Iniciativas para uma Amazônia Sustentável: Um diálogo entre Marina Silva e Ilan Goldfajn
Promovido pela Fundação FHC e pelo BID, o debate discutiu o desenvolvimento sustentável do ecossistema mais crítico do Brasil e da América Latina – e de extrema importância para o planeta.
O aquecimento global e a crise climática são uma realidade e a hora de agir nos níveis nacional, regional e internacional para proteger a Amazônia — a maior floresta equatorial do planeta, fundamental para a regulação do clima — é agora. “Vivemos um momento muito importante e precisamos aproveitá-lo porque, talvez, não tenhamos outro tão propício como este para obtermos resultados substantivos na preservação e no desenvolvimento sustentável da Amazônia”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em visita à Fundação FHC.
“Há um claro novo momento para avançarmos na preservação da Amazônia. Falo dos oito países amazônicos e do território da Guiana Francesa, mas principalmente do Brasil e da Colômbia, onde os atuais governos têm se comprometido firmemente com esse objetivo. Fora da região amazônica também há esta visão de que o momento de virar a chave e proteger a floresta é agora”, afirmou Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com 48 países-membros e mais de US$ 23 bilhões de investimentos e mobilizações (dados consolidados de 2021).
Segundo Marina Silva e Ilan Goldfajn — que, a convite da Fundação FHC e do BID, se encontraram em 29 de julho em nossa sede em São Paulo para um diálogo sobre iniciativas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia — existe uma maior conscientização no Brasil, nos demais países amazônicos e em boa parte do mundo desenvolvido e em desenvolvimento de que é necessário manter a Floresta Amazônica em pé, proteger seus rios e sua biodiversidade e, ao mesmo tempo, realizar investimentos e viabilizar alternativas econômicas sustentáveis para melhorar a qualidade de vida e garantir emprego e renda para as 60 milhões de pessoas que vivem na Amazônia.
Além dos dois palestrantes, com histórias de vida e áreas de atuação muito diferentes, mas neste momento com grande potencial de complementaridade, compareceram ao evento cerca de cem pessoas convidadas pelas duas instituições, incluindo ambientalistas, economistas, empresários, representantes do terceiro setor, acadêmicos e jornalistas.
BID quer ser um guarda-chuva de projetos sustentáveis nos oito países amazônicos
“O momento político regional e global para agir é agora. O BID tem como membros 26 países da América Latina e do Caribe e outros 22 países que não são da região. A nova administração que eu represento definiu a Amazônia como prioridade e queremos desempenhar o papel de aproximar as necessidades dos oito países amazônicos com o interesse dos demais países de contribuir com a sua preservação”, disse Goldfajn, primeiro a falar.
O ex-presidente do Banco Central do Brasil salientou que, nos países que compartilham a Amazônia, a crescente conