O que é e o que quer a Rússia de Putin?
Recebemos Victor Krasilshchikov, diretor do Centro de Estudos sobre o Desenvolvimento, do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais de Moscou, para discutir o contexto dos recentes conflitos nos quais a Rússia se envolveu.
O conflito com a Ucrânia e violações de direitos humanos fizeram da Rússia notícia recentemente, colocando em debate a natureza do regime político estabelecido no país. Krasilshchikov chama a atenção para o fato de que há uma tendência ao aumento do autoritarismo não só na Rússia, mas também em países ocidentais desenvolvidos como os Estados Unidos. De modo a compreender essa tendência, o analista russo considera os eventos em um amplo contexto que abrange os aspectos da modernização, do autoritarismo e da democracia.
Ao caracterizar o autoritarismo político com características como a dominação do Executivo sobre o Legislativo, a supressão ou restrição da oposição e o reconhecimento por parte do Executivo do direito à privacidade, Krasilshchikov lista quatro tipos históricos de autoritarismos para jogar luz sobre os acontecimentos em curso na Rússia. O primeiro, o qual denomina “Autoritarismo Tradicional”, tem como exemplo o governo de Porfírio Diaz no México. Em seguida, cita o “Autoritarismo Neo Tradicional”, que teve como exemplo a Nicarágua. Krasilshchikov defende que as tendências autoritárias, em geral, estão relacionadas à mudança de época. No caso do “Autoritarismo Neo Tradicional”, por exemplo, afirma que o desenvolvimento de um novo estágio do capitalismo e o fortalecimento da democracia nos Estados Unidos foram acompanhados pela ascensão do Neo Autoritarismo Tradicional em alguns países periféricos, como na Nicarágua.
O terceiro caso é o do “Autoritarismo de Desenvolvimento” ou “Populismo Desenvolvimentista” que também conta com exemplos da América Latina, em momentos nos quais há um processo de substituição de importações e são marcados por uma modernização conservadora. Nesse caso, destaca-se o “Autoritarismo Militar-Burocrático” que tem como principal representante o regime militar brasileiro.
Por fim, o quarto tipo de autoritarismo, o chamado “Autoritarismo Pós Neo Tradicional” presente em países da África e ex-países soviéticos como a Rússia. Para Krasilshchikov, o que aproxima esse regime do “Autoritarismo Militar-Burocrático” é o fato de que Putin e seu círculo tomaram emprestados alguns elementos da chamada doutrina de Segurança Nacional adotada nos Estados Burocrático-autoritários em países da América Latina. “O ideólogo oficial da Rússia defende que todas as revoluções ocorreram como resultado da ação subversiva de elementos não patrióticos na sociedade influenciados por forças externas”.
Segundo o analista russo, contudo, há importantes diferenças entre esses dois tipos de autoritarismo. Uma delas é o fato de que o Autoritarismo Pós Neo Tradicional desconsidera completamente a questão do desenvolvimento. Isso fica claro nos indicadores sociais da Rússia que, em quesitos como expectativa de vida e gastos públicos com saúde, ficam atrás de países da América Central. Outra diferença está relacionada ao fato que no Autoritarismo Militar-Burocrático há o reconhecimento, por parte do Estado, do direito de privacidade. No Autoritarismo Pós Neo Tradicional, por sua vez, há a apropriação ilegal de propriedades privadas em países como Ucrânia e Rússia.
O regime russo, especificamente, é sustentado por oligarquias com estruturas monopolistas e por burocrátas, enquanto cerca de 45% da população economicamente ativa trabalha informalmente e não representa uma das preocupações do Estado. Nesse regime, o Presidente russo Vladmir Putin não é apenas um politico, mas principalmente um burocrata, afirma Krasilshchikov. “É difícil falar de classe política na Rússia. Lá, classe politica e classe burocrática se confundem e a burocracia não está interessada na modernização. Ela é um grupo que busca renda e favorecimento. A corrupção é o elemento sistêmico no regime russo. Especialistas independentes estimam que a corrupção alcançou a marca de 400 bilhoes de dólares entre 2009 e 2010”.
Em um contexto mundial, o analista russo lembra que, a partir do fim da década de 1980, no ocidente se estabelecem as democracias liberais, enquanto na Ásia se estabelece um autoritarismo desenvolvimentista e nos ex-países soviéticos, por sua vez, há a ascensão do Autoritarismo Pós Neo Tradicional. “Na minha opinião esses regimes representam, em termos políticos, um único sistema mundial. Por exemplo, o autoritarismo chinês foi condição necessária para funcionamento da democracia liberal no ocidente. No que se refere ao regimes pós-soviéticos, eles foram condicionados pelo envolvilmento no sistema econômico mundial enquanto fornecedores de produtos como gás e petróleo para o Ocidente. Hoje, esses regimes chegaram chegaram aos seus objetivos históricos.”