Debates
19 de janeiro de 2023

Ataques de 8 de janeiro: o que aprendemos e como fortalecer a democracia?

O que os ataques de 8 de janeiro nos mostram sobre as ameaças atuais à democracia e que desdobramentos poderá ter no futuro previsível?

A democracia sai fortalecida dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas o governo Lula precisa ampliar sua base de apoio no Congresso Nacional e na sociedade, trazendo a direita democrática e os setores mais liberais para mais perto. Também é fundamental buscar o entendimento correto sobre a questão militar e garantir que a economia brasileira tenha um bom desempenho nos próximos quatro anos.

“A democracia sai fortalecida, como mostrou a cena do presidente Lula caminhando do Palácio do Planalto em direção ao Supremo Tribunal Federal, cercado de todos os governadores e dos ministros do STF, na segunda-feira seguinte aos ataques”, disse Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa, da Justiça e do STF, em webinar realizado pela Fundação FHC.

“Mas tanto o governo como as demais instituições precisam ter sapiência e clareza na condução do processo daqui pra frente. A radicalização defendida por setores mais à esquerda do PT não trará resultados positivos”, afirmou o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (2004-2006).

“Ficamos todos atônitos diante da invasão da Praça dos Três Poderes, mas as respostas das instituições, do governo e da sociedade foram firmes. O futuro da democracia vai depender das condições de governabilidade da frente ampla democrática criada por Lula, do não acirramento das condições econômicas, e de um retorno da relação entre civis e militares a um leito mais natural”, disse a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP).

“O governo Lula tem o desafio de promover a desradicalização da política, mas há limitações claras. O ex-presidente Bolsonaro passou quatro anos atacando a democracia e quase venceu as últimas eleições. Estamos diante de uma força política que tem uma base social forte e deve ser levada a sério”, continuou a pesquisadora-sênior do CEBRAP.

Estas foram as principais conclusões deste debate que reuniu um experimentado político e jurista, com passagens pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e uma das principais intelectuais do país, sob a moderação do cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC.

Euforia do PT não se justifica

Jobim chamou a atenção para uma certa euforia do Partido dos Trabalhadores com a eleição de Lula para um terceiro mandato. “O resultado apertado das urnas não autoriza essa euforia petista, que pode ter consequências perigosas”, afirmou.

“Temos que ter tolerância mesmo após o 8 de janeiro. Prender todo mundo só radicaliza. É preciso identificar aqueles que financiaram e os responsáveis pelo ataque. Se o governo e os democratas começarem uma retaliação generalizada, fortalece o Bolsonaro”, alertou o ex-ministro.

“Temos que ter tolerância mesmo após o 8 de janeiro. Prender todo mundo só radicaliza. É preciso identificar aqueles que financiaram e os responsáveis pelo ataque. Se o governo e os democratas começarem uma retaliação generalizada, fortalece o Bolsonaro”, alertou o ex-ministro.

“É fato que a vitória do ano passado não foi do PT, e sim de todos os que votaram pela democracia. Mas ela seria impossível sem Lula, pois nenhuma candidatura alternativa de centro conseguiu se destacar e ele comprovou sua enorme popularidade. É preciso realismo em relação aos resultados e aos limites do que é possível fazer para fortalecer a democracia nos próximos anos”, disse Maria Hermínia.

“Sim, a eleição só foi ganha pela frente democrática porque Lula era candidato, mas ele é o último líder político de uma geração que lutou contra a ditadura e chegou ao poder com a redemocratização. Esta geração, da qual faço parte, já se aproxima de seu fim. Será preciso muita habilidade para construir alternativas no campo democrático, para evitar que a extrema direita volte a ameaçar a democracia”, disse Jobim.

Relação com Forças Armadas requer autoridade e transparência

Jobim alertou para o perigo de um “choque democrático” nas Forças Armadas, como têm apregoado alguns setores mais radicais que apoiam o governo. “Alguns defendem um choque democrático, mas o que isso significa? Essas pessoas pedem medidas mais radicais, mas não sabem o que fazer”, disse o ex-ministro, que mantém bons contatos junto aos militares.

