Debates
24 de abril de 2018

Pesquisa e inovação no agronegócio: ‘nova onda ou ficar pra trás?’

“Por aqui, a estrutura pública não acompanhou a agilidade do agronegócio e o maior desafio é de gestão. Temos muito a fazer”, afirmou Marcos Jank, presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil.

“As startups que visam a empoderar o produtor rural apresentam um cenário de mudanças cada vez mais rápidas, largas e profundas. Quem não entrar neste ecossistema rapidamente, ficará pra trás.”
José Tomé, co-fundador da AgTech Garage, hub de startups do agronegócio

“O darwinismo social atinge em cheio o mundo rural brasileiro, onde os vencedores são poucos e os perdedores, muitos. Mas, se olharmos o todo, a economia agropecuária tem resultado em ganho espetacular para a sociedade brasileira. Não podemos abrir mão dessa fonte de riqueza.”
Zander Navarro, sociólogo e pesquisador da Embrapa

“O competidor hoje não está mais na fazenda ao lado, mas em países como a China, onde a revolução econômica chegou ao campo. De Pequim a Nanquim, são 400 km de estufas; 70% dos drones agrícolas estão na China.”
Marcos Jank, presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil

O agronegócio brasileiro, único setor da economia que resistiu à crise iniciada em 2014, enfrenta um cenário disruptivo de mudanças cada vez mais rápidas, abrangentes e profundas, puxadas pela biotecnologia e pelas novas tecnologias digitais, e quem não se adaptar a esse novo ecossistema ficará ultrapassado e perderá capacidade de competir internamente e com produtores/exportadores de países como China, Índia, EUA, Austrália e Chile, que investem fortemente em inovação.

“A agricultura de precisão, que utiliza drones, georreferenciamento, big data, novos softwares de gestão, biotecnologia e nanotecnologia, entre outras novidades, é a nova fronteira do agronegócio”, disse o engenheiro químico José Tomé, co-fundador e CEO da AgTech Garage, hub de startups do agronegócio, em seminário sobre os desafios de pesquisa e inovação no agronegócio, realizado na Fundação FHC.

“Muitas dessas inovações estão sendo criadas por startups, que têm expertise digital, cultura de inovação, agilidade e propensão ao risco e estão dialogando com os produtores para conhecer suas necessidades e oferecer soluções que os tornem mais eficientes e competitivos”, continuou Tomé. Não é à toa que diversas dessas startups, no Brasil e no exterior, estão recebendo recursos de fundos de investimentos e ofertas de compra por parte de multinacionais do agronegócio. “É um ecossistema que ainda está engatinhando no Brasil, mas que amadurece muito rápido.”

Ao mesmo tempo, o Estado, que desde os anos 1970 teve papel relevante na transformação do país em terceiro maior exportador mundial de alimentos, em grande parte devido à pesquisa de ponta realizada pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), perde terreno para a iniciativa privada, que lidera a nova onda de inovação. “A pesquisa pública estatal está presa ao passado e, embora ainda possa (e deva) ter papel relevante, vai deixando de ser decisiva. Cresce a pesquisa tecnológica privada, impulsionada pelo fato de a agropecuária brasileira ter se transformado em uma máquina de produzir riqueza”, disse o sociólogo Zander Navarro, pesquisador na Embrapa e co-organizador do livro “Globalization and Agriculture” (2017).

“O Estado teve sua função, mas hoje o mercado é o principal motor e, com o processo se globalizando, o salto que precisa ser dado envolve tanto as startups como as grandes empresas do setor”, disse Marcos Jank, presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil (Asia-Brazil Agro Alliance – ABAA), que reúne as associações exportadoras do agronegócio brasileiro na Ásia.

“Com a globalização, o concorrente do produtor brasileiro não é apenas o vizinho mais produtivo, mas produtores de outros países que estão investindo pesadamente em tecnologia e melhorando sua produtividade. Ou conseguimos acompanhar a revolução tecnológica que está acontecendo no agronegócio mundial ou vamos para a decadência. Não estou tranquilo em relação a nossas chances de sucesso, pois falta um catalisador e certamente a Embrapa, que já teve esse papel no passado, não parece mais ter condições de fazer isso”, disse Pedro de Camargo Neto, pecuarista e agricultor, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira.

‘Embrapa descolada da realidade’

Em janeiro, Zander Navarro, pesquisador da Embrapa, publicou no jornal “O Estado de S.Paulo” o artigo intitulado “Por favor, Embrapa: acorde!”, em que afirma que a empresa, que completou 45 anos, se tornou excessivamente burocrática, presa aos êxitos do passado e com uma pauta de pesquisas descolada da nova realidade do mundo rural. Exonerado, o pesquisador entrou na Justiça para reverter a decisão.

“A reação da Embrapa foi a pior possível: mostrou ser uma empresa pública que não aceita críticas e cujo ambiente interno não favorece a pesquisa criativa e inovadora. O produtor precisa de resultados ou não vamos a lugar algum”, afirmou Camargo Neto.

Navarro listou quatro temas que precisam ser melhor estudados e compreendidos para que o agronegócio brasileiro continue a ter sucesso a médio prazo:

  • A heterogeneidade da produção agropecuária brasileira
    Segundo ele, a produção acontece em quatro macro regiões cada vez mais distintas entre si, com destaque para a Região Centro-Oeste e partes da Região Norte, responsável por 75% da produção de soja e milho em 2015. Cada uma dessas macro regiões têm suas dinâmicas, problemas e necessidades e exigem soluções específicas;
  • O vetor dominante na economia agropecuária é a lógica da alta densidade monetária associada à gestão da complexidade da cadeia produtiva agrícola;

  • O binômio inovação e tecnologia é o principal fator de transformação e sucesso do agronegócio no Brasil e no mundo
    Qual será a agenda da pesquisa pública diante desse fato incontornável?
  • Torna-se cada vez mais evidente o desafio do financiamento e do investimento – Quem investirá? Como? Onde?

O sociólogo, autor do livro “Novo Mundo Rural: a antiga questão agrária e os caminhos futuros da agropecuária no Brasil”, em parceria com Xico Graziano (Editora Unesp), também destacou dois grandes desafios, um mais econômico e outro eminentemente político:

  • Abertura e globalização
    É fundamental ampliar mercados para os produtos brasileiros, o que exige um esforço de concretização de acordos comerciais com Ásia, Europa e outras regiões do mundo, adaptação às novas exigências globais nas áreas fitossanitária e de sustentabilidade, assim como melhorar a governança, a organização das cadeias agroindustriais e a infraestrutura para distribuição e exportação;
  • Custo-benefício do agronegócio para a sociedade como um todo
    Já o principal desafio político é a sociedade compreender que os benefícios sociais e econômicos gerais (para todos os brasileiros) resultantes do agronegócio excedem os custos sociais da exclusão social no campo, uma realidade que vai se intensificar.

‘Darwinismo social’ e medidas compensatórias

Ainda segundo o sociólogo, o mundo rural brasileiro — assim como aconteceu em diversos outros países com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária em grande escala, com ampla utilização de máquinas que praticamente eliminam a necessidade de mão-de-obra — torna-se progressivamente concentrador de riqueza e, embora este seja um fenômeno preocupante do ponto de vista social, é irreversível.

“O darwinismo social atinge em cheio o mundo rural brasileiro, onde os vencedores são poucos e os perdedores, muitos. Apenas em regiões com histórico de agricultura familiar, como a região Sul do país, ou em áreas de intensa produção de alimentos próximas às grandes cidades, como o cinturão verde de São Paulo, ainda há perspectivas para os pequenos e médios produtores. Mas na maioria das outras regiões, a propriedade de terras e a produção sofrem rápido processo de concentração e o mundo rural se esvazia, com a migração de jovens para grandes cidades”, explicou.

“O que fazer, por exemplo, com o Nordeste rural? Onde existe água, ainda dá para desenvolver projetos que incluam a população local, mas qual o futuro dos moradores do semiárido nordestino? Ninguém sabe responder. Nesses casos, programas sociais como bolsa família e aposentadoria rural parecem ser a única saída”, afirmou.

Mas, para Navarro, o agronegócio, além de trazer divisas essenciais para o Brasil via exportação e colocar o país na posição de ‘player’ extremamente relevante para a segurança alimentar global, tem garantido uma razoável estabilidade dos preços de alimentos internamente e impulsionado não somente o setor de serviços nas cidades próximas às principais áreas produtivas, especialmente na região Centro-Oeste, como também toda a cadeia industrial associada à atividade (insumos, processamento de alimentos etc.). “Os ganhos para a sociedade como um todo são inegáveis e isso precisa ser melhor compreendido e assimilado pelas populações urbanas. Medidas compensatórias (para os excluídos do processo) são necessárias, mas não podemos abrir mão dessa fonte de riqueza e desse grande potencial”, afirmou.

Uma nova agenda, ou ficaremos para trás

Para Marcos Jank, brasileiro que vive e conhece como poucos a Ásia, a região mais dinâmica do mundo atualmente, o Brasil tem uma “história maravilhosa para contar em relação ao desenvolvimento de sua agropecuária desde o final do século passado e tudo começou no setor público, com a tropicalização de tecnologias de plantio e produção na Embrapa, nas universidades e outros institutos de pesquisa”.

“Rapidamente o setor privado chegou junto e as conquistas estão aí, com um país campeão em produtividade no campo a nível mundial”, completou Jank, que também lembrou o importante papel dos produtores que migraram de regiões agrícolas tradicionais para novas fronteiras, trabalharam duro e tiveram êxito.

O especialista, no entanto, destacou que o foco geográfico da produção e do consumo de alimentos está se deslocando para os países emergentes da Ásia e que o Brasil, se quiser avançar em sua história de sucesso, precisa direcionar esforços no aprofundamento de uma nova agenda:

  • Desafios ambientais
    “Só o Brasil tem um Código Florestal que prevê a gestão do território com base em modernas tecnologias de georreferenciamento e recuperação de áreas degradadas; a nova legislação deve ser colocada em prática”;
  • Controles fitossanitários e segurança alimentar
    “Ainda estamos patinando nessa área e, cada vez mais, o mundo exige alimentos de qualidade e seguros”;
  • Críticas ao uso de insumos
    Nos países mais desenvolvidos, principalmente na Europa, é cada vez maior a preocupação com uso de transgênicos, hormônios, defensivos e antibióticos, assim como com o bem-estar dos animais para abate. Como o Brasil vai lidar com essa questão?
  • Melhorar a competitividade de toda a cadeia produtiva do agronegócio
    “Os produtores são em geral competitivos, mas perdemos eficiência quando o produto sai da fazenda, pois o processamento e a distribuição são um desastre”;
  • Parcerias público-privadas
    Com o esgotamento da capacidade de investimento do Estado, o caminho para concretizar melhorias de infra-estrutura, fundamentais para reduzir perdas e diminuir os custos de transporte e exportação, são as concessões e as parcerias público-privadas.

“Existe urgência de o Brasil investir em uma nova onda de inovação, pois é o que países como China, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, EUA e Chile estão fazendo. A revolução econômica chinesa chegou ao campo. Se você viajar de Pequim a Nanquim (cerca de 1.000 km), verá 400 km de estufas que produzem frutas, legumes e verduras para exportação. Cerca de 70% dos drones agrícolas estão na China”, afirmou.

“Por aqui, a estrutura pública não acompanhou a agilidade do agronegócio e o maior desafio é de gestão e, no que diz respeito à segurança do alimento, que é a principal agenda em diversos países, temos muito a fazer. Os contratos de compra e venda de carne e produtos agrícolas estão cada vez mais sofisticados e incluem cláusulas técnicas, de sustentabilidade, de saúde etc. Há uma exigência de aperfeiçoamento de toda a cadeia produtiva e estamos atrasados nisso”. concluiu Jank.

“No Brasil, temos muita ciência, pesquisa e inovação sendo feita por jovens extremamente bem preparados, tanto no setor público como na iniciativa privada. Mas com frequência, por questões burocráticas e falta de agilidade e eficiência em Brasília, eles não conseguem transformar suas pesquisas em projetos concretos. Como liberar essa energia para a produção?”, perguntou Camargo Neto.

“O Brasil ainda precisa da Embrapa, mas uma Embrapa que seja eficaz, intimamente colada à vida real e que ajude a definir uma agenda de prioridades para o setor do agronegócio nesse mundo de transformações rapidíssimas. Hoje ela faz o que quer e não precisa dar satisfação pra ninguém. Com quem dialoga? Com quem aprende? Com quem se articula?”, disse Zander Navarro.

“De que os jovens pesquisadores e empreendedores brasileiros precisam? De foco, foco e ousadia. As prioridades são como fazer e em que velocidade, pois, se não agirmos rápido, não dará mais tempo de aproveitar a nova onda”, concluiu José Tomé.

Otávio Dias, jornalista, é editor de conteúdo da Fundação FHC. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.