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Perspectivas da indústria brasileira frente aos desafios globais

/ auditório da Fundação FHC


O mundo está cada vez mais preocupado com questões como segurança energética, alimentar e ambiental, e o Brasil, com grande potencial nessas três áreas, pode desenvolver uma política industrial que reforce sua posição, interna e externamente, em todas elas. 

Por outro lado, desde a crise financeira global iniciada em 2008, e depois com uma sucessão de fatos de grande relevância como a intensificação da disputa entre os Estados Unidos e a China, a pandemia e a guerra na Ucrânia, entre outros, o período da hiperglobalização chegou ao fim. Em vários países há uma tentativa de retorno ao “nacionalismo econômico”, e eles estão reavaliando a ideia de interdependência comercial, com repercussões importantes em suas respectivas políticas econômica e comercial.

É nesse mundo complexo que o Brasil terá de se mover para reverter um processo exacerbado e precoce de desindustrialização. 

“Que política industrial faz sentido diante das restrições e das oportunidades existentes hoje no mundo?”, perguntou Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, neste evento presencial realizado pela Fundação FHC e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ela mesma deu a resposta: “A dimensão internacional de uma nova política industrial é chave para seu sucesso. Não faz sentido produzirmos pensando apenas no mercado interno. Daí a importância de ampliar a integração comercial do Brasil com a América Latina e outras regiões e países.” 

“O Brasil tem um grande diferencial em relação a outros países: pode ser parte da solução de dois dos maiores desafios globais da atualidade, a transição energética e a segurança alimentar. Também temos um papel central no enfrentamento das mudanças climáticas. Podemos aproveitar essas oportunidades, e a vontade dos investidores internacionais de investir no país, para reverter um processo de desindustrialização precoce que tem causado grande prejuízo à sociedade brasileira”, disse o empresário Josué Gomes, presidente da Fiesp.

“Em todo o mundo, a indústria enfrenta múltiplos desafios, que vão de tensões geopolíticas à urgência de avançar na transição energética, além da complexa agenda de inovação resultante da era digital e da Inteligência Artificial. Temos hoje dois palestrantes, a Tatiana Prazeres, com sua experiência e abordagem multidisciplinar, e o Josué Gomes, com uma visão contemporânea da indústria, para nos ajudar a entender como desatar esses nós e, assim, assegurarmos um horizonte positivo para a indústria brasileira e nosso país”, disse, na abertura dos trabalhos, o professor Celso Lafer, que foi ministro das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e atualmente preside o Conselho da Fundação FHC.

Brasil deve aproveitar presidência do G20 e do BRICS para fomentar
debate sobre comércio e meio ambiente 

“Boa parte daquilo que era visto como benefício do processo de globalização, como a segmentação da produção industrial em cadeias de valor espalhadas por vários países, passou a ser considerado um fator de risco, sobretudo depois da pandemia. O comércio internacional, que antes era considerado um grande gerador de oportunidades e riqueza, hoje é marcado por uma maior intervenção por parte dos Estados, preocupados em garantir sua segurança em áreas fundamentais como saúde e alimentação, entre outras”, disse a secretária, que é doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e atuou como conselheira sênior do Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio, em Genebra.

Por outro lado, há muito mais clareza da urgência de se combater o aquecimento global, e o Brasil – por ter a maior parte da Floresta Amazônica dentro de seu território e possuir experiência e condições de produzir energias renováveis em grande escala – pode usar essas vantagens para abrir novos mercados para seus produtos, não só os que já exporta atualmente, como os agropecuários, mas também outros produtos com maior valor agregado produzidos de maneira sustentável.

“Não acho uma boa ideia o Brasil ter como objetivo se tornar um grande exportador de hidrogênio verde para o resto do planeta, mas sim utilizar o hidrogênio verde que vier a ser produzido aqui para tornar nossa indústria mais sustentável e competitiva, de forma a termos produtos de alto valor agregado para oferecer ao mundo. O mesmo vale, por exemplo, para novos minerais como o lítio. Em vez de vender o lítio extraído de nosso solo, podemos produzir e comercializar baterias para veículos elétricos”, propôs Gomes, que também preside a  Coteminas e é membro do Conselho do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).

