Debates
18 de março de 2019

Nova Constituição e novo presidente em Cuba: mudança real ou fictícia?

Recebemos o historiador cubano Manuel Cuesta Morúa, ativo dirigente da oposição cubana.

Cuba tem hoje uma sociedade mais diversa, plural e vocal nas críticas ao regime, o que tem resultado em um debate interno mais rico. “Vemos hoje um maior distanciamento dos intelectuais em relação ao governo. Também os cidadãos comuns têm se expressado mais por meio de blogs, sites e jornais. Isso é importante para gerar um ambiente de mudança no país”, disse o historiador Manuel Cuesta Morúa nesta mesa redonda na Fundação FHC.

Quando no início de 2018, o governo cubano propôs uma reforma na Constituição do país, houve uma surpresa: “Não apenas os críticos de sempre ou dissidentes do regime, mas os cidadãos e diversos grupos sociais passaram a se articular para propor mudanças. Houve mais de 10 mil propostas de eleição direta do presidente e outras sugestões, como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e garantias de liberdade de expressão, associação e reunião. Diante da grande participação popular, o governo se deu conta de que tinha de colocar limites ao debate”, explicou o militante oposicionista e autor do livro “Ensayos progresistas desde Cuba” (CADAL, 2015).

“A nova Constituição é híbrida. Pela primeira vez, o texto fala 56 vezes em direitos humanos e liberdades individuais e coletivas. Também a propriedade privada, estigmatizada desde 1959, foi finalmente reconhecida. Por outro, o regime incorporou à Carta o princípio da irrevocabilidade do socialismo para a eternidade e reafirmou o Partido Comunista como o único partido político legalmente reconhecido em Cuba”, explicou.

E, embora mais de 70% dos cubanos aptos a votar tenham optado pelo ‘sim’ no referendo que aprovou a reforma constitucional, 2 milhões votaram não e 1 milhão não foi às urnas. A população de Cuba é de cerca de 11,5 milhões de pessoas. “A minoria que disse não pode não parecer tão significativa em outros países acostumados com a democracia, mas em Cuba as votações sempre resultaram em 99% de apoio ao governo. Desta vez, o governo teve de aceitar a existência de uma minoria de insatisfeitos”, disse.

Morúa não quis traçar prognósticos paras as mudanças em curso no país, mas destacou que dois artigos da Constituição abrem espaço para maior participação cidadã: “Vamos aproveitá-los para abrir brechas e dar novos passos rumo a uma maior democratização”, concluiu.

Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.