova Constituição, aprovada exatos 100 anos depois da abolição, trouxe conquistas significativas para a população negra, como o reconhecimento das suas manifestações culturais e o direito à terra das comunidades remanescentes de quilombos. Além disso, o crime de racismo, regulamentado em 1989 pela Lei Caó, passou a ser tratado de forma rigorosa. Outras reivindicações do movimento negro, como ações afirmativas e a inclusão da história e cultura negra no ensino básico escolar, não foram explicitamente contempladas na nova Constituição.
Na comemoração do centenário da abolição da escravatura, foi criada a Fundação Cultural Palmares (FCP), com o objetivo de propor ações de reconhecimento da cultura e da influência negra como essenciais à formação de nosso país. Na ocasião, o movimento negro organizou mobilizações por todo o território nacional para questionar a abolição, apontando que a Lei Áurea (1888) não havia promovido mudanças efetivas na situação socioeconômica dos negros.
A partir da segunda metade dos anos de 1990, a questão racial ganhou espaço crescente na agenda de políticas públicas. Um grupo interministerial de trabalho para valorização da população negra foi criado em 1996. No início dos anos 2000, o Brasil figurou como protagonista na temática racial em eventos importantes, como a Conferência de Durban (3ª Conferência contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância), em 2001. No ano seguinte, políticas de cotas começaram a ser implementadas: a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi a pioneira nessa ação, tendo reservado 40% das vagas do vestibular para candidatos negros. Seguindo o exemplo da instituição, outros centros de ensino superior passaram a adotar políticas de ação afirmativa em seus processos seletivos.
Em 2003, a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) fortaleceu a execução de políticas de combate ao preconceito, geração de oportunidades e ações afirmativas para negros por meio de diferentes parcerias com outros ministérios, estados e municípios. No ano seguinte, a Seppir criou o Programa Brasil Quilombola, consolidando políticas para essas comunidades, como o avanço na titulação de propriedades. De 2008 até 2016, a Seppir teve status de Ministério.
Um dos marcos na luta contra o preconceito foi a instituição oficial do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, em 2003. No mesmo ano, as escolas brasileiras passaram a incluir em sua grade curricular a revisão da história brasileira e a valorização das tradições, culturas e lutas do povo negro dentro da sala de aula, uma das reivindicações do movimento negro que havia ficado de fora da Constituição de 88.
Em 2010, o Congresso aprovou o Estatuto da Igualdade Racial, depois de 10 anos de sua proposição pelo então deputado federal Paulo Paim (PT-RS) e de muitas modificações sofriadas na tramitação parlamentar, que limitaram a extensão de ações afirmativas previstas no projeto original.
Dois anos mais tarde o Legislativo aprovou a Lei de Cotas, após decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor da constitucionalidade da política de cotas raciais. A nova lei determinou a reserva de 50% do total de vagas das universidades e institutos federais para cotistas (selecionados com base em critérios sociais e raciais) por um período de 10 anos. Em 2014, a Lei de Cotas no Serviço Público também foi aprovada, fixando a obrigatoriedade da reserva de 20% das vagas de concursos da administração pública federal para candidatos negros e pardos.
A partir de 2016, as ações de promoção de igualdade racial sofreram drástica redução orçamentária. Nesse ano, a Seppir perdeu status e foi fundida em Ministério maior.
Desafios persistentes da questão racial
Atualmente, os conflitos relacionados à titularidade de terras quilombolas continuam a existir, apesar de a lei reconhecer o direito dos povos quilombolas à terra e da decisão do STF, em 2018, que refutou a tese do marco temporal. Segunda essa tese só teriam direito à terra as comunidades quilombolas cujos antepassados a estivessem ocupando em 1888 e desde que elas ali continuassem em 1988.
Mesmo com os avanços dos últimos trinta anos, a discriminação racial permanece presente. Não apenas a pobreza é maior entre os negros, como também são os jovens negros as principais vítimas de homicídio no país.