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Debates

Ciclo de Debates “O Brasil na visão das lideranças públicas”, com o governador Eduardo Leite

/ auditório da Fundação FHC


O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, defendeu que na política devem-se atacar os problemas, não as pessoas. “Diálogo, respeito, ação e convicção”, assim ele resumiu a sua visão de como deve ser o exercício da política, durante palestra na Fundação FHC. Com o convite ao jovem governador, a Fundação inaugura um ciclo de debates com novas lideranças públicas brasileiras e inicia a comemoração de seus 20 anos de existência. 

“Quanto mais ousado deseja ser um governo, mais política o governante precisará fazer, pois a ousadia técnica e de gestão vai tirar as pessoas da zona de conforto. Para fazer transformações e deixar um legado para o futuro, o governante precisará mexer nas estruturas do Estado e enfrentará muitos grupos de interesses, que vão tentar impedir as mudanças de diversas maneiras. É preciso política para articular, construir alianças e convencer a maioria das pessoas da necessidade de mudanças”, explicou Leite, que durante seu primeiro mandato (2019-2023) conseguiu implementar uma ampla agenda de reformas no Rio Grande do Sul.

“Se o governante não fizer política para diminuir as resistências e reduzir a possibilidade de reações contrárias, como ameaças de greve e paralisações no serviço público, mesmo uma reforma bem-intencionada e tecnicamente correta pode causar prejuízos imediatos à população e não obter o resultado pretendido”, disse.

“A política na qual eu acredito e me inspiro é a que foi praticada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso durante sua passagem pelo Palácio do Planalto (1995-2003) e por Mário Covas quando governou São Paulo (1995-2001). É a política que cuida das palavras para não gerar conflitos desnecessários. O segredo da mudança é focar a energia na construção de algo novo, não na destruição”, continuou Leite, que exerce seu segundo mandato como governador.

 

‘Virada no Rio Grande do Sul só foi possível com diálogo’

Após essa fala inicial, o palestrante apresentou diversos dados que mostram a situação de grande dificuldade financeira que encontrou ao assumir o Palácio Piratini, em janeiro de 2019, com salários do funcionalismo público e pagamento de fornecedores atrasados, crises na segurança pública, na educação e na saúde, estradas em condições precárias, déficit previdenciário insustentável, dívida com a União e ausência de recursos para investir (veja a sua apresentação na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página).

O Estado do Rio Grande do Sul já vivia graves dificuldades financeiras há algumas décadas pelo peso crescente da máquina pública, em especial gastos com servidores aposentados, e pela perda de dinamismo de sua economia. O governador anterior, o peemedebista José Ivo Sartori (2015-19), havia proposto reformas, mas foi no primeiro mandato de Eduardo Leite que elas se viabilizaram, com apoio de uma coligação de dez partidos do centro à direita, inclusive do PMDB (apesar de Leite ter derrotado Sartori no segundo turno, impedido sua reeleição), e da maioria da população, cansada com anos de decadência financeira.

“Em janeiro de 2020, início do segundo ano de governo, aprovamos na Assembleia Legislativa uma reforma na estrutura da carreira dos professores, alteramos a forma de remuneração dos policiais e fizemos uma reforma da previdência em nível estadual em que os militares tiveram o mesmo tratamento que os civis, diferentemente do que ocorreu em nível federal”, relatou.

Segundo o governador, foram mudanças antipáticas que mexeram com a estrutura salarial de diversas categorias, enrijecida por benefícios cumulativos automáticos, e aumentaram as contribuições previdenciárias tanto de servidores ativos como inativos. “Mas eram absolutamente necessárias porque o Estado do Rio Grande do Sul estava tecnicamente quebrado”, disse.

Para convencer as categorias do funcionalismo público atingidas, o governador procurou os sindicatos de professores, policiais e de outras categorias logo no primeiro ano de mandato, explicou que precisaria fazer reformas profundas e se comprometeu a discutir as mudanças em primeira mão com os representantes sindicais. “Não foi fácil, mas eu dei a eles a garantia de que poderiam opinar durante o processo de elaboração das reformas. O que pudemos mudar nos projetos, mudamos, sem comprometer aquilo que era fundamental”, explicou.

Houve também uma reforma administrativa e uma importante agenda de privatizações de empresas públicas, como a Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE), a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás). “Sou favorável à ideia de que onde o setor privado pode estar o Estado não deve estar. O seu papel é de regulador e fiscalizador”, disse. 

