Debates
12 de novembro de 2013

Turkey: domestic and foreign policy in a convulsed Middle East

“A Turquia está mais democrática”, disse Sahin Alpay, cientista político e jornalista turco.

Em conversa na Fundação FHC, Sahin Alpay afirma não acreditar em ‘islamização’ do país.

A cada pergunta do jornalista Lourival Sant´Anna ou do público, o cientista político e jornalista turco Sahin Alpay, que acabara de chegar de Istambul para sua primeira visita ao Brasil, respirava fundo e dizia “essa é uma questão muito, muito ampla!”.

De fato, uma hora e meia foi pouco para o convidado da Fundação FHC falar sobre a enorme complexidade da realidade política, econômica e social da Turquia, um país que sempre esteve e continua no centro dos acontecimentos do mundo.

Positivismo e passado militar em comum

A conversa aconteceu na quinta-feira, 10 de outubro, no auditório da Fundação, e começou com uma comparação entre a história da Turquia e do Brasil nos últimos cem anos: “Assim como o Brasil, a Turquia teve forte influência do positivismo, um período de domínio dos militares na política, sucedido por um processo de democratização e reformas econômicas que, além de situar a ambos os países entre os principais emergentes, está levando ao surgimento de uma nova classe média disposta a ir às ruas para pressionar por mais avanços”, disse Sahin Alpay.

‘Erdogan não está islamizando a Turquia’

Para o cientista político, é simplista a visão, frequente em países ocidentais, de que o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, no poder desde 2003) estaria “islamizando” o país e provocando um retrocesso político ao romper com décadas de imposição estatal do secularismo a uma sociedade majoritariamente muçulmana. Esta imposição foi, e em parte ainda é, uma das marcas mais fortes da República fundada pelo general Mustafa Kemal Atatürk em 1923, após a derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, a ocupação da região pelos aliados e a guerra de independência que se seguiu.

“O ‘kemalismo’ foi muito importante por ter lançado as bases de uma Turquia moderna. Mas com o decorrer dos anos (o regime fundado por Kemal Atatürk) se tornou cada vez mais autoritário”, explicou. Para Alpay, ainda não está claro qual será a extensão das concessões de Erdogan à crescente influência islâmica (mais de 95% da população é muçulmana), mas a Turquia é hoje (estruturalmente) um país mais democrático e plural. “Erdogan não é um líder político islâmico”, embora tenha se tornado mais autoritário. Alpay assinalou que ele quis introduzir modificações no sistema parlamentarista, na expectativa de que viria a ser eleito presidente, com mais poderes. Mas para tanto não encontrou apoio suficiente nem em seu próprio partido.

Alpay criticou a reação do primeiro-ministro às manifestações de rua ocorridas na Turquia no primeiro semestre, pouco antes dos protestos no Brasil: “Após sua reeleição em 2011, ele se tornou arrogante. Classificou os protestos como uma interferência estrangeira no país!”. Já o presidente Abdullah Gül, segundo Alpay, tem uma visão mais liberal sobre os protestos e sobre a sociedade turca em geral. Güel é visto como o principal candidato à sucessão de Erdogan, que cumpre o seu terceiro e último mandato como primeiro-ministro.

Identidade curda

Entre os pontos positivos do governo Erdogan, o jornalista e cientista político turco cita o processo de negociação com os separatistas curdos iniciado em 2006. “Ele avançou no reconhecimento da identidade curda, uma minoria muito importante tanto do ponto de vista econômico quanto intelectual. Como resultado, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) anunciou o fim do terrorismo e a opção pelo processo político.” Mais de 40 mil pessoas morreram nos últimos 25 anos no conflito entre o Estado turco e os separatistas curdos.

Política de ‘problema zero’

Se é difícil entender o caleidoscópio turco, mais ainda é compreender a complexa relação do país com seus vizinhos do Oriente Médio e Europa.

Afinal, a Turquia faz fronteira com a Síria (em plena guerra civil), o Iraque (saindo de uma invasão norte-americana e instável politicamente) e o Irã (em disputa com parte da comunidade internacional por causa de seu programa nuclear). Também está muito perto de Israel e do aparentemente insolúvel conflito israelo-palestino.

Segundo Sahin Alpay, com Erdogan, a Turquia tem buscado uma política de “problema zero com seus vizinhos”. “Isso foi feito com muito diálogo e negociação, estímulo à integração econômica e concessão de mais vistos”, disse. O cenário no Oriente Médio, porém, ficou muito mais complicado com o início da chamada Primavera Árabe e as sucessivas quedas dos regimes autoritários na Tunísia, no Egito e na Líbia e a explosão do conflito na Síria.

Apoio à Primavera Árabe

“Por identidade política, a Turquia apoiou a luta das populações dos países árabes contra os regimes autoritários. Na Líbia, participou da ação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que contribuiu para a queda do ditador Muamar Kadafi. Já no caso da Síria, o governo Erdogan nega fornecer apoio aos rebeldes, mas é possível (que isso seja verdade)”, afirmou.

Segundo o cientista político, as relações com a Síria iam bem até o início da revolta contra o regime Assad. A Turquia estava, até mesmo, atuando para fechar um acordo de paz entre a Síria e Israel. “Tudo mudou com a escalada da repressão do regime sírio contra os rebeldes e a onda de refugiados sírios para a Turquia. Hoje a Síria é o nosso maior problema”, explicou. 

Quanto ao Irã e a Israel, Alpay diz que a relação com esses países “não está boa, mas também não está tão ruim quanto se diz”. “A Turquia depende do Irã para o fornecimento de energia e, embora estejam em posições opostas em relação à Síria, ambos os países atuam para que isso não interfira nas relações.” Em 2010, Turquia e Brasil apresentaram um plano para resolver a questão do programa nuclear iraniano, mas ele não foi adiante.

Com Israel, houve uma crise após o ataque israelense a uma frota de barcos que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza (território palestino ocupado) em 2010, que causou a morte de cidadãos turcos e de diversos outros países, mas já é algo relativamente superado.

UE fez a Turquia mais democrática

Animado pelo interesse da plateia brasileira, Sahin Alpay terminou sua fala com um balanço do já longo e inconcluso processo de entrada da Turquia na União Europeia. “As pessoas estão desiludidas com a resistência dos grandes países europeus (majoritariamente cristãos) em aceitar a Turquia. Mas a maioria dos turcos reconhece que só a maior integração das últimas três décadas já fez da Turquia um país mais forte economicamente e mais democrático”, concluiu.