Que respostas o Brasil deve dar aos efeitos socioeconômicos do Coronavírus?
Neste debate on-line, conversamos com três especialistas do setor financeiro: Armínio Fraga, Ilan Goldfajn e José Berenguer.
O Estado brasileiro deve tomar atitudes firmes, simultâneas e coordenadas para, de um lado, salvar vidas, reduzir o ritmo de contaminação e evitar o colapso dos sistemas de saúde público e privado, e, de outro, destinar rapidamente recursos públicos para apoiar os mais necessitados (desempregados, informais e autônomos), evitar a falência de grande número de empresas e a consequente explosão do desemprego (já extremamente alto no país).
“Esta enorme crise não foi causada por má gestão, como outras do passado, mas por um asteróide que atingiu o planeta. Sou defensor ardoroso da austeridade fiscal, mas não atuar do lado social neste momento seria dramático. É preciso agir com rapidez, coragem e transparência. Já estamos atrasados”, disse o economista Armínio Fraga, presidente do Banco Central do Brasil de 1999 a 2003.
“Estamos relativamente preparados para enfrentar crises do mercado financeiro ou causadas por bolhas etc, mas agora temos de agir diante de uma emergência de saúde de proporções inéditas e, ao mesmo tempo, preservar o máximo possível os empregos e a renda da pessoas, assim como a saúde das empresas. Só assim, quando a pandemia for superada, conseguiremos uma retomada mais rápida da atividade produtiva e da economia”, afirmou o economista Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central entre 2016 e 2019.
“A gravidade do momento é tão grande que o Estado brasileiro deve dar um tiro de bazuca em termos de volume de recursos para ajudar a população, principalmente os mais fragilizados, e as empresas, em especial as pequenas e médias, a atravessarem o que vem por aí. É melhor errar para mais agora e corrigir os excessos depois”, disse José Berenguer, presidente do J.P Morgan Brasil e diretor executivo da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN).
Os três especialistas participaram de webinar promovido pela Fundação FHC nesta quinta-feira, 26 de março, com mediação do cientista político Sergio Fausto, diretor geral da Fundação.
Fraga: ‘Falso dilema’
Fraga descreveu como um “falso dilema” a polêmica entre manter ou mesmo reforçar o isolamento social e flexibilizar essas medidas para impedir um colapso social e econômico. “Diferentemente de outros países como Coreia do Sul e Singapura, o Brasil não está realizando testes em larga escala, essenciais para entender a evolução da epidemia em diferentes locais e grupos populacionais. Sem a capacidade de fazer essa sintonia fina com base em informações concretas e sempre atualizadas, o chamado isolamento vertical (em que ficariam isolados apenas os idosos, doentes e pessoas que tiveram contatos com eles ou moradores de áreas muito atingidas pela epidemia) poderia causar uma carnificina”, disse.
“O isolamento social nos garante um pouco mais de tempo para administrarmos melhor ambas as crises, a da saúde e a da economia”, continuou.
Armínio, que tem se dedicado a estudar políticas para reduzir a desigualdade social no país e criou recentemente o Instituto de Estudos para a Política de Saúde (IEPS), demonstrou preocupação especial com os 38% da população idosa e/ou com doenças crônicas e com moradores de comunidades de renda mais baixa, em geral bastante populosas e com infraestrutura deficiente. “Dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – IBGE) mostram que, em comunidades onde a estrutura urbana é precária, as moradias são pequenas e onde vivem famílias numerosas, é impossível fazer o confinamento necessário”, disse.
Goldfajn: ‘Não podemos dar cheque em branco’
Goldfajn, que como presidente do Banco Central integrou a equipe econômica durante o Governo Temer, quando foi aprovada a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, disse que não há como evitar a elevação do déficit fiscal neste momento, mas é importante manter salvaguardas legais como o teto de gastos, a regra de ouro e a Lei de Responsabilidade Fiscal para corrigir o rumo depois.
“Não há contradição entre liberar os recursos necessários para enfrentar a pandemia e manter o arcabouço monetário, institucional e político que visa garantir o equilíbrio fiscal. Afinal, esta crise é transitória. Não podemos dar cheque em branco para todos gastarem o quanto quiserem indefinidamente”, disse.
Berenguer: “Não é hora de vender ações”
Estudo do J.P Morgan prevê uma contração de até 10% do PIB norte-americano nos primeiros 3 meses após a deflagração da crise no país (em março) e até 25% no 2º trimestre. Dentro de 6 meses, quando provavelmente a epidemia já tiver ultrapassado o pico no país, a economia dos EUA deve começar a se recuperar, com crescimento de até 8% no 3º trimestre e 4% trimestre. Berenguer acredita que a economia brasileira seguirá trajetória semelhante.
“Tudo leva a crer que esta crise será em V, com uma queda forte seguida de retomada rápida do crescimento, embora vá demorar para voltar ao nível pré-crise. Lá como cá, o tamanho do V vai depender do que fizermos para segurar as empresas e o emprego das pessoas”, disse o membro do Conselho da FEBRABAN.
Berenguer disse não ver risco de um pico inflacionário no Brasil, mesmo com a ampla liberação de recursos, pois as pessoas estão temerosas e inseguras e demorarão um tempo até voltarem a consumir. Além disso, vê espaço para um bom recuo do câmbio. Para ele, as pessoas com recursos disponíveis “estão muito compradas em dólar”, o que tem elevado além da conta a taxa de câmbio, De passagem, disse não ser este o momento para vender ações. “Se não está precisando de liquidez, é melhor aguardar o próximo ano”, afirmou.
Fraga: Pacote emergencial pode chegar a 4% do PIB
Para o doutor em economia pela Universidade Princeton (EUA), o governo brasileiro deveria estruturar um pacote de combate à crise do Coronavírus — que incluiria gastos adicionais com saúde e medidas econômicas e sociais — equivalente a algo entre 3% e 4% do PIB (em 2019, o PIB brasileiro foi de R$ 7,3 trilhões). “Os EUA estão prevendo gastos extras de 4,5% do PIB”, disse.
Já Ilan Goldfajn prevê que o peso da dívida pública em relação ao PIB pode aumentar até 10 pontos percentuais, dos atuais 75,8% (fim de 2019) a 85% do PIB. “Uma notícia positiva é que a maior parte da dívida pública é financiada pelos próprios poupadores e investidores brasileiros. Quanto de crescimento da dívida estamos dispostos a financiar para o Brasil reagir à altura da crise atual? Seja como for, agora não é hora de discutir como pagar. Depois a gente vê isso”, disse.
Berenguer lembrou que o fato das taxas de juros estarem no menor patamar da história — 3,75%, segundo decisão do Copom em 18 de março — torna o maior endividamento menos problemático a curto prazo. Além disso, o país também tem mais de US$ 350 bilhões de reservas internacionais. “Todos os países terão dívida maior, e o custo da dívida brasileira, será menor do que no passado, devido aos juros mais baixos e ao fato de metade da dívida ser atrelada à Selic. Também temos reservas suficientes para enfrentar a turbulência”, disse.
Fraga: 3 iniciativas
Armínio sugeriu 3 áreas de ação:
- reforçar o SUS – mais leitos, respiradores, kits de teste;
- investir no social – investir amplamente em apoio social pelos próximos 6 meses;
- liberar empréstimos para pequenas e médias empresas.
“É importante fazer os recursos do governo chegar na veia o mais rápido possível. Isso pode ser feito pelo Bolsa Família, com fim das filas de cadastramento e aumento do valor. Dar usos adicionais às informações contidas no Cadastro Único, para ampliar a transferência de renda focalizada, é também uma opção. Não precisa inventar nada”, disse.
Goldfajn: “Não é o momento de políticas anticíclicas clássicas
O ex-presidente do BC disse que o aumento dos investimentos públicos demoraria meses ou anos para surtir efeito. “Não é o momento de políticas anticíclicas clássicas. Depois pode ser, agora não. Vamos focar no emergencial”, disse.
Berenguer acha que os bancos públicos não devem relaxar os “standards de crédito”, mas poderiam atuar com mais vigor onde há falhas de cobertura do sistema privado. Para Armínio, “é melhor que os recursos (para concessão de créditos) saiam do Tesouro, e sejam integrados ao déficit com toda transparência. Sem recursos do Tesouro, o crédito necessário não será dado.”
“Daqui pra frente será tudo diferente?”, perguntou por escrito Octavio de Barros, que foi economista-chefe do Bradesco por 14 anos e assistia à conversa pela internet.
Armínio respondeu: “Em algumas áreas, será um divisor de águas. Na saúde, com certeza. É importante que, no final, isso nos traga a consciência de que em tempos bons o governo tem de acumular gordura para os tempos mais difíceis. Na primeira oportunidade possível, será hora de arrumar a casa para termos recursos para desenvolver esse país.”
Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.