Debates
17 de outubro de 2019

O Vale de Israel: O Escudo Tecnológico da Inovação

“A liderança de Israel nas áreas de tecnologia e inovação deve-se à avançada formação militar que os israelenses são obrigados a ter por força da conflitiva geopolítica do Oriente Médio”, disse o empresário franco-israelense Edouard Cukierman.

A liderança mundial de Israel nas áreas de tecnologia e inovação deve-se em boa medida à avançada formação militar que todos os homens e as mulheres israelenses são obrigados a ter por força da conflitiva geopolítica do Oriente Médio. O treinamento recebido durante os 3 anos de serviço militar obrigatório permite que os jovens tenham contato com alta tecnologia e desenvolvam coragem e iniciativa, além de facilidade para trabalhar em equipe, características essenciais para o sucesso como futuros empreendedores. Foi o que disse o empresário franco-israelense Edouard Cukierman, fundador do Catalyst Funds e presidente da Cukierman & Co Investment House, em palestra na Fundação FHC.

“O pesado investimento em educação, no entanto, é o principal diferencial de Israel. O país tem uma das mais altas taxas de investimento em educação per capita do planeta (de acordo com o estudo Education at a Glance 2019 da OCDE, é a nação que, entre todos os 37 membros e 9 parceiros, mais gasta com Educação Fundamental em relação ao PIB, cerca de 2,4%). Israel ainda possui o maior número de engenheiros em termos proporcionais à sua população (embora exista hoje uma carência de até 20 mil profissionais no país). Isto, aliado à estreita relação entre universidade e indústria, permitiu que fossem desenvolvidas muitas das tecnologias e inovações que levaram Israel a se tornar referência mundial na área, a ‘Nação Startup’”, disse.

O Instituto Weizmann, situado em Rehovot e que oferece cursos de mestrado e doutoramento em matemática, informática, física, química e biologia, por exemplo, arrecadou mais de US$ 200 milhões com licenças tecnológicas vendidas às indústrias, importante fonte de recursos para o financiamento de pesquisas”, disse o autor do livro “O Vale de Israel: O escudo tecnológico da inovação”, em parceria com Daniel Rouach, cuja versão brasileira contou com a colaboração de Regina Negri Pagani e acaba de ser publicada pela Editora Best Business.

Chutzpah e apoio indireto do Estado

Para o êxito israelense, sobretudo nas áreas de segurança cibernética e biotecnologia, contribuiu o chutzpah, característica da cultura judaico-israelense que tem origem em valores que os judeus aprendem desde crianças como, por exemplo, por ocasião da celebração anual do Pessach, feriado que relembra a libertação do povo judeu do Egito dos faraós e a longa travessia do deserto rumo à terra prometida. Nos dias de hoje, chutzpah se traduz em uma postura audaciosa e determinada frente a situações complexas, imprevistas e até adversas.

Outra característica é a valorização da vida em comunidade, cujo exemplo são os kibutz (pequenas comunidades economicamente autônomas com base em trabalhos agrícolas ou agroindustriais, onde a propriedade é coletiva e a administração é conduzida de forma coletiva e igualitária). Nos kibutz, o impacto positivo das ações individuais e coletivas para a comunidade é mais valorizado do que o enriquecimento individual. Outro valor importante é a resiliência, desenvolvida durante os séculos em que os milhões de judeus viveram espalhados pelo mundo (diáspora).

Foco na iniciativa privada e Common law

O palestrante também lembrou que o Estado israelense não costuma interferir diretamente nas atividades do setor privado, embora exista um poderoso suporte indireto, por meio da educação e dos amplos recursos destinados à defesa. Outra importante contribuição pública foi a facilitação à imigração de judeus para Israel (a chamada Aliá, lei aprovada em 1950 que permite que judeus de todo o mundo tenham direito a retornar ao país, requerer cidadania israelense e receber apoio inicial para se estabelecer no país). “Só dos países que compunham a União Soviética veio 1 milhão de imigrantes. Desses, 54% já tinham formação acadêmica, sendo 37% na área de engenharia.  Essa imigração qualificada representou uma contribuição inegável para o setor de tecnologia”, explicou.

Outro ponto positivo é o sistema jurídico israelense: “Inspirado na Common Law (entre 1920 e 1948, os britânicos assumiram controle sobre a Palestina, onde hoje ficam Israel e os territórios palestinos), esse modelo valoriza a estabilidade jurídica e uma governança transparente, importantes elementos para atrair investidores externos”, disse o empresário.

Investimento chinês

Como o mercado interno israelense sempre foi pequeno (o país tem pouco menos de 9 milhões de habitantes), e a situação geopolítica dificulta o relacionamento econômico com boa parte dos vizinhos, toda a inovação tecnológica em Israel já é concebida de olho no interesse das grandes empresas globais. Isso  explica o porquê de as empresas israelenses não terem se tornado multinacionais e diversas delas terem sido adquiridas por gigantes do setor de tecnologia. “No Brasil, tive o prazer de ver um taxista usando o aplicativo Waze que, embora tenha sido comprado pela Google, foi desenvolvido em Israel”, disse o palestrante.

Recentemente, os chineses estão entre os que mais investem nas empresas israelenses de tecnologia, interesse intensificado em função da guerra comercial e tecnológica entre Washington e Pequim. “Como o setor de alta tecnologia é todo privado, não há como o Estado vetar parcerias com os chineses, apesar da aliança estratégica entre Israel e os EUA. Apenas nos setores militar, financeiro e bancário há restrições governamentais para transferência de tecnologia”, disse.

Parcerias com brasileiros

Para Cukierman, não faz sentido o Brasil tentar “copiar” o modelo israelense, mas sim encontrar seu próprio caminho para desenvolver o setor de tecnologia. Fundador do evento anual Go4Israel, o palestrante convidou investidores e empresas brasileiras a visitar o país e entrar em contato com possíveis parceiros israelenses. “Estou certo de que o Brasil pode encontrar, com ajuda de Israel, soluções inovadoras em setores onde já é bastante competitivo, como o agronegócio e as energias renováveis”, concluiu.

Rodrigo Lima, graduado em relações internacionais, trabalhou como repórter de economia no DCI (Diário do Comércio e da Indústria).