Debates
30 de junho de 2020

O mundo pós Covid-19: uma conversa com Martin Wolf

Principal comentarista econômico do Financial Times, Martin Wolf é considerado um dos mais influentes jornalistas do mundo em matéria de economia e finanças.

Após a devastação causada pelo novo coronavírus, políticos e partidos moderados têm diante de si a oportunidade de derrotar líderes populistas/nacionalistas nas urnas e voltar a governar países importantes hoje sob controle de governantes antissistema. Foi o que disse o jornalista Martin Wolf, editor associado e comentarista chefe de economia do jornal Financial Times (Londres) neste webinar realizado pela Fundação FHC.

“As pessoas devem voltar a apoiar políticos mais experientes e moderados, com  melhores condições de governar no pós-pandemia, quando a maioria dos países enfrenta grave crise econômica e fiscal”, disse Wolf, um dos mais respeitados jornalistas especializados em finanças do mundo.

“Neste momento, acredito mais nas chances de governos de centro-direita, administrados com competência mas comprometidos com gastos e políticas sociais. Também creio ser inevitável aumento de impostos na maioria dos países, inclusive nos Estados Unidos”, disse. 

‘Confiança entre Washington e Pequim se quebrou’

Os EUA já decidiram tratar a China como seu rival e a relativa confiança que existia entre os governos norte-americano e chinês (progressivamente construída desde os anos 1970) se quebrou, tanto em Washington como em Pequim. “Esta é a mudança fundamental em curso no planeta e definirá o futuro por tempo indefinido”, disse o analista.

Segundo Wolf, dois sistemas – um baseado na China e outro no Ocidente (EUA à frente) – disputarão o domínio geopolítico/econômico nos próximos anos, e muitos países serão pressionados a escolher entre os dois pólos. O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn participaram do webinar como entrevistadores/comentaristas.

“É uma situação distinta da vivida durante a Guerra Fria (1945-2001), pois a China é uma superpotência comercial global e não pode ser ignorada por nenhum país. Para dificultar mais as coisas, o sistema internacional, que poderia contribuir para evitar um acirramento da disputa, não está funcionando bem”, afirmou o autor de The Shifts and The Shocks: O que aprendemos – e ainda temos que aprender – da crise financeira (Londres e Nova York: Allen Lane, 2014).

Segundo o jornalista britânico, na hipótese de vitória do democrata Joe Biden na eleição de novembro, os EUA devem optar por uma estratégia diferente da implementada por Donald Trump na disputa com a China: “Com Biden, Washington deve apostar em uma ampla aliança contra a China, com participação da Europa, da Austrália e parte da Ásia (Índia, Japão, Coreia do Sul)”, disse. Trump tende a redobrar a aposta em um enfrentamento mais direto e unilateral com Pequim, por vias comerciais e sanções.

Já Pequim deve se aproximar de Moscou e seguir adiante com a iniciativa “One Belt, One Road”, que prevê grandes investimentos em infraestrutura financiados pela China em diversos países do mundo. “É a primeira vez em séculos que uma potência não-ocidental reúne as condições para influenciar o resto do mundo”, afirmou.

 

Disputa EUA-China: ‘Brasil é grande o suficiente para não tomar partido’

“O Brasil tem uma vantagem: por ser suficientemente importante do ponto de vista político, econômico e sobretudo comercial, não precisa tomar partido (imediatamente). Mas terá de trabalhar duro (do ponto de vista diplomático) para manter boas relações com ambos os lados”, disse Wolf.

“Os Estados Unidos serão um líder global diferente (do que foram desde o final da Segunda Guerra Mundial até recentemente, com a chegada de Donald Trump e sua política isolacionista à Casa Branca)?”, perguntou Ilan Goldfajn. “Não se substitui algo por nada, e não existe chance do dólar ser substituído como moeda global a médio prazo. Quem tem dinheiro não vai confiar na China. A União Europeia vai sobreviver, mas o euro não substituirá o dólar”, respondeu o palestrante.

Para o jornalista, os juros praticados nos países desenvolvidos (e em outros países, inclusive o Brasil) devem continuar próximos (ou abaixo) de zero por um longo período: “Se não fosse assim, estaríamos a um passo do inferno, pois as dívidas públicas explodirão em todo o mundo em decorrência da pandemia.”

Globalização online e aquecimento global

Wolf também vê uma “mudança da globalização real para a globalização online”. “As implicações disso a médio-longo prazo ainda não estão claras”, disse. O palestrante concluiu sua fala com uma pergunta: A mudança climática vai acelerar ou a pandemia servirá de alerta para a ameaça do aquecimento global?

Para Pedro Malan, muitas pessoas em diferentes países estão chocadas com o impacto da pandemia e estão abertas a algo novo: “Existe uma oportunidade para programas de desenvolvimento sustentável como o Green New Deal (conjunto de propostas para enfrentar a mudança do clima aprovado pelo Congresso dos EUA; recentemente a União Europeia também apresentou sua versão). A questão é saber se essa mudança acontecerá na velocidade e na escala necessárias”, disse.

O economista brasileiro demonstrou preocupação com a interrupção do diálogo entre Washington e Pequim sobre a questão climática: “Juntos, EUA e China respondem por 70% das emissões globais. Se não se entenderem, os demais países pouco poderão fazer (para reverter o processo de aquecimento do planeta)”, disse. Durante o governo Obama, EUA e China assinaram acordo histórico em relação ao clima, posteriormente abandonado por Trump, que também retirou os EUA do Acordo de Paris (2015).

O ex-ministro concluiu seus comentários destacando a divisão interna nos EUA e em outros países em relação ao aquecimento global. “A política interna de boa parte dos países está indo na direção errada (no que diz respeito aos compromissos assumidos em Paris). Por isso sou pessimista (quanto às perspectivas de sucesso das medidas de combate ao aquecimento global)”, disse.

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.