Nesta linha do tempo, passamos pelos principais acontecimentos da saúde no Brasil a partir da redemocratização. Acompanhamos os debates que levaram à criação do maior sistema público de saúde do mundo, bem como os seus constantes desafios. Detalhamos momentos importantes no combate a epidemias, a criação do arcabouço regulatório e as complexas relações de financiamento e gestão.
As conquistas e desafios de um direito universal
Passados mais de trinta anos da promulgação da Constituição de 1988, os desafios da saúde no Brasil — bem como os de seu sistema público, gratuito e universal — permanecem complexos. É preciso considerar, antes de mais nada, que a saúde tem uma característica particular, que influencia de modo crucial as políticas públicas: embora seu orçamento seja necessariamente finito, a demanda é infinita e por vezes imprevisível. Assim, debates em torno da alocação de recursos ou da gestão do sistema são constantes e conflituosos.
O Brasil é um país com dimensões continentais, com expressivas disparidades econômicas, sociais, sanitárias, demográficas e culturais, e uma população de mais de 200 milhões de habitantes. Nosso sistema de governo é federativo, composto por 26 estados, Distrito Federal e 5570 municípios — sendo que estes se tornaram entes federativos, com autonomia política, financeira e administrativa, a partir da atual Constituição.
O processo de criação do sistema de saúde do Brasil está relacionado com a redemocratização e com a própria reconfiguração da Federação brasileira. Hoje, o SUS opera em todos os municípios do país e, mesmo com suas muitas deficiências, representa um significativo avanço em relação ao cenário anterior a 1988.
Saúde no Brasil: Movimento da Reforma Sanitária
A história da criação do SUS está conectada ao Movimento da Reforma Sanitária, de meados da década de 1970. A saúde pública foi, na época, um dos eixos da luta e da resistência contra a ditadura militar. Os sanitaristas foram capazes de conciliar diferentes correntes e orientações políticas em torno de um objetivo único — o acesso gratuito e integral de todos os cidadãos aos serviços de saúde.
Até então, a saúde era vinculada ao Instituto de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), sendo os serviços assegurados apenas a quem contribuísse. Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde acolheu os princípios do projeto sanitarista, abrindo caminho para sua consolidação na Assembleia Nacional Constituinte.
A criação do Sistema Único de Saúde no Brasil
A criação do SUS põe em prática uma política federal de caráter descentralizador, que, conjugada à gratuidade e universalidade, o torna o maior sistema público de saúde do mundo. À União cabe o papel primordial de regulador, estimulador e avaliador das atividades de saúde. Estados e municípios têm a responsabilidade de planejar e executar os serviços que atendem às populações locais. Assim, os três entes federativos, em vez de concorrer, trabalham juntos.
Os serviços de saúde são oferecidos, de forma articulada e complementar, por quem está na ponta, de onde se enxergam melhor as reais necessidades dos cidadãos. E a execução é mista: o serviço é prestado tanto pela rede pública como pela filantrópica e privada.
A interação entre as esferas pública e privada — bem como a cooperação entre União, estados, municípios, entidades regulatórias e legisladores que disciplinam suas relações — é uma inesgotável fonte de conflitos. O sistema, desde o início, foi pensado com base na cooperação entre atores diversos, todos eixos indispensáveis para sua concretização.
Outros princípios caracterizam o sistema brasileiro. Um deles é a possibilidade de participação social, através de conselhos, que acompanham, criticam e apoiam a gestão da saúde. Também a integralidade: uma atenção à saúde que abrange desde a promoção e a prevenção, passando pela redução dos casos de doenças e chegando até a reabilitação.
Uma política descentralizada
Analisar a história da saúde pública no Brasil é observar políticas de Estado concretizando-se em um contexto federativo. As diretrizes gerais de governos federais específicos, bem como a atuação do Ministério da Saúde em determinado período, estão por vezes condicionadas à capacidade de coordenação com os governos estaduais e municipais. E todos, por sua vez, respondem a um modelo de desenvolvimento econômico e social.
Se a Constituição de 1988 e as leis do SUS que se seguiram (Lei n. 8.080 e Lei n. 8.142, de 1990) fundam o sistema, estabelecendo as regras do modelo brasileiro de atendimento à saúde, sua implementação se dá de maneira gradual, por meio de um processo contínuo e composto por múltiplas etapas, sob o pano de fundo de disputas políticas e articulações de interesses de diferentes segmentos da sociedade.
Como tarefa primordial do Estado, a saúde é tão desafiadora quanto importante. Nas últimas décadas, passamos por embates sobre modelos de atendimento, por reformas administrativas em todos os níveis de governo, por legislações complementares, por dilemas do financiamento, por abrangentes campanhas de prevenção e controle de doenças, por sucessos e fracassos no enfrentamento de problemas sanitários. Nesta linha do tempo procuramos recontar alguns dos principais momentos desta trajetória — conhecê-la melhor é uma forma de se conectar com um tema que diz respeito ao futuro do país e a todos nós.