Debates
30 de março de 2017

Política industrial para petróleo e gás: qual o rumo a seguir?

“Este modelo extremamente protecionista, complexo e burocrático, baseado em multas pesadas, dificulta que os projetos aconteçam”, disse Antonio Carlos Migliari Guimarães, secretário executivo do IBP.

A política de conteúdo nacional para a cadeia de petróleo e gás só fará sentido se tiver como objetivo incrementar a competitividade internacional da indústria brasileira, inserindo as empresas do país nas cadeias globais de valor, uma das principais tendências do comércio internacional no Século 21. “Todos queremos conteúdo local, mas fechar o mercado brasileiro e criar uma cadeia local de valor não vai resultar em nada”, disse Antonio Carlos Migliari Guimarães, secretário executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), neste debate realizado na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Para Cesar Prata, da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, os atrasos na exploração petrolífera do país nos últimos anos só em parte podem ser atribuídos à ampliação da política de conteúdo local durante os governos petistas. Os atrasos teriam também outros motivos como uma política cambial inadequada que valoriza o real em relação a outras moedas, editais mal especificados, concentração das empreiteiras/estímulo à formação de carteis e o chamado custo Brasil.

O representante da ABIMAQ citou a Refinaria Abreu Lima, em Pernambuco, uma parceria entre a Petrobras e a PDVSA (Venezuela), anunciada pelos então presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez em 2005 e até hoje incompleta. “Estimada em US$ 2,4 bilhões, já custou quase US$ 20 bilhões e não tem nenhuma exigência de conteúdo local”, disse.

Além da ampliação da política de conteúdo local, a substituição do regime de concessão (criado no governo FHC após a quebra do monopólio do petróleo) pelo regime de partilha em 2010 (1º ano do governo Dilma Rousseff), a obrigatoriedade da Petrobras participar de todos os projetos de exploração com pelo menos 30% dos investimentos (lei revogada em novembro de 2016 por iniciativa do senador José Serra) e o enfraquecimento da Agência Nacional do Petróleo (ANP) foram medidas adotadas nos governos petistas que receberam críticas dos participantes.

Redução das exigências só vale para o futuro

Eduardo Augusto Guimarães, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ, disse que a redução do percentual de conteúdo local, anunciada pelo governo em fevereiro deste ano como uma das medidas para dar maior dinamismo ao setor, só valerão para a nova rodada de licitações da Agência Nacional do Petróleo em 2017.

“A redução de metas significa o reconhecimento (por parte das autoridades responsáveis) de que as metas anteriores eram irrealistas. Se não são viáveis para os novos projetos, por que seriam para os já licitados? Não defendo uma anistia total, mas é preciso examinar a possibilidade de adoção dessas novas metas também para os contratos já em execução”, afirmou.

Eloi Fernández y Fernández, pesquisador do Departamento de Engenharia da PUC-Rio, concordou: “O problema são os contratos já existentes (vigentes por até 30 anos), que continuarão a funcionar pelas regras anteriores. Já os investimentos que resultarem dos próximos leilões só vão acontecer daqui uns dez anos, tempo suficiente para pensar em uma política industrial mais consistente e realista.”

“O conteúdo local deve ser parte da política industrial para o setor, e não seu único mecanismo”, afirmou Fernández, que, em sua apresentação, fez um retrospecto das políticas para o setor de petróleo e gás desde a segunda metade dos anos 90 até hoje.

Em fevereiro último, o governo Michel Temer reduziu a exigência global de conteúdo local de 70% a 80% em projetos de exploração em terra para 50%. Já os percentuais globais em projetos no mar (onde ficam as reservas do Pré-Sal) caíram de entre 37% e 55% para 18%.

Falta de foco e multas exorbitantes

Mais de um debatedor criticou a maneira como o governo federal tentou impor a política de conteúdo nacional a partir de 2003. “Este modelo extremamente protecionista, complexo e burocrático, baseado em multas pesadas, dificulta enormemente que os projetos aconteçam. Precisamos de regras simples e objetivas, foco em estímulo e não em penalização”, disse Antonio Carlos.

As multas estipuladas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para as empresas petrolíferas que não cumprirem as metas de conteúdo local podem chegar a dezenas ou mesmo centenas de milhões de reais. Em 2015, apenas a Petrobras teria recebido mais de R$ 200 milhões em multas. Segundo reportagem publicada pelo jornal “O Globo” em 2017, a Petrobras estima que poderá ser multada em até US$ 630 milhões em apenas um dos campos do Pré-Sal se o pedido de “waiver” (não cumprimento dos percentuais de conteúdo local) não for atendido.

Como exemplo do excesso de burocracia no controle sobre as compras do setor, o secretário do IBP citou a exigência de certificação para todas as notas fiscais emitidas. “Para perfurar um poço, são emitidas em média 30 mil notas. O funcionário tem que ser brasileiro, cada componente dos equipamentos utilizados tem que ter um percentual nacional. E todas as notas têm que ser certificadas. As únicas empresas que estão realmente ganhando dinheiro com petróleo no Brasil são as de certificação. Essas estão felizes”, disse.

Segundo ele, falta foco na política de conteúdo nacional, pois as exigências vão do parafuso e da bomba aos equipamentos mais sofisticados. “Ninguém se questiona quais são as tecnologias do futuro. E, embora 1% da receita do petróleo e do gás seja obrigatoriamente destinado à pesquisa e ao desenvolvimento, as universidades e os centros de pesquisa não dialogam com as empresas e vice-versa”, criticou Antonio.

O participante defendeu que a política de conteúdo local precisa gerar um “efeito de transbordamento em toda a economia”, ao construir uma cadeia forte que gere investimentos, demanda, inovação e, como resultado, empregos de forma sustentável. “O objetivo final da política de conteúdo local deve ser reduzir, e não aumentar, a dependência da indústria e da economia em relação aos ciclos do setor de petróleo e gás”, completou.

Conflito existencial e discurso ambíguo

Para Fernández y Fernández, existe um “conflito existencial” entre os governos do PT e o atual no que diz respeito ao setor de petróleo e gás. “Durante os governos petistas, o petróleo virou uma questão ideológica, parecia o mundo da fantasia, com curvas de produção e investimentos superestimados. Mas o novo governo também tem grandes desafios pela frente, como definir o conceito de campo, oferecer áreas atrativas com informações precisas e de qualidade e fazer leilões com regularidade. Tudo isso em um contexto em que o preço do barril de petróleo está bem inferior ao que era antes. No momento, ninguém está satisfeito”, disse o pesquisador da PUC-Rio.

O preço do barril de petróleo no mercado internacional atualmente é de aproximadamente US$ 55, mas há cerca de quatro anos era superior a US$ 100 o barril. Em 2013, diversos analistas previram que a cotação internacional do barril de petróleo ultrapassaria a marca de US$ 150, mas depois esse valor caiu rapidamente e, em 2016, ficou abaixo de US$ 50 o barril.

Uma política de longo prazo, advertiu Eduardo Augusto Guimarães, deveria ter como prioridade  a inovação tecnológica em alguns segmentos e produtos nos quais o Brasil possa ser competitivo globalmente. O economista prosseguiu afirmando que existe um amplo conjunto de estudos que apontam esses segmentos e produtos. Para ele, “as novas regras apenas eliminam o irrealismo da política anterior, mas não significam uma revisão efetiva da política de conteúdo local como instrumento de política industrial. (Os novos percentuais) possibilitam que a meta seja cumprida com produtos e serviços já produzidos aqui, mas é pouco provável que contribuam para induzir o desenvolvimento de setores intensivos em tecnologia.”

Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o ponto de partida deveria ser o abandono de exigências globais de conteúdo local com definição clara dos segmentos/produtos a serem contemplados.

Promessas e frustração

Para Cesar Prata, o vai-e-vém na política de conteúdo nacional prejudica as empresas brasileiras que, acreditando nas promessas feitas pela Petrobras nos governos anteriores, realizaram vultosos investimentos. “Como ficam as empresas que investiram milhões em tecnologia, construíram fábricas, centros de teste e de pesquisa para atender às demandas da gloriosa Petrobras? Era tudo brincadeira? Não vale mais?, perguntou.

Segundo ele, o Pedefor (Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural)  praticamente liquidou com a política de conteúdo local. “No caso das plataformas marítimas, por exemplo, a exigência de 25% de conteúdo local pode ser facilmente coberta com serviços. Não precisaremos produzir nem um parafuso no Brasil”, disse.

O Pedefor, novo marco legal do setor, foi instituído por decreto em janeiro de 2016, ainda no governo anterior, com o objetivo de ajudar as empresas a atingir as metas de produto local num contexto de baixo preço do barril de petróleo no mercado internacional e crise interna. Entre outras medidas, criou um sistema de bonificação para as petroleiras que não conseguirem atingir as metas de conteúdo local, mas investirem em inovação tecnológica e criarem empregos. O decreto foi criticado na época pela indústria nacional de equipamentos, que disse não ter sido convidada a opinar sobre as mudanças.

 O representante da ABIMAQ também criticou o Repetro, regime aduaneiro especial de importação e exportação para o setor de petróleo. “Criado nos anos 90, representa a maior renúncia fiscal já feita pelo Brasil. Renunciamos não apenas à cobrança de impostos localmente, como também aos impostos de importação previstos até mesmo pela OMC (Organização Mundial do Comércio). Os equipamentos saem dos países exportadores com subsídios e entram aqui sem nenhuma barreira tarifária”, disse Cesar Prata.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.