Debates
30 de novembro de 2017

Reforma Trabalhista: o que muda, o que deve mudar

“Esta definitivamente não é uma questão pacificada. Por isso, é conveniente dar um passo atrás e chamar empresários e trabalhadores para rediscutir as mudanças”, afirmou Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do DIEESE.

Editada pelo presidente Michel Temer em 14 de novembro último, a Medida Provisória 808/2017, que altera diversos pontos da reforma trabalhista aprovada por iniciativa do próprio governo no primeiro semestre do ano passado, recebeu em poucos dias cerca de mil emendas parlamentares, o que mostra que o assunto ainda provoca muita polêmica, dúvidas e questionamentos.

“Como uma MP que modifica uma lei supostamente boa, segundo defendem alguns, recebe quase mil emendas parlamentares apenas 15 dias após entrar em vigor? O que está acontecendo?”, perguntou Clemente Ganz Lúcio, diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) desde 2004, durante o debate “Reforma Trabalhista: o que muda, o que deve mudar”, realizado pela Fundação FHC em 30 de novembro passado.

A nova legislação trabalhista entrou em vigor em 11 de novembro de 2017. “Esta definitivamente não é uma questão pacificada. Por isso, é conveniente dar um passo atrás e chamar empresários e trabalhadores para rediscutir as mudanças”, continuou Lúcio, que é sociólogo.

Segundo André Portela, professor da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Centro de Microeconomia Aplicada e diretor do Centro FGV EESP, um dos méritos da nova legislação é flexibilizar a CLT para que ela se adeque às profundas mudanças provocadas pela tecnologia e às novas formas de trabalho, mais horizontais. “O trabalho em tempo parcial, à distância ou mesmo terceirizado são uma realidade. A reforma trabalhista é uma oportunidade para atacar alguns desses problemas e incluir mais gente no mercado formal”, disse.

“A nova legislação trabalhista também significa uma grande oportunidade para as partes (empregadores e empregados) negociarem e acertarem diferenças e conflitos. Ela é a semente para isso”, afirmou o economista.

“O Brasil precisa de reformas, não devemos ter medo delas, mas não creio que seja por meio da reforma trabalhista que vamos resolver nossos graves problemas atuais. Uma reforma tributária progressiva e as reformas política e do Judiciário são mais urgentes para que o país crie as condições necessárias para a retomada do crescimento econômico e a recuperação da produção industrial, fonte dos melhores empregos”, disse Adilson Araújo, presidente nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

“A discussão sobre a legislação trabalhista não pode ser feita de forma açodada, como aconteceu no ano passado. Não é à toa que vem sendo alvo de tantos questionamentos. Ficamos devendo resultados nas conversas realizadas no Conselho Nacional do Trabalho (instalado pelo governo federal em junho de 2017), mas o diálogo continua sendo o melhor caminho para retomarmos o desenvolvimento do país”, completou o dirigente sindical.

Veja abaixo alguns dos pontos mais polêmicos da reforma trabalhista, de acordo com os debatedores.

Segurança jurídica?

“O principal ganho da nova lei é aumentar a segurança jurídica, ao imprimir maior racionalidade processual à Justiça Trabalhista. Somos campeões mundiais em insegurança nas relações de trabalho”, disse o advogado trabalhista Eduardo Pastore, consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNI/PDA) e membro do Conselho de Relações do Trabalho da Fecomércio e da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).

“Mas a lei por si só não resolverá a insegurança jurídica, pois cerca de 70% dos problemas trabalhistas são, na verdade, de gestão de recursos humanos. Eles se tornam jurídicos depois. O direito e a gestão de RH têm uma lógica interdisciplinar. É preciso ir além da lei, olhar para dentro das empresas e como elas aplicam a lei”, concluiu.

“Que segurança jurídica é essa? Como os empresários se sentirão mais seguros se os próprios deputados da bancada governista apresentaram centenas de emendas à nova lei aprovada por eles mesmos?”, contestou Clemente Lúcio (DIEESE). “A reforma, tal como foi feita, estimula o conflito (nas relações de trabalho). Para que haja paz social, é preciso construir uma transição que equacione crescimento econômico, segurança jurídica, bons empregos, salários e renda e um Estado com capacidade de prover recursos públicos universais de qualidade”, afirmou.