“A agenda de sustentabilidade representa uma oportunidade para o Brasil se posicionar externamente, pois já temos uma pegada de carbono menor do que nossos concorrentes. Para isso, é fundamental termos sucesso no combate ao desmatamento e às queimadas na região amazônica, que representam 50% de nossas emissões de CO2. Só conquistaremos mais espaço para nossos produtos no mundo”, disse Prazeres.

A representante do governo federal defendeu que o Brasil aproveite o fato de que sediará em 2024 a cúpula do G20 – grupo das 20 maiores economias, que passará a ser presidido pelo Brasil, por um ano, a partir de dezembro de 2023 – para fomentar um debate internacional no sentido de reforçar a interrelação entre comércio internacional e proteção do meio ambiente: “Estamos numa posição que nos possibilita propor parâmetros em que comércio e meio ambiente se apoiem mutuamente, valorizando assim o potencial de sustentabilidade da produção brasileira.”

“A agenda de sustentabilidade representa uma oportunidade para o Brasil se posicionar externamente. Para isso, é fundamental termos sucesso no combate ao desmatamento e às queimadas na região amazônica”, disse Prazeres.

A secretária salientou que o Brasil não pode aceitar medidas unilaterais impostas pela UE para pressionar o país a adotar medidas mais rígidas contra o desmatamento da Amazônia, sob a pena de ter o acesso ao mercado europeu dificultado a seus produtos, principalmente os agropecuários. Ela defendeu a conclusão do Acordo UE-Mercosul, mas destacou a importância dos dois blocos chegarem a um acordo em relação à questão ambiental que não prejudique os países sul-americanos. 

“Como atual presidente do Mercosul, o Brasil apresentou aos demais sócios uma contraproposta a uma carta apresentada pela União Europeia que impõe novas condições ambientais para a conclusão do acordo. A resposta à UE foi aprovada na semana passada e na próxima semana haverá uma reunião negociadora em Brasília entre os dois blocos. É muito importante fechar o acordo, mas sem imposições e com equilíbrio”, disse.

Em 2025, o Brasil também sediará a cúpula do BRICS e a COP-30, a conferência para o clima das Nações Unidas: “São oportunidades para o governo Lula mostrar que está fazendo o dever de casa e ampliar nossa influência internacional.”

Indústria tem papel importante na consolidação da democracia no país

Segundo o presidente da Fiesp, “por ser o setor da economia que paga os melhores salários, contribui com uma parte significativa dos impostos (cerca de 30% da carga tributária) e mais investe em pesquisa e desenvolvimento”, a indústria brasileira é um importante fator de bem-estar socioeconômico e de estabilidade política, sendo fundamental para o fortalecimento da democracia no país.

“Lembro-me sempre do engenheiro, intelectual, empresário e político Roberto Simonsen (1988-1948), um dos precursores da indústria brasileira e defensor da ideia de ‘civilização industrial’. De fato, é uma indústria vigorosa que garante a existência de uma classe média forte, que é a base de sustentação da democracia e de valores fundamentais como a liberdade e a justiça social no mundo contemporâneo. Sem ela, a democracia é frágil. O Brasil passa por um processo de desindustrialização antes mesmo de se tornar um país desenvolvido. Isso precisa ser revertido para garantir o bem-estar e a liberdade de todos os brasileiros no presente e no futuro”, afirmou Gomes.

“Em setembro deste ano, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, fizemos um jantar com a presença do presidente Lula, de vários ministros e também de autoridades brasileiras do Legislativo e do Judiciário, entre eles o presidente da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, com a participação de empresários e investidores norte-americanos e brasileiros, em que ficou explícita a existência neste momento de um clima propício para a concretização de uma agenda mínima de desenvolvimento no Brasil”, disse o líder empresarial.

