Debates
22 de abril de 2015

Reforma do Sistema Eleitoral: o que é melhor para a democracia brasileira?

Três políticos e um acadêmico debatem as mudanças no sistema eleitoral brasileiro que o Congresso quer votar nas próximas semanas.

Agora vai? A tão falada reforma política vai finalmente sair do papel? Na opinião de três políticos e um professor e pesquisador especialista no tema, sim, chegou a hora de reformar o sistema político brasileiro. Eles participaram do debate “Reforma do Sistema Eleitoral: o que é melhor para a democracia brasileira?”, realizado pela Fundação FHC, em São Paulo, em 13 de abril.

Segundo os deputados Marcus Pestana (PSDB-MG) e Henrique Fontana (PT-RS) e o peemedebista Moreira Franco, as atuais crises econômica e política que atingem o governo da presidente Dilma Rousseff e a falta de credibilidade que afeta os políticos em geral tornam urgente a reforma política, que deverá ser votada pela Câmara dos Deputados ainda no primeiro semestre de 2015 e, em seguida, pelo Senado.

“Não podemos deixar que as crises econômicas e política se transformem em uma crise institucional. Há um consenso na sociedade de que a democracia deve ser preservada, por isso a reforma política é tão importante”, afirmou o ex-deputado e ex-governador do Rio de Janeiro Wellington Moreira Franco, atual presidente da Fundação Ulysses Guimarães, ligada ao PMDB.

“A reforma política é uma necessidade ou um modismo?”, questionou o tucano Marcus Pestana. Segundo ele, o esgotamento do sistema político em vigor exige que se façam mudanças. Além disso, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que disputa o protagonismo político no país neste início de 2º mandato Dilma, parece decidido a votar a reforma. Em fevereiro, ele instalou a Comissão Especial da Reforma Política e, segundo os deputados, a votação em plenário deve acontecer ainda em maio ou junho.

“O Congresso tem de definir as regras um ano antes das eleições municipais de 2016 (cujo primeiro turno deve ocorrer em outubro do ano que vem)”, lembrou Moreira Franco.

A grande questão, no entanto, é qual reforma política? Não há clareza sobre as respostas a esta pergunta nem sobre os efeitos que a reforma do sistema eleitoral, ponto central da reforma política, terá sobre a jovem democracia brasileira.

Cada cientista político tem sua reforma política de estimação, mas não é mais hora para isso. É preciso focar nas propostas que estão sobre a mesa e fazer a melhor reforma possível”, afirmou o cientista político Jairo Nicolau, professor titular da UFRJ e pesquisador do CNPq. Também presente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu início ao debate, mas em seguida se sentou na plateia e evitou interferir.

O sistema eleitoral

“A torcida pelo chamado Distritão está aumentando no Congresso”, afirmou o petista Henrique Pestana, referindo-se à proposta defendida pelo vice-presidente da República, Michel Temer, e por várias lideranças do PMDB, entre elas o próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

No Distritão, cada Estado brasileiro seria considerado um distrito e seriam eleitos os candidatos a deputado federal e estadual mais votados, não importa de que partido façam parte.  Exemplo: São Paulo tem direito atualmente a 70 deputados federais. Se o Distritão for aprovado, serão eleitos os 70 candidatos mais votados em todo o Estado.

Para eleição de um deputado, não importaria o número de votos recebidos pela chapa de deputados do seu partido, como é hoje, mas exclusivamente os votos por ele obtidos individualmente. O mesmo aconteceria nos municípios no caso dos vereadores, se este sistema for adotado.

Atualmente, o país adota o sistema proporcional, com lista aberta. Nele o eleitor escolhe um candidato entre os inscritos na chapa (lista) de um partido ou vota na legenda desse partido. Nos dois casos — no candidato ou na legenda – o voto entra no cômputo geral da votação obtida por cada partido. É ela que determina o número de representantes eleitos por cada uma das legendas.

Para saber quantas cadeiras cada partido conquistou, calcula-se o chamado quociente eleitoral, dividindo o número de votos válidos na eleição pelo número de cadeiras em disputa. Se, por hipótese, o número de votos válidos em uma determinada eleição para deputado federal por São Paulo for de 35 milhões, o quociente eleitoral será de 500 mil, pois São Paulo tem direito a 70 representantes na Câmara Federal. Nesse caso, se um partido obtiver 1 milhão de votos, elegerá dois representantes; se 1,5 milhão,  três e assim por diante, até que se preencham todas as cadeiras da  bancada paulista, proporcionalmente ao número de votos obtido por cada partido.