“Alguns sugerem uma revisão do artigo 142 da Constituição de 1988, que estabelece que as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Está claro na lei que os militares não têm poder moderador, inclusive o Supremo está adiantado na análise de uma ADIN que confirmará isso. Pra que retomar este tema? Seria um equívoco”, defendeu Jobim, que foi deputado constituinte.

Segundo o palestrante, a relação do presidente da República, que é o comandante-em-chefe das Forças Armadas, com as forças militares deve se construir sobre dois pilares: autoridade e transparência. “Não se senta com militar para conversar como se faz com político. Com os militares, tem que ser objetivo, claro e transparente”, disse.

Para Jobim, o novo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, tem competência e habilidade para conduzir o processo de desmilitarização do Ministério da Defesa. “Ele é plenamente capaz de garantir o retorno do poder militar ao comando civil, como aconteceu durante os governos FHC e Lula”, afirmou.

Mundo mudou e militares precisam se atualizar

“Tenho a sensação de que os militares brasileiros têm hoje uma visão defasada do mundo em que vivemos, muito apegada ainda aos tempos da Guerra Fria, quando o comunismo representava uma ameaça real. Eles sabem quem são os inimigos e quais são os perigos do mundo de hoje?”, perguntou Maria Hermínia a Jobim.

Jobim concordou que as ameaças hoje são muito diferentes. “Como vai terminar a Guerra da Ucrânia, palco de um conflito muito maior entre a Rússia e o Ocidente? Quais as consequências para a segurança da Europa? E o acirramento da disputa entre os EUA e a China e a questão de Taiwan? Sem dúvida, a visão de mundo dos militares precisa ser atualizada, mas não serão eles que farão isso. Os civis, tanto no Executivo, como no Legislativo e a própria sociedade, precisam se envolver com as questões relacionadas à defesa nacional para poder ter mais influência”, disse.

“Quando eu era ministro, o professor Octávio Mangabeira Unger, secretário de Assuntos Estratégicos, elaborou a Estratégia Nacional de Defesa, um trabalho importantíssimo que deveria ser reexaminado pelo Congresso Nacional a cada dois anos. Os deputados e senadores nunca fizeram isso”, disse Jobim.

Ele defendeu a criação de uma carreira de funcionários civis dentro do Ministério da Defesa, com estabilidade e todas as garantias funcionais, que está prevista em lei, mas não foi colocada em prática.

Brasil precisa ter uma direita democrática

Tanto Maria Hermínia como Jobim defenderam a importância de fortalecer uma direita comprometida com a democracia, para que a quase metade dos brasileiros que votaram em Bolsonaro tenha uma alternativa que represente seus interesses e necessidades, mas com pleno respeito ao Estado de Direito.

“O bolsonarismo vai desaparecer se tivermos a habilidade de desmanchá-lo por dentro, isolando a extrema direita e estimulando o crescimento da direita democrática. Não faremos isso na base do confronto”, disse Jobim. Segundo ele, vários governadores podem assumir este papel, entre eles o de São Paulo, Tarcisio de Freitas.

“O gênio saiu da lâmpada e não temos um roteiro definido para fazer com que esses radicais voltem para dentro. Temos que ir aprendendo na prática”, disse Maria Hermínia.  Para a cientista política, seria bom ter uma direita civilizada e um centro capazes de garantir a alternância de poder, mas faltaram votos a este campo político desde a reeleição de FHC (1998) até a eleição de Bolsonaro (2018).

“Eu não apostaria na desidratação de Bolsonaro, pois podemos levar um susto daqui a quatro anos. No Brasil, quem ganha eleição é quem é popular. Durante duas décadas, a centro-direita não teve votos para derrotar a centro-esquerda, liderada por Lula. Só com Bolsonaro a direita voltou ao poder, mas com uma postura muito radical. A realidade é que o ex-presidente é um líder popular, como Lula”, disse.

Para evitar a volta da extrema direita ao poder, o novo governo precisa atuar como uma verdadeira frente democrática e entregar resultados positivos não somente para os mais pobres, mas também para setores da classe média e média baixa, que se beneficiaram das políticas governamentais na segunda metade dos anos 1990 e início dos anos 2000, mas sofreram muito com a crise econômica iniciada em 2015.

Assista ao vídeo completo do debate.

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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