Protagonismo dos povos indígenas na luta por seus direitos, em arena de múltiplos embates
A questão indígena vem mudando ao longo das últimas décadas e tem chamado cada vez mais a atenção do Brasil e do mundo. Se antes eram considerados representantes de uma cultura inferior que deveriam ser tutelados pelo Estado, os povos indígenas se tornaram protagonistas na luta democrática pelos seus direitos nas três décadas cobertas por esta linha do tempo.
Nesse período, apesar de não ter desaparecido a antiga ideia de que o Estado deveria aculturar os índios para integrá-los à sociedade brasileira, ganhou espaço o reconhecimento do direito dos índios à preservação de sua cultura e à posse da terra de seus antepassados.
Um passo decisivo nessa direção foi dado na Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Alianças dos povos indígenas com outros setores asseguraram direitos importantes na Constituição de 1988 (CF-88). O Estado passou a ser responsável por adotar políticas públicas para preservar as formas de organização social, línguas e costumes dos grupos indígenas. Além disso, se tornou dever do Estado demarcar as terras tradicionalmente ocupadas por grupos nativos, garantindo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas naturais ali presentes, exceto as do subsolo. A mineração em terras indígenas não foi proibida e se tornou questão pendente por falta de lei específica sobre o assunto.
Entre 1985 e 2018, houve um inegável avanço na proteção efetiva dos direitos constitucionais dos índios, como demonstram o aumento da área ocupada por terras demarcadas, 117 milhões de hectares, e o crescimento de 205% da população indígena entre os censos do IBGE de 1991 e 2010. Nesse sentido, além da demarcação de terras, contribuíram, entre outras políticas, a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1999, e a implementação de escolas com ensino bilíngue nas aldeias indígenas. Quanto à demarcação de terras, destaca-se, pelo caráter simbólico, o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da homologação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, em 2005.
Mas não há mudanças sem conflitos, sobretudo em questões que envolvem a posse e o uso da terra. A demarcação de terras não é um processo simples, incluindo pelo menos sete etapas. Começa com um laudo antropológico a cargo da Fundação Nacional do Índio (Funai) e termina apenas quando a área é registrada na Secretaria de Patrimônio da União, após a decisão do Poder Executivo de homologá-la. Ao longo do caminho, muitas vezes ocorrem embates entre os defensores dos direitos indígenas e outros grupos que reivindicam a propriedade das terras em questão. São frequentes as contestações judiciais aos laudos antropológicos e a outros aspectos dos processos de demarcação. Alguns casos chegam ao STF.
Também frequente é a presença de atividades ilegais de garimpo e extração de madeira em reservas indígenas, atividades que o poder público tem dificuldade de reprimir. Outra fonte de tensão são grandes empreendimentos de infraestrutura, como a Usina de Belo Monte, por exemplo, que direta ou indiretamente afetam a vida dos povos indígenas. Geograficamente, esses conflitos se localizam na maior parte na Amazônia. Politicamente, eles permeiam todas as esferas de governo. Em geral, opõem, de um lado, o Ministério Público e grupos da sociedade civil ligados ao meio ambiente e aos direitos indígenas e, de outro, interesses vinculados a atividades econômicas (agronegócio, mineração, infraestrutura).
Visibilidade internacional e fortalecimento dos direitos indígenas
Assim como o meio ambiente, a questão indígena se tornou objeto de crescente atenção global. Um marco nesse sentido foi a aprovação da Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais (Convenção 169 da OIT), em 1989, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Organizações das Nações Unidas (ONU). Além de contemplar os direitos já previstos na Constituição brasileira, essa Convenção estabeleceu como obrigação dos Estados signatários a definição de procedimentos de consulta aos povos indígenas antes da realização de projetos que pudessem impactá-los.
O Brasil aderiu à Convenção logo no início dos anos 1990, mas o Congresso só viria a aprová-la em 2002, depois de muita controvérsia para definir se a convenção restringia ou não a soberania nacional. Os militares, em particular, a viam como intromissão indevida de um órgão internacional em decisões sobre empreendimentos de infraestrutura em território brasileiro. Ou pior, como pretexto para internacionalizar a Amazônia em nome da defesa de direitos de “nações indígenas”.
Embora o STF tenha definido que a Convenção 169 não colocaria em xeque a soberania nacional, o fantasma de que ela serviria de instrumento para a intromissão estrangeira em assuntos internos continua a assombrar o debate político em torno da defesa dos direitos indígenas até hoje. A mesma teoria conspiratória influencia o debate político em torno da questão ambiental (ver Linha do Tempo sobre Política Ambiental).