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Os desafios da transição energética no Brasil

/ Transmissão online - via Zoom


A transição energética do Brasil rumo a uma economia de baixo carbono deve buscar maximizar as vantagens comparativas que o país já tem na área energética e buscar uma complementaridade com o que está sendo feito na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, em vez de copiá-los. 

O objetivo maior – além de contribuir para a redução do aquecimento global, de acordo com as metas acordadas nas Conferências do Clima da ONU – deve ser aproveitar esse processo como uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento econômico, a criação de empregos e a redução da pobreza no país.

“Como já temos uma matriz energética hiper limpa, devemos fazer algo distinto, buscando não a semelhança, mas a complementaridade com o que está sendo feito na Europa e em outras partes do mundo. Devemos olhar a transição energética como uma oportunidade de atingirmos o que é mais relevante para o país hoje: o combate à pobreza, a criação de empregos e a melhoria do desenvolvimento econômico e social”, disse o engenheiro civil Jerson Kelman, ex-dirigente da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), da Light e da Sabesp.

“O Brasil tem um sistema energético bem estruturado e é o país com maior potencial de expansão de sua matriz energética de maneira diversificada do planeta. Temos, no entanto, um problema sério de governança e institucional, causado, em parte, por retrocessos na autonomia das agências reguladoras e no planejamento energético. Soma-se a isso a falta de compromisso político do atual governo com a agenda ambiental”, afirmou o engenheiro David Zylbersztajn, que foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Kelman e Zylbersztajn, ambos com larga experiência tanto no governo como na iniciativa privada, abriram este webinar realizado pela Fundação FHC, cujo primeiro painel teve como foco os desafios de policy e regulação.

O segundo painel, sobre os desafios das empresas, teve como debatedores Wilson Ferreira Jr., presidente da Vibra Energia, Clarissa Sadock, presidente da AES Brasil, e Solange Ribeiro, presidente adjunta da Neoenergia. 

       Foco deve ser proteção da Amazônia e reflorestamento

Diferentemente da maior parte dos países desenvolvidos ou com nível de desenvolvimento similar ao nosso — onde o maior desafio é substituir o uso de hidrocarbonetos na produção de energia elétrica, principalmente petróleo e carvão mineral, por fontes renováveis —, aqui o foco deve ser a redução das emissões de CO2 resultantes do uso do solo: agricultura, pecuária e mudança do uso do solo, ou seja, desflorestamento.

Segundo Kelman, apenas 18% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil, calculadas em 2 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes por ano (4% do total mundial), têm relação com o setor energético. “Enquanto no resto do mundo três quartos das emissões estão associados à energia, no Brasil três quartos de nossas emissões estão associados à agricultura, à pecuária e ao desmatamento, principalmente da Amazônia”, disse. 

“Como não vamos reduzir nossa produção agrícola e pecuária, pois são setores essenciais para a nossa economia e que, de maneira geral, já utilizam técnicas adequadas, temos de focar na preservação de nossas florestas e no reflorestamento de áreas degradadas”, continuou o professor da COPPE-UFRJ.

Segundo ele, o desmatamento sozinho, incluindo as queimadas e a derrubada de árvores de maneira ilegal e sem reposição, responde por quase 50% das emissões de CO2 do país. “Temos uma matriz super limpa. Damos banho em qualquer outro país do mundo. Deveríamos ser os mocinhos, mas, no momento, somos os vilões internacionais pela maneira como estamos tratando a Amazônia. Isso não pode continuar”, afirmou.

       Planejar a transição e integrar as diversas fontes disponíveis

Segundo David Zylbersztajn, 48% da produção energética brasileira vem de fontes renováveis, contra 14% em média no mundo e apenas 11% nos países da OCDE. “Isso acontece porque, entre os anos 1960 e 1970, o Brasil decidiu, não por uma razão ambiental, mas por economicidade, tecnologia e disponibilidade, aproveitar seu potencial hídrico para a produção de energia”, lembra.

Além disso, após o choque do petróleo nos anos 1970, o Brasil, que produzia muita cana de açúcar, apostou no etanol como um combustível alternativo à gasolina. “Apesar de todos os problemas, ainda temos o principal programa de biocombustíveis do mundo”, disse o professor da PUC-Rio.

Mais recentemente, o país tem avançado na produção de energia eólica e solar e também é um importante produtor de gás natural, que, apesar de ser um combustível fóssil, é menos poluente que o carvão e o petróleo e tem um papel a desempenhar na garantia da segurança energética nacional. O Brasil também não deixará de explorar suas reservas de petróleo do pré-sal, mas deve substituir seu uso por fontes renováveis sempre que possível.

“Nosso maior desafio é planejar bem essa transição, integrando as diversas fontes de energias disponíveis em nosso planejamento energético nacional. Para atingirmos esse objetivo, penso em um triângulo em que um dos vértices é a segurança energética, o outro vértice é a questão climática e o terceiro vértice é o desenvolvimento econômico. O tamanho de cada lado desse triângulo é o que vai determinar a velocidade com que vamos caminhar no sentido de reduzir nossas emissões e cumprir as metas que assumimos nas conferências do clima da ONU (sobretudo na COP 21 e na COP 26)”, afirmou.