Os candidatos que se elegem são os mais votados dentro de cada lista partidária, tantos quantas forem as cadeiras conquistadas pelos seus respectivos partidos (se o partido x conquista cinco cadeiras, os eleitos serão os cinco mais bem votados daquela agremiação).

Para seus defensores, o Distritão é inegavelmente mais simples e compreensível para o eleitor. Outro argumento a seu favor é que ele impediria a eleição de deputados com número baixíssimo de votos. No sistema atual, há casos de deputados paulistas eleitos com pouco mais de algumas centenas de votos, enquanto outros com vários milhares não conseguiram se eleger em razão do quociente eleitoral. Os parlamentares de votação nanica chegam à Câmara Federal pelas mãos dos chamados puxadores de votos inscritos na lista do mesmo partido, como no exemplo do palhaço Tiririca.

Mas seria o Distritão a melhor alternativa ao sistema atual?  À exceção de Moreira Franco, todos os demais participantes criticaram a proposta da liderança do PMDB e defenderam o aperfeiçoamento do sistema atual ou a introdução de um sistema misto, que combine a representação proporcional com o voto distrital. Para os deputados Marcos Pestana e Henrique Fontana e o cientista político Jairo Nicolau, o Distritão não resolve as principais falhas do sistema atual – falta de elo entre o parlamentar e seu eleitor e o custo elevado das campanhas – e acentua alguns de seus defeitos.

“Com o Distritão, teremos 513 partidos na Câmara”, disse Henrique Pestana, em referência ao número de deputados federais no Congresso.

Na mesma linha, Jairo Nicolau afirmou que ele pode resultar em “hiperfragmentação partidária e hiperpersonalismo”. “Os candidatos só fariam campanha para si mesmos, e não haveria mais votos para a legenda”, completou.

Unidos na crítica ao Distritão, o cientista político e os deputados Henrique Fontana e Marcus Pestana concordam ser importante fortalecer os partidos e não descartar a representação proporcional, essencialmente porque ela permite dar expressão mais fiel à pluralidade dos valores e interesses presentes na sociedade, assegurando a presença de minorias eleitorais no espaço parlamentar.

“A maioria dos brasileiros diz que os partidos não importam e prefere escolher as pessoas. É importante escolher as pessoas, mas sozinhas elas não mudam o rumo da sociedade e do país. O hiperpersonalismo leva ao impasse”, afirmou o petista. Fontana registrou a posição do PT em favor do sistema proporcional com lista fechada, em que o eleitor vota na lista do partido, sem escolher individualmente seu candidato. No entanto, diante do apoio crescente ao Distritão, se mostrou disposto a buscar convergência com o PSDB e outros partidos em torno de um sistema que incorpore parcialmente o voto distrital. O aceno do deputado petista foi bem recebido por Marcos Pestana, que defendeu o chamado sistema distrital misto, adotado na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial e incorporado ao programa do PSDB junto com a opção parlamentarista, no início dos anos 90.

Como explicou o deputado tucano, na Alemanha, cada eleitor vota duas vezes: uma para seu candidato favorito no distrito onde vive e outra para o partido com cujas ideias ele se identifica mais. Com base na combinação desses dois votos, a composição do Parlamento alemão (Bundestag) é definida. Como se verá logo à frente, as divergências entre os dois deputados apareceriam na parte final do seminário, quando da discussão sobre o financiamento eleitoral.

Dos quatro integrantes da mesa, apenas o peemedebista Moreira Franco defendeu o Distritão. “Lei boa é lei aprovada, como bem sabe o presidente Fernando Henrique Cardoso aqui presente”, declarou Franco. “O Distritão é o sistema mais fácil de entender e explicar e o que tem maior possibilidade de adesão dos partidos tradicionais. Temos que apresentar uma proposta clara e possível, não sonhar com ideias geniais. Não podemos deixar a crise política se transformar em uma crise institucional”, afirmou.

Financiamento de campanha

Em tempos de Operação Lava Jato e de denúncias de que dinheiro oriundo de corrupção teria irrigado o caixa de diversos partidos, em especial da base governista, a questão do financiamento de campanha foi a que criou mais polêmica durante o seminário promovido pela Fundação FHC.