“Tem empresa que faz tudo direitinho e é alvo de ações trabalhistas sem motivo, enquanto outra não faz nada direito e prefere fazer um fundo de reserva para chegar a um acordo na Justiça. Um dos pontos da reforma foi justamente desincentivar a litigância de má fé, que encarece e sobrecarrega a Justiça do Trabalho”, disse André Portela (FGV).

Sindicatos ‘asfixiados’

Adilson Araújo atacou o fim da contribuição sindical obrigatória, um dos pontos polêmicos da reforma trabalhista. “A asfixia do movimento sindical não é algo positivo, pois os sindicatos historicamente contribuíram para tirar o mundo do trabalho da anarquia. Empresários e sindicalistas ruins não são regra, mas exceção. Não devemos estabelecer uma guerra entre nós, pois ambos são partes importantes da sociedade e têm responsabilidade com o futuro do país”, defendeu.

Para o dirigente sindical, sindicatos e trabalhadores de cada setor da economia devem definir entre eles qual a melhor forma de contribuição. “Um sindicato forte ajuda na construção de uma empresa forte, ao lutar por um bom acordo coletivo, que garanta os interesses da classe trabalhadora sem que eles se tornem um obstáculo para a saúde financeira e a sobrevivência da empresa”, afirmou.

Por fim, o presidente da CTB lembrou também que o Brasil tem cerca de 700 mil acidentes de trabalho por ano: “A reforma não trouxe nenhuma resposta a esse drama.”

“O fim da obrigatoriedade da contribuição sindical tem o efeito perverso de quebrar o sindicatos. Não é dessa maneira que criaremos um país desenvolvido”, disse o sociólogo Clemente Lúcio.

André Portela defendeu uma reforma sindical para fomentar maior competição entre os sindicatos (até agora só era permitido um sindicato por ocupação profissional ou setor econômico). “Mas, para que se atinja o objetivo maior de reduzir a tutela do Estado (sobre as relações trabalhistas) e estimular a negociação direta entre empregados e empregadores, os trabalhadores precisam estar bem organizados, o que exige recursos. Do jeito que foi feito, podemos ter jogado o bebê com a água do banho”, disse o professor da FGV.

Incluir os informais

Portela destacou que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros não são contratados pela CLT, a legislação trabalhista criada em 1943 e que foi modificada, em diversos pontos, pela reforma trabalhista de 2017 e, em seguida, pela MP 808. “A CLT, apesar de seus méritos, não era feita para esses 30%. Como fazer com que ao menos parte deles caibam dentro da lei?”, perguntou Portela.

“É verdade que a CLT não protegia todo mundo, mas a reforma, tal como foi feita, legaliza a desproteção generalizada”, criticou Clemente Lúcio.

“Entre 2008 e 2016, 110 países fizeram reformas trabalhistas, em que direitos foram flexibilizados e o poder dos sindicatos, diminuído. A Espanha (com cerca de 18% de desempregados, uma das mais taxas altas da Europa) foi um deles, e os resultados não apareceram até agora. Um terço dos jovens espanhóis (38% de desempregados entre 19 e 25 anos) toma antidepressivos e sofre de ansiedade. Como enfrentar essa doença social? O que queremos criar no Brasil? Não tenho dúvida de que a flexibilização das leis trabalhistas vai dar em tragédia, com expansão da desigualdade”, afirmou o diretor do DIEESE.

Menos direitos?

O advogado trabalhista Eduardo Pastore discordou que a reforma trabalhista aprovada em 2017 tenha precarizado o trabalho e retirado direitos dos trabalhadores previstos na CLT. “Ela apenas permitiu que determinados direitos sejam negociados diretamente entre empregados e empregadores, como parcelamento de férias, horários mais flexíveis etc. Outros direitos só poderão ser negociados por meio de convenção ou acordo coletivo. Outros ainda continuam inegociáveis. Portanto, ela não retira, mas amplia direitos”, disse.

Ainda segundo o consultor de entidades empresariais como CNI e Fiesp, a reforma se baseou em uma abordagem sócio-econômica das relações de trabalho, ao proteger o emprego, não apenas o empregado. “Para cada direito, há um custo correspondente e não existe direito se não houver quem pague por ele. É essencial levar em conta o aspecto social, mas também o aspecto econômico”, concluiu.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.