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Os desafios de uma política para o Complexo Industrial da Saúde

/ auditório da Fundação FHC


Em setembro, o governo federal anunciou a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico da Saúde. A ambição é grande e a responsabilidade pela sua execução foi dada ao Ministério da Saúde, em particular à Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos, chefiada pelo economista Carlos Gadelha, conhecido formulador de políticas para essa área. Gadelha esteve na Fundação FHC para apresentar e discutir as grandes linhas da estratégia, que envolve vários ministérios e agências do governo federal, além de apostar na parceria com fundações e empresas privadas.

Gadelha ressaltou o que, a seu ver, representa a principal ousadia da estratégia: “Vocês já viram uma política industrial coordenada por um ministério da área social? Isso é totalmente ousado e inovador no mundo. A aposta deste governo é eliminar as fronteiras entre as políticas econômica, industrial e de inovação, social e ambiental, porque tudo isso tem que estar integrado para garantir o bem-estar e a saúde de todos os brasileiros”, explicou o secretário, que coordena o grupo de pesquisa sobre desenvolvimento, complexo econômico industrial e inovação em saúde (GIS/Fiocruz).

“Temos neste momento uma oportunidade única de realizar um amplo debate, envolvendo o Estado em suas diversas instâncias, os setores público e privado e a sociedade, com o objetivo de colocar a saúde como um vetor fundamental para o fortalecimento da indústria brasileira e a criação de uma nova economia”, disse Maurício Mendonça, diretor de Relações Institucionais da Sanofi Medley Indústria Farmacêutica do Brasil.

“Para acelerar esse processo, é fundamental que o governo utilize adequadamente as ferramentas que têm à disposição, como o poder de compra do Estado e as encomendas tecnológicas, e atue para fortalecer a institucionalidade, estabelecendo, em diálogo com os diversos atores envolvidos, normas perenes que sejam bem entendidas e implementadas com segurança e previsibilidade”, disse Mendonça, doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com passagens pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (1999-2002) e o Ipea (2003-2004).

Fernanda de Negri, diretora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), trouxe dados que mostram que o Brasil já tem algumas vantagens comparativas na produção científica na área da saúde. Enquanto a participação total da produção científica brasileira no mundo é de 1,8%, na medicina ela chega a 2,6% e em imunologia e microbiologia atinge 3,9%. Em outras áreas da saúde, ela é ainda maior.

“Como criar as condições para mobilizar esse conhecimento, essa experiência e essas vantagens comparativas que nós já temos?”, perguntou Negri. “Inovação não se faz sem pessoas. Se queremos desenvolver a inovação para melhorar o acesso da população à saúde, temos que levar em conta como criar as condições para isso”, disse.

Negri, que foi chefe da Assessoria de Acompanhamento e Avaliação do Ministério da Ciência e Tecnologia (2010-2012), destacou a importância do Estado fomentar boa parte dos investimentos em P&D, mas lembrou que este é um objetivo de médio e longo prazo, que exige tempo e recursos vultosos: “O Estado tem papel fundamental nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de insumos e medicamentos em qualquer país que pretenda ser relevante nessa área, portanto o compromisso do atual governo vai na direção correta, mas é preciso ter clareza de que a inovação em saúde é cara e leva tempo”, ponderou.

“Tenho algumas ressalvas ao conceito de missão porque quando a gente fala de objetivos muito amplos, sem dizer exatamente onde se quer chegar, corremos o risco de perder o rumo no meio do caminho”, alertou Fernanda de Negri. 

SUS está no centro da política industrial para o setor de saúde

Carlos Gadelha listou seis prioridades anunciadas pelo governo que serão desenvolvidas por outros ministérios e órgãos federais, mas envolvem e impactam a área da saúde. 

1. Apoio ao agronegócio sustentável e à agricultura familiar e de pequeno porte;

2. Investimentos em saneamento básico;

3. Apoio à transição digital e à inovação; 

4. Defesa do meio ambiente e plano de transição ecológica;

5. Inclusão da saúde no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento);

6. Soberania e segurança nacional.

“Estas seis missões dialogam diretamente com o projeto de desenvolver um complexo econômico industrial da saúde resiliente e forte, capaz de reduzir a vulnerabilidade do SUS (Sistema Unificado de Saúde) e viabilizar o acesso de toda a  população brasileira a uma saúde de qualidade”, disse o palestrante.

“Tenho algumas ressalvas ao conceito de missão porque quando a gente fala de objetivos muito amplos, sem dizer exatamente onde se quer chegar, corremos o risco de perder o rumo no meio do caminho”, alertou Fernanda de Negri (Ipea).

Em seguida, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde destacou seis programas estruturantes da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, instituída por decreto presidencial em setembro deste ano e detalhada em portarias assinadas pela ministra da Saúde, Nísia Trindade. 

1. Programa de colaboração entre o governo federal e o setor privado, especialmente através das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs), com foco em reduzir as fragilidades e ampliar o acesso ao SUS;

2. Programa de retomada dos investimentos em iniciativas nacionais relacionadas à tecnologia e à inovação (inteligência artificial, softwares etc.), considerando os principais desafios e vulnerabilidades produtivas e tecnológicas do SUS;

3. Programa de produção nacional de vacinas, soros e hemoderivados, com base na experiência acumulada do Programa Nacional de Imunizações e incorporando as novas plataformas de vacinas do século 21, por meio de cooperação internacional com transferência de tecnologia e fomento à inovação dentro do país;

4. Programa para Populações e Doenças Negligenciadas, causadas por agentes infecciosos ou parasitas como malária, doença de Chagas, leishmaniose, dengue e esquistossomose, que incapacitam ou matam milhões de pessoas, sobretudo populações de baixa renda;

5. Programa de modernização e inovação na prestação de serviços de assistência à saúde por entidades filantrópicas, responsáveis por 60% de todo o atendimento de alta complexidade na rede pública de saúde;

6. Programa de articulação de investimentos públicos e privados para expansão produtiva do próprio Complexo Econômico-Industrial da Saúde.

“As soluções para esses grandes desafios exigem um Estado forte, mas também um setor privado e um terceiro setor fortes”, lembrou Gadelha, que defendeu parcerias com instituições como a Fiocruz e o Instituto Butantan, entre outras, o setor privado, as universidades, os centros de pesquisa e as startups. “Precisamos de ajuda, inclusive para errar menos, porque errar faz parte quando desenvolvemos uma política pública dessa envergadura”, concluiu o secretário. 

“Após a pandemia do novo coronavírus, ficou claro que a segurança na área de insumos (para produzir vacinas e medicamentos) é chave. A decisão de incentivar o desenvolvimento de um complexo industrial da saúde é correta, mas não será possível produzir tudo dentro do país. A cooperação científica internacional, as  parcerias produtivas e os acordos comerciais fazem parte do jogo, e o Brasil não pode se isolar do resto do mundo”, lembrou o cientista político Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC.

Assista ao vídeo do debate na íntegra.
 

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.   

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