“O excesso de dinheiro na política leva a uma lógica em que a capacidade de arrecadar vale mais do que a de elaborar propostas, subvertendo o trabalho do político”, afirmou o petista Henrique Fontana. “Por que uma campanha a deputado no Rio Grande do Sul chega a custar R$ 2 milhões, R$ 3 milhões, até R$ 5 milhões? Hoje existe uma verdadeira corrida do ouro em que todos os candidatos lutam para gastar mais do que os outros durante a campanha.”

Fontana propôs que seja imposto um limite para os gastos de campanha para cada cargo em disputa, proporcional ao tamanho do Estado e do município. “Se todos os candidatos a deputado pelo Rio Grande do Sul puderem gastar no máximo R$ 500 mil, por exemplo, para mim está ótimo”, afirmou o deputado gaúcho.

“Sempre defendi o sistema de financiamento público exclusivo. No setor privado, “só as pessoas físicas poderão financiar candidatos”, propôs Henrique Fontana.

O tucano Marcus Pestana considera a proposta ilusória: “Em 2010, enviei 10 mil cartas aos meus eleitores em Minas Gerais. Arrecadei R$ 500. O financiamento individual pode funcionar nos Estados Unidos, mas não faz parte da cultura brasileira.” Já o financiamento exclusivamente público, na opinião do deputado mineiro, não seria aceito pela população porque implicaria deslocar para os partidos recursos que as pessoas preferem ver aplicados em saúde, educação, rodovias, etc.

Moreira Franco defendeu as doações de empresas a partidos e candidatos, mas sob novas condições. “Não podemos demonizar a contribuição privada nem colocar toda a solução no financiamento público. Já temos o fundo partidário e o horário eleitoral gratuito, que custam caro aos cofres públicos”, disse. “Sugiro um sistema público e privado, mas com as empresas financiando apenas um candidato para cada cargo em cada região ou no país. E sempre por intermédio do partido.”

Fontana protestou: “Imagine que eu seja candidato a prefeito em uma cidade onde exista uma empresa muito forte economicamente. Aí ela decide doar apenas para o candidato adversário. Essa empresa passaria a ter um poder absurdo de definir a eleição a seu favor.”

Moreira Franco manteve-se firme à sua ideia: “Precisamos de transparência acima de tudo. Proponho que haja um teto tanto para a pessoa física quanto para a jurídica, mas acho positivo que a empresa opte por um só partido. Isso deixaria bem claro quem doou, quem recebeu e o que fará durante seu mandato, se for eleito”.

O tucano Marcus Pestana disse que uma possibilidade seria a de permitir a arrecadação de recursos pelos partidos até o início da campanha eleitoral. “O momento dos partidos buscarem financiamento seria anterior ao da campanha. Quando esta começar, todas as doações recebidas por eles já teriam sido divulgadas publicamente e não se misturariam com o momento da campanha”, sugeriu.

Fim da reeleição e coincidência de eleições

Segundo os políticos presentes, o fim da reeleição tem grande chance de ser aprovada no Congresso Nacional. A reeleição para cargos executivos foi adotada durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, nos anos 1990. Desde então, tanto FHC quanto Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff foram reeleitos, assim como grande número de governadores e prefeitos.

Caso o fim da reeleição seja votado no contexto da reforma política, o mandato deve passar a ser de cinco anos, com coincidência de eleições para todos os cargos públicos.

Segundo Moreira Franco, seria então necessária uma fórmula de transição.  Em 2016, os prefeitos e vereadores seriam eleitos para um mandato de seis anos. Em 2018, presidentes, governadores, deputados federais e estaduais seriam eleitos para um mandato de quatro anos. A partir de 2022, todos seriam eleitos por cinco anos.

A coincidência da eleição para todos os cargos públicos foi criticada pelo cientista político Jairo Nicolau: “Em 1982 houve coincidência de eleições para todos os cargos, menos para presidente, pois ainda não havia eleição direta para o cargo naquela época. Houve muito debate em torno de propostas para os governos estaduais, mas os temas municipais ficaram prejudicados. A coincidência de todas as eleições pode acarretar uma perda de qualidade do debate nas cidades, que é cada vez mais importante.”

O cronograma da reforma

Ao final do debate, o superintendente executivo do da Fundação FHC, Sergio Fausto, perguntou aos presentes sobre os prazos para a aprovação da reforma. Segundo os políticos, até o final de abril os presidentes dos partidos devem ser consultados. Em maio, as principais propostas devem ser analisadas pela Comissão de Constituição e Justiça e começarão as votações do relatório final.

“Eduardo Cunha quer votar no plenário na última semana de maio. Em junho, vai para o Senado”, afirmou o tucano Marcus Pestana.