“Tem muito dinheiro disponível no mundo para investimento na área energética e o Brasil pode se beneficiar desse esforço mundial rumo a uma economia de baixo carbono. Tudo vai depender, no entanto, do compromisso efetivo do país com a redução de suas emissões de CO2 e de quem estiver no comando do sistema energético brasileiro. Vivemos uma fase de incertezas, mas sou otimista quanto ao papel que o Brasil tem a desempenhar na transição energética mundial”, concluiu Zylbersztajn.

       Diplomacia deve atuar na defesa dos interesses do Brasil durante transição

Segundo Jerson Kelman, o Brasil precisa fazer a sua parte no combate ao desmatamento da Amazônia, principal fonte das emissões de gases do efeito estufa do país, mas, em contrapartida, deve ser muito firme na defesa de seus interesses nas negociações internacionais em curso, seja na área ambiental ou energética. “Não devemos aceitar nenhuma política que resulte em aumento de custo dos nossos produtos se não estiver associada a uma real oportunidade de atingirmos o que é fundamental hoje no Brasil, que é o combate à pobreza e a aceleração do desenvolvimento econômico”, disse.

Como exemplo, cita as novas regras que regularão o mercado de hidrogênio verde, produzido a partir da eletrólise da água, utilizando fontes renováveis. “Podemos ser grandes exportadores de hidrogênio líquido ou de amônia para a Europa, mas, para que isso aconteça, é preciso que as regras de produção do hidrogênio verde sejam adequadas à nossa realidade energética. O Itamaraty tem um papel fundamental a desempenhar nesse sentido”, disse Kelman.

Como exemplo, ele defendeu que a produção desse novo combustível “admita diferentes tons de verde, de forma que as plantas de produção de hidrogênio verde no país possam ser ligadas diretamente ao nosso grid elétrico, que é majoritariamente renovável, em vez de exigir uma fonte de energia 100% renovável”.

       Dirigentes de empresas demonstram otimismo, apesar das sucessivas crises

“Se o Brasil conseguir enfrentar os desafios da preservação da Amazônia e do reflorestamento de áreas degradadas, seremos sem dúvida uma potência ambiental, com uma contribuição em sua matriz energética como nenhum outro país tem. Para atingirmos esse objetivo, é fundamental uma política pública que integre governos, empresas e academia”, disse o engenheiro Wilson Ferreira Jr., que foi presidente da Eletrobrás e atualmente dirige a Vibra Energia (anteriormente BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras até 2019, cuja privatização foi concluída em 2021).

Tradicionalmente uma empresa que distribui e comercializa combustíveis derivados do petróleo, a Vibra está buscando diversificar suas atividades para se tornar também uma empresa que comercializa biocombustíveis como diesel verde, biometano e combustível verde para aviões. Firmou, por exemplo, uma parceria para abrir a primeira refinaria verde no Estado de Roraima, com o plantio de palmas em 120 mil hectares de áreas degradadas.

“Criamos uma plataforma multienergia para viabilizar que os consumidores, ao comprar energia, escolham as alternativas que façam mais sentido para eles, possibilitando a descarbonização de suas próprias emissões”, disse Ferreira Jr..

“Nossa grande missão é auxiliar nossos clientes, que são grandes indústrias e comércios, a também fazer sua transição energética. Eles estão cada vez mais exigentes em relação à nossa governança ambiental, social e corporativa (ESG) e querem saber todos os detalhes de nossa operação”, disse Sadock.

Segundo a presidente da AES Brasil, empresa que atua no setor hidrelétrico nos Estados de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará, é urgente que o mercado de crédito de carbono saia do papel e amadureça no mundo e no Brasil. “Este será o pulo do gato para a preservação da Amazônia, pois poderá trazer muitos recursos para a região em troca da preservação da floresta”, disse.

“As múltiplas crises pelas quais temos passado, incluindo a pandemia de Covid-19 e agora a guerra na Ucrânia, têm testado as empresas ao máximo, mas estamos conseguindo superar as dificuldades e avançar”, disse Solange Ribeiro, da Neoenergia, empresa presente em 18 estados e no Distrito Federal, com atuação nos ramos de geração​, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.

Ribeiro destacou a necessidade de o país criar bons marcos regulatórios para estimular a inovação, criar as condições para os investimentos em infraestrutura e transformar o Brasil em um país exportador de energia renovável. “O país precisa aproveitar o timing e regular o mercado de energias renováveis como outros países já fizeram, como os Estados Unidos, a Austrália e a China”, disse.

Segundo a presidente adjunta da Neoenergia, o caminho a ser seguido é o dos 3Ds: descentralização, digitalização e descarbonização. “Em breve, a energia será entregue ao consumidor de maneira cada vez mais customizada, de acordo com as necessidades dele, utilizando melhor as redes”, explicou.  

Assista ao vídeo do webinar na íntegra.


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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

 

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