Inovações disruptivas e o futuro do emprego: ameaças e oportunidades
“A inteligência artificial vai melhorar a qualidade dos serviços, não necessariamente eliminar empregos em larga escala a curto prazo”, falou Robert Atkinson, presidente da Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação.
“Isso (retardar a disseminação do uso da inteligência artificial) apenas fará com que parte da população se acomode e se aliene cada vez mais das novas exigências do mercado de trabalho.”
Robert Atkinson, presidente da ITIF (Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação), em Washington DC
“As atuais redes de proteção social não são suficientes para lidar com o aumento expressivo de deslocados do mundo do trabalho e, ao mesmo tempo, a elevação da expectativa de vida, resultando em pessoas desempregadas por muitos e muitos anos.”
Manuel Trajtenberg, professor da Universidade de Tel-Aviv e economista
As frases acima indicam duas perspectivas distintas sobre o tema do seminário “Inovações disruptivas e o futuro do emprego: ameaças e oportunidades”, que a Fundação Fernando Henrique Cardoso realizou com dois renomados especialistas internacionais em tecnologia e inovação; o norte-americano Robert Atkinson, autor do livro “The Story of our Time” considerado um dos pensadores mais importantes do mundo sobre inovação, e o israelense Manuel Trajtenberg, que presidiu o Sistema de Educação Superior de Israel de 2009 a 2014, é membro do Knesset (Parlamento de Israel) e veio ao Brasil a convite da Associação dos Amigos Brasileiros da Universidade de Tel Aviv.
Ambos, no entanto, criticaram visões catastrofistas a respeito das mudanças que a nova onda tecnológica acarretará. Concordaram que existe um relativo exagero nas previsões de que haverá uma perda maciça de postos de trabalho nos próximos anos, substituídos por computadores e máquinas inteligentes, e ressaltaram os ganhos de bem-estar associados à mudança tecnológica.
“A inteligência artificial vai melhorar a qualidade dos serviços, não necessariamente eliminar empregos em larga escala a curto prazo. A evolução tecnológica é gradual e as mudanças no mercado de trabalho sempre foram relativamente lentas”, opinou Atkinson, fundador e presidente da Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação (Information Technology and Innovation Foundation – ITIF), ONG baseada em Washington.
Como exemplo, ele perguntou à plateia se alguém aceitaria que seu filho fosse levado para a escola em um ônibus sem motorista ou pelo menos a presença de um adulto responsável. “A tecnologia para isso já existe, mas imagine a bagunça dentro do ônibus. Você correria esse risco?”, questionou.
Segundo Atkinson, houve uma desaceleração na perda absoluta de ocupações nos EUA entre 2010 e 2015, em termos percentuais e em comparação com as décadas anteriores (desde 1950). Segundo gráfico baseado em estudo da ITIF, nos últimos cinco anos a perda absoluta de ocupações foi de pouco menos de 4%, enquanto entre 1990 e 2000 superou 16% e, entre 2000 e 2010, encostou nos 6%.
Um segundo gráfico mostra que nos últimos 5 anos houve 70% mais empregos criados do que eliminados pela tecnologia. Diferentemente do que diz o senso comum, o saldo seria positivo desde a década de 1950. Para Atkinson, ao promover maior produtividade e eficiência, a tecnologia gera renda, que por sua vez é gasta em outros serviços e produtos, acarretando novos empregos. Veja sua apresentação completa (em PowerPoint) na seção Conteúdos Relacionados (à direita desta página).
A inteligência artificial é uma GPT?
“Uma nova tecnologia é caracterizada como GPT (“General Purpose Technology”) quando ela se espalha por toda a economia, desenvolve-se de forma contínua, sempre inovando, e produz ganhos de produtividade generalizados”, explicou o economista israelense Manuel Trajtenberg. Como exemplos, citou o motor a vapor e a eletricidade, os semicondutores, os computadores, a internet e os smartphones, entre outros.
“Ao simular o processo de decisão e execução de atividades humanas com bons resultados e de forma muito mais rápida e, ao mesmo tempo, possibilitar que as máquinas aprendam constantemente, a inteligência artificial tem sim o potencial de se transformar em uma GPT. Mas este processo ainda é incipiente e levará algum tempo para se tornar realidade”, disse.
Democracias em risco
Apesar de evitarem fazer prognósticos alarmistas, ambos os palestrantes coincidiram que governo e sociedade não podem esperar de braços cruzados e devem trabalhar juntos para evitar que a transição para a “economia da inteligência artificial” resulte em um número excessivo de “derrotados”, colocando em risco até mesmo a democracia em alguns países.
“As atuais redes de proteção social não são suficientes para lidar com o aumento expressivo de deslocados do mundo do trabalho e, ao mesmo tempo, a elevação da expectativa de vida, resultando em pessoas desempregadas por muitos e muitos anos”, alertou o professor da Universidade de Tel Aviv.