“Esta união entre os três poderes da República em prol de um ambiente mais favorável à produção e ao crescimento sustentável é muito positiva e representa um diferencial para o país. O Brasil deve aproveitar as oportunidades únicas que temos agora para atrair investimentos e reindustrializar o país, com ênfase nas oportunidades da economia verde”, disse.

Governo deve reforçar políticas horizontais e setoriais, de maneira articulada

“Quais são as medidas concretas que o novo governo está colocando em prática para garantir que o país aproveite as oportunidades aqui destacadas, em interação com os diversos agentes econômicos”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC?

“Em primeiro lugar, houve uma retomada da agenda ambiental, profundamente atingida pela desconstrução ocorrida no governo anterior. Além do combate ao desmatamento ilegal da Amazônia, no qual a retomada do Fundo Amazônia tem papel importante, estamos avançando na regulação do mercado de carbono e na produção eólica offshore, no litoral brasileiro, e no debate sobre como aprofundar as finanças verdes”, respondeu a secretária do MDIC. 

Prazeres também citou o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê mais recursos públicos destinados a investimentos verdes, e o Plano de Transição Ecológica, anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Destacou a melhora da governança econômica, por meio de medidas horizontais, válidas para toda a economia e o setor produtivo, como a definição de um novo arcabouço fiscal, aprovado no primeiro semestre deste ano, e a reforma tributária, já aprovada na Câmara dos Deputados e atualmente em discussão no Senado Federal.

E salientou a importância de políticas específicas para alavancar setores onde o Brasil tem vantagens competitivas, como o agronegócio, que também envolve a indústria, e/ou capacidade intelectual e técnica para melhorar sua produtividade, como o complexo industrial da saúde.

“O setor da saúde tem um déficit comercial grande, mas temos uma comunidade científica e médica bem preparada e capacidade instalada para avançar muito nessa área. Devemos mobilizar recursos e usar as ferramentas de que dispomos, como o poder de compra do Estado, para alavancar e agregar valor ao complexo industrial da saúde. Isso já está em andamento”, disse.

A secretária alertou, no entanto, que a importação de produtos necessários para o consumo da população e a produção industrial não deve ser vista como “inimiga”: “Não podemos incorrer no erro de focar apenas na substituição de importações e na produção para o mercado brasileiro. O Brasil precisa ser competitivo e integrado ao mundo para conseguir exportar mais e melhor.”

“O equilíbrio fiscal e macroeconômico é fundamental para o Brasil reduzir os juros internos e atrair investimentos, em vez de afugentá-los. A aprovação de um novo arcabouço fiscal foi o primeiro passo, mas também é essencial conseguirmos realizar uma reforma fiscal consistente, que garanta uma boa arrecadação, sem onerar excessivamente o setor produtivo”, disse Gomes.

O presidente da Fiesp defendeu a unificação dos diversos impostos existentes em um só Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e a redução das isenções e exceções tributárias existentes hoje, mantidas na reforma aprovada pela Câmara dos Deputados.  

“A alíquota básica do IVA, conforme a reforma aprovada pelos deputados, está na faixa de 26%, quando deveria ser de no máximo 23%. Esperamos que o Senado reveja as exceções tributárias e conclua uma reforma que de fato resulte em um ganho de produtividade para toda a cadeia industrial brasileira. Isso é fundamental para aumentar a competitividade dos produtos industrializados brasileiros no mercado internacional”, concluiu. 

Assista ao vídeo do debate na íntegra. 

Saiba mais: 

O desafio da indústria brasileira em um mundo em transformação

Acordo UE-Mercosul: as pedras no meio do caminho

A política externa do governo Lula: os desafios do Brasil em um mundo em crise

Iniciativas para uma Amazônia Sustentável: um diálogo entre Marina Silva e Ilan Goldfajn

 

Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.  

 

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