Segundo Leite, essa ampla agenda de reformas tirou o Rio Grande do Sul do caminho da falência e possibilitou a retomada dos investimentos públicos com recursos próprios, que chegaram a R$ 8 bilhões no biênio 2021-23, com 5.000 projetos, entre eles mais escolas de tempo integral, novas unidades de saúde e hospitais e modernização da polícia, entre outros.

Concessões e parcerias público-privadas são o foco do segundo mandato

“Olhando em retrospectiva, o que foi mais difícil e poderia, talvez, ter sido deixado para depois? Qual é a agenda para o segundo mandato?”, perguntou a economista Ana Carla Abrão, convidada a integrar a mesa do debate. Ao ouvir o relato de Eduardo Leite sobre seu primeiro mandato no Rio Grande do Sul, Abrão disse ter se recordado do período em que foi secretária de Estado da Fazenda de Goiás (2015-2017) e teve de enfrentar crises semelhantes às narradas pelo governador, também encaminhadas com reformas estruturais.

“Pela minha experiência, reformas difíceis devem ser realizadas logo no início do governo. Se deixar para depois, fica mais difícil. Do ponto de vista de redução e controle das despesas públicas, fomos ao limite no Rio Grande do Sul. Mas o desafio do equilíbrio fiscal é contínuo. A dívida com a União e o estoque de precatórios, por exemplo, são contas que não foram pagas no passado e que voltam a nos assombrar”, respondeu Leite.

Segundo o governador, o déficit previdenciário do Rio Grande do Sul (17,1% da Receita Corrente Líquida; antes da reforma era de 30,8% da RCL e continuava a crescer) ainda preocupa, mas novas mudanças dependem de decisões a serem tomadas a nível federal. 

Ele criticou a perda de arrecadação dos estados ocorrida em 2022, meses antes da eleição presidencial, quando houve uma redução das alíquotas do ICMS sobre os combustíveis, imposta pelo governo Bolsonaro, com apoio do Congresso Nacional. “É preciso haver um amplo debate nacional sobre a partilha dos recursos públicos pelos três entes federativos, pois os estados e os municípios foram prejudicados e perderam recursos fundamentais”, disse.

Segundo o palestrante, a prioridade do seu segundo mandato são os novos investimentos com recursos próprios do governo gaúcho, que só se tornaram possíveis devido à redução dos gastos públicos, e os investimentos privados que virão por meio de concessões e parcerias público-privadas. 

“Temos um projeto piloto de concessão da gestão de um presídio à iniciativa privada, mantendo o controle estatal sobre a execução da política penal. Também pretendemos fazer parcerias com a iniciativa privada para melhorar a infraestrutura das escolas públicas em regiões onde as crianças vivem em situação de maior vulnerabilidade, garantindo que o ensino estará sob controle da rede pública”, disse.

‘Não me identifico com os rótulos de esquerda e direita’

Eduardo Leite discorda da ideia de que programas sociais e de transferência de renda sejam pautas de esquerda, enquanto privatizações e uma máquina pública mais enxuta sejam pautas de direita. “Qual a incompatibilidade entre essas duas coisas? Elas não são opostas, mas complementares. Acredito que precisamos reformar a estrutura da máquina pública para poder gastar menos com o governo e mais com a sociedade. Por isso, não me identifico nem com o rótulo da esquerda nem com o da direita”, disse.

“Em um país desigual como o Brasil, o Estado é necessário para fazer investimentos sociais que tragam mais dignidade à população mais pobre. Também deve entregar serviços públicos de qualidade a toda a população. Mas, para poder investir no social, tem que garantir a sustentabilidade das contas públicas.”

‘É cedo para projetar o que vai acontecer em 2026’

“Apesar de ter gabaritado na aprovação das reformas no primeiro mandato, o senhor enfrentou graves dificuldades nas eleições de 2022. Primeiro, ao disputar e perder as prévias para ser o candidato do PSDB a presidente da República. Depois, quando decidiu disputar a reeleição ao governo do Rio Grande do Sul e quase ficou fora do segundo turno. O senhor passou no teste da reeleição por um triz e, em um contexto de polarização política, ainda enfrenta dificuldades para se firmar como um nome nacional. Como o senhor vê o quadro político nos próximos anos? Acha possível reconstruir o centro democrático?”, perguntou o cientista político Sergio Fausto, diretor-geral da Fundação FHC.

