O mundo sob a pandemia do novo coronavírus – Um diálogo entre Manuel Castells e FHC
Eles conversaram sobre os impactos sociais, econômicos e políticos da pandemia de Covid-19 em seus respectivos países e no planeta.
Amigos desde o final dos anos 1960, quando ambos lecionaram na Universidade de Paris Nanterre e presenciaram a eclosão do movimento estudantil Maio de 68, os sociólogos Manuel Castells (Espanha) e Fernando Henrique Cardoso conversaram virtualmente sobre os impactos sociais, econômicos e políticos da pandemia de Covid-19 em seus respectivos países e no planeta.
Manuel Castells – “Esta é uma crise totalmente distinta das que vivemos anteriormente. Ela é multidimensional e global. Só podemos superá-la como humanidade, não um país contra os outros e muito menos um político contra o outro. O que está em jogo é nosso destino comum.”
FHC – “Em seu famoso livro ‘A Sociedade em Rede’ (publicado originalmente em 1996), você descreveu pela primeira vez o enorme impacto que a internet teria em nossas sociedades e hoje, passados alguns anos, está claro que a democracia representativa está em xeque. A crise atual requer liderança. No princípio era o verbo, diz a Bíblia. Sempre é o verbo! Nós, intelectuais ou políticos, estamos acostumados a falar, mas não a escutar, menos ainda a escutar de muitos, como acontece no mundo virtual hoje. Quando eu era presidente e enfrentava uma crise, políticos, líderes empresariais e de trabalhadores e representantes da sociedade iam ao Palácio do Planalto e eu deixava eles falarem e apenas ouvia. Só isso já baixava a temperatura da crise, em alguns casos não era preciso fazer nada. Claro que agora, diante da gravidade da pandemia, não basta falar e escutar. É preciso tomar ações concretas nas áreas da saúde, da economia, da educação. E principalmente apoiar a ciência e a tecnologia em programas de longo prazo.”
Castells – “Sim, vivemos uma crise da gestão da crise, com a destruição dos instrumentos políticos a que estávamos acostumados e das conexões entre os líderes políticos e os cidadãos. Na maioria dos países, principalmente no Ocidente democrático, há uma desconfiança profunda na política. É fundamental reconstruir a capacidade de liderança democrática, mas isso não pode ser feito de forma abstrata. Temos de aumentar a participação da cidadania por meio de um novo tipo de mobilização e melhorar a capacidade de gestão e do Estado dar respostas reais. É verdade que as redes sociais têm tido um efeito de corrosão da democracia, mas elas também podem ser um instrumento para estimular o debate público, a organização e a mobilização da sociedade. Temos de entender como utilizar as redes contra as redes.”
FHC – “Estou plenamente de acordo. Agora é o momento de irmos juntos, de coesão. De romper paradigmas e pensar até mesmo em soluções utópicas como a renda universal mínima. De buscar um equilíbrio entre o papel do Estado, da sociedade e da iniciativa privada e construir uma verdadeira economia social de mercado.”
Castells – “A Espanha (um dos países mais atingidos pelo coronavírus) adotará a renda mínima a partir do próximo mês (junho). A pandemia nos mostra que não é mais possível perseverar no mesmo sistema econômico de antes, com crescimento da desigualdade, excesso de consumismo, destruição do meio ambiente. Agora é o momento de fazer um esforço de transformação cultural e inventar formas econômicas e sociais que sejam factíveis e sustentáveis. É isso ou o caos!”
Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.