“Os cidadãos estão mais impacientes e exigentes em relação ao governo de seus respectivos países, como vimos recentemente com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos ou na Europa (“Brexit” e eleições na França e na Alemanha). Se a divisão entre vencedores e perdedores da tecnologia coincidir com um aprofundamento da divisão política em nossos países, nossas democracias estarão sob perigosa ameaça”, continuou Trajtenberg, que, após uma onda de protestos populares em Israel em 2011, coordenou o Comitê para a Mudança Social e Econômica, apelidado de Comitê Trajtenberg (leia o relatório final em inglês).
O que fazer (e o que não fazer)?
Para Atkinson, de nada adiantará qualquer esforço no sentido de reduzir o ritmo das inovações tecnológicas ou criar impostos sobre o uso de máquinas inteligentes e robôs para garantir um “salário” a todas as pessoas, independentemente de estarem ou não trabalhando. “Isso apenas fará com que parte da população se acomode e se aliene cada vez mais das novas exigências do mercado de trabalho”, afirmou.
Os palestrantes sugeriram algumas medidas para enfrentar o problema:
1 – Uma revolução educacional para o Século 21
O modelo educativo da maioria dos países, baseado em mais anos de estudo e mais horas diárias na escola, está ultrapassado. Também não adianta sobrecarregar as crianças com currículos muito extensos e uniformes, determinados de cima para baixo. A escola deve dar liberdade para que cada aluno faça suas escolhas curriculares e valorizar habilidades e capacidades relevantes para a “economia da inteligência artificial” (mais detalhes abaixo). “Cada pessoa é única e diferente das demais e isso deve ser valorizado através de experimentos em pedagogia desenvolvidos ‘de baixo para cima’, estimulando qualidades pessoais e sociais e repensando tanto o funcionamento da sala de aula como da escola como um todo”, disse Trajtenberg.
2 – Igual oportunidade para todas as crianças
Mais do que uniformizar o ensino, os governos devem garantir que todos as crianças tenham a mesma oportunidade de aprender e desenvolver suas habilidades pessoais e coletivas.
3 – Retreinamento para a inclusão de trabalhadores
É preciso dar àqueles que já estão no mercado a oportunidade de se reciclar por meio de cursos online personalizados, além de dar incentivos fiscais a empresas que oferecerem programas de treinamento. “Não é reduzindo o ritmo da inovação que limitaremos a quantidade de ‘perdedores’, mas sim garantindo que mais pessoas possam participar dos benefícios. A palavra-chave é inclusão”, disse Atkinson.
4 – Valorização de profissões que exijam cuidado humano
Profissões ligadas à área da saúde, assistência social, educação e cuidado com idosos, por exemplo, devem ser valorizadas, com mais formação e treinamento, expondo-as ao uso de ferramentas tecnológicas modernas e oferecendo melhores salários.
5 – Privilegiar o desenvolvimento de tecnologias que trabalhem junto com o ser humano em vez de simplesmente substituí-lo
Quanto maior for a interação entre as inovações tecnológicas e as qualidades intrínsecas ao ser humano, como capacidade analítica e sensibilidade, melhor. A inteligência artificial pode, por exemplo, ajudar no diagnóstico de doenças, resultando em tratamentos mais precoces e eficientes e melhores médicos. Na educação, deve ser usada para acompanhar e medir o desenvolvimento individual das crianças, resultando em melhores estudantes e professores.
6 – Redução de riscos relacionados ao desemprego
Os governos devem encontrar formas de garantir que todos tenham acesso a saúde e seguro-desemprego, reduzindo assim o sofrimento dos que ficarem desempregados.
Características profissionais e pessoais em alta
Além de dominar as novas tecnologias, os trabalhadores do futuro deverão ter um misto de qualidades analíticas, emocionais e interpessoais como:
- Saber selecionar e priorizar informações;
- Pensar de forma crítica e tomar decisões por conta própria;
- Adaptar-se a diferentes situações e culturas;
- Usar diversos conhecimentos e disciplinas para encontrar soluções;
- Saber planejar as tarefas e criar processos;
- Sonhecer-se e confiar em si próprio;
- Desenvolver capacidade de se relacionar e de se comunicar eficientemente;
- Demonstrar empatia;
- Trabalhar em parceria de forma virtual.
Para saber a lista completa das características profissionais e pessoais que serão cada vez mais valorizadas, veja as apresentações feitas pelos palestrantes, disponíveis na seção Conteúdos Relacionados, nesta página à direita.
Um recado para os brasileiros
Por fim, uma dica especial para o Brasil, que ainda tem muito a avançar no que diz respeito à formação de seus jovens e à produtividade de seus trabalhadores:
“As inovações tecnológicas, quando utilizadas de forma inteligente e criativa, possibilitam que alguns países pulem etapas e atinjam novos patamares de desenvolvimento sem ter que, necessariamente, trilhar todo o caminho já percorrido por outras nações mais desenvolvidas. O Brasil pode dar esse salto adiante. Não sei exatamente como fazer isso, pois cada país tem sua realidade, mas este é o maior desafio diante de vocês”, disse Manuel Trajtenberg, cujo país adotivo, Israel, é considerado um dos principais polos de inovação do mundo atual.
Otávio Dias, jornalista, é especializado em questões internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do estadão.com.br e editor-chefe do Brasil Post, parceria entre o Huffington Post e o Grupo Abril.