“De fato, em 2022, eu passei para o segundo turno na eleição para o governo do Rio Grande do Sul com apenas 2.400 votos a mais do que o candidato do PT, que ficou em terceiro lugar. Na reta final, enfrentei o candidato de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, e venci, obtendo votos de diversos campos ideológicos. Sou o primeiro governador do Rio Grande do Sul reeleito (desde a aprovação da emenda que instituiu a reeleição para cargos executivos em 1997). Sobrevivi ao primeiro mandato, agora preciso sobreviver ao segundo”, disse.

Na segunda metade de seu primeiro mandato, os movimentos políticos de Eduardo Leite foram caracterizados por idas e vindas. Após afirmar diversas vezes que não pretendia se candidatar à reeleição no Rio Grande do Sul, no final de 2021 ele enfrentou o então governador de São Paulo, João Doria, nas prévias do PSDB para a escolha do candidato do partido a presidente da República  no ano seguinte. Doria venceu, mas Leite não reconheceu a derrota. No final, nenhum dos dois se viabilizou e o PSDB não lançou candidato próprio pela primeira vez desde a redemocratização. Leite cogitou mudar de partido, no caso o PSD, mas isso também não se concretizou. 

Em junho de 2022, Leite finalmente anunciou a candidatura à reeleição ao Palácio Piratini, sob o argumento de que não poderia colocar em risco as reformas realizadas durante o primeiro mandato, mas parte do eleitorado ficou com a impressão de que o governo gaúcho seria como um prêmio de consolação por ele não ter conseguido ser candidato ao Palácio do Planalto. Sua votação no primeiro turno foi decepcionante, ficando atrás do deputado federal Onyx Lorenzoni, ex-ministro de Jair Bolsonaro, e Leite quase foi eliminado do segundo turno pelo avanço do candidato petista, Edegar Pretto, pouco conhecido até então. 

Ao passar raspando para o segundo turno, Leite acabou se beneficiando do péssimo desempenho de Lorenzoni em debates e de votos dos eleitores petistas, que, naquele momento, identificaram uma eventual vitória de Lorenzoni como uma ameaça ao projeto nacional de eleger Lula presidente da República.

“No segundo turno, houve muita pressão para que eu, como candidato à reeleição no Rio Grande do Sul, declarasse meu voto em Lula ou em Bolsonaro, mas eu decidi não apoiar nenhum dos dois e focar minha campanha nas questões do meu estado. Preferia perder a disputa estadual a defender coisas nas quais não acredito. Acredito que o político tem que ter convicção em suas ideias, ter brilho nos olhos. Isso eu nunca perdi”, continuou.

Leite considera cedo para projetar o que pode acontecer em 2026, quando ocorrerão as próximas eleições presidenciais. “A percepção de bem-estar econômico é o principal fator que influencia o voto para presidente. Se a inflação estiver baixa e o emprego em alta daqui a dois anos, o presidente Lula deve ser candidato à reeleição com boas chances de vitória”, disse. 

“Mas, se a economia derrapar, o que eu não desejo porque torço pelo país, e diante do fato de Jair Bolsonaro ter sido considerado inelegível pela Justiça Eleitoral, e também devido ao risco institucional que o ex-presidente representa, o eleitor pode se sentir inclinado a olhar para o cardápio de lideranças políticas disponíveis e escolher algo diferente”, continuou.

Segundo Leite, não é fácil furar a polarização nas redes sociais, onde boa parte da disputa política acontece atualmente: “A sensatez e o equilíbrio vendem menos do que acusações e notícias falsas, mas tenho a esperança de que, em algum momento, as pessoas vão ficar cansadas desse clima de acirramento e briga constante e buscar novamente o centro político.”

Ao completar 20 anos, Fundação inicia ciclo de palestras com lideranças públicas

“Ao iniciarmos este ciclo de debates com o governador Eduardo Leite, estamos dando destaque a uma jovem liderança que fez da qualidade e da responsabilidade de sua gestão uma marca de sua atuação”, disse ao final da palestra o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, atual presidente do Conselho da Fundação FHC.

“Algo que está muito alinhado com o legado que o presidente Fernando Henrique construiu durante sua Presidência e toda a sua vida pública. Neste ano, a Fundação FHC completa 20 anos e pretende convidar outras promissoras lideranças públicas, de diferentes tendências políticas e partidos, para expor aqui a sua visão de Brasil”, concluiu o professor emérito da Universidade de São Paulo (USP).


Assista ao vídeo do debate na íntegra.

 

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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.  

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