Para onde vai a Venezuela?
Recebemos Lilia Cristina Marcano, jornalista e co-autora do livro “Hugo Chavez sin uniforme: una história personal”.
No dia 25 de setembro, a Fundação FHC recebeu Lilia Cristina Marcano, co-autora do livro “Hugo Chavez sin uniforme: una história personal”. Jornalista reconhecida em seu país, hoje vivendo parte do tempo no México, ela falou sobre as transformações políticas na Venezuela, em particular a partir da posse de Nicolás Maduro.
Marcano relembrou de início uma frase dita pelo próprio Chávez em 2012, poucos meses antes de seu falecimento: “Aqui há uma revolução militar em marcha”. Chávez tinha razão, segundo a jornalista.
Desde a morte do ex-presidente, a militarização do poder político na Venezuela só fez aumentar. O governo atual é bicéfalo, com uma cabeça civil, representada por Nicolás Maduro, e outra miliar, simbolizada pelo tenente-coronel da reserva Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. A bicefalia, porém, advertiu Marcano, não encobre o traço essencial do novo governo: o poder real está cada vez mais enfeixado nas mãos dos militares.
Sem o carisma de seu antecessor, eleito por escassa margem de votos, fraco politicamente, Maduro teve de atender às demandas militares por mais poder e mais privilégios corporativos. Hoje eles controlam desde a gestão da macroeconomia até a distribuição de alimentos e medicamentos, passando pela administração de vários setores de infraestrutura. Não apenas ocupam 1/3 dos postos ministeriais, como também controlam empresas e bancos estatais importantes, além de dispor um canal de TV próprio. Os soldos têm recebido aumentos acima dos reajustes autorizados aos demais servidores do Estado e aos trabalhadores do setor privado. O Ministério da Defesa conta com um orçamento 5 vezes maior que o do Ministério da Alimentação, 8 vezes maior que o do Ministério da Agricultura e 11 vezes maior que o do Ministério da Habitação, conforme dados apresentados pela jornalista.
Cresce também a participação direta dos militares na política, agora com respaldo do Tribunal Supremo de Justiça. Em flagrante desrespeito à Constituição de 1999, promulgada no primeiro ano do governo de Hugo Chávez, o referido tribunal autorizou as Forças Armadas a participar em atos de militância e proselitismo político. Já não se trata mais apenas da participação de militares da reserva na política – doze dos 23 governadores de estado são militares aposentados – mas da permissão legal para que a instituição e seus membros ativos atuem na política partidária, alertou Marcano. “Há um processo de legalização das Forças Armadas como partido de governo, em uma fusão com o Partido Socialista Unido da Venezuela”, concluiu.
Fosse pouco a militarização do Estado, militariza-se também a sociedade venezuelana. Sobre isso, a jornalista destacou uma lei aprovada em junho deste ano que obriga a todo cidadão venezuelano, homem ou mulher, entre 18 e 60 anos, a proceder ao seu registro militar para supostamente participar da “defesa integral da nação”. O não cumprimento dessa obrigação sujeita o infrator a uma serie de penalidades, entre elas a não emissão de documentos oficiais como a carteira de motorista. O mal disfarçado propósito da lei é aumentar o grau de informação do governo sobre cada indivíduo para melhor poder controlar e reprimir manifestações de descontentamento social.
A preocupação com o controle social tornou-se um dos principais objetivos do governo venezuelano. As autoridades sabem, assinalou Marcano, que a crise econômica é profunda e de difícil solução. Buscam assim aperfeiçoar mecanismos que permitam sufocar ondas de protesto social em seu nascedouro. Afora novos instrumentos jurídicos, têm adotado expedientes de intimidação, a exemplo da detenção para interrogatório de pessoas consideradas perigosas para o regime. Em episódio recente, o diretor de um hospital público foi detido por fazer críticas indiretas às políticas de saúde, contou a jornalista.
Marcano não arriscou prognósticos taxativos sobre os desdobramentos da situação política na Venezuela. Preferiu enfatizar que “a Venezuela é uma panela de pressão e o governo está fechando todas as válvulas de escape, o que configura um cenário muito perigoso.” Apontou as eleições parlamentares de 2015 como uma encruzilhada. Se as oposições conquistarem a maioria na Assembleia Nacional, probabilidade alta em face do aprofundamento da crise econômica e social, haverá chance para uma mudança negociada ao longo dos anos seguintes. Por ora, no entanto, este é apenas um fiapo de luz num horizonte cada vez mais carregado de nuvens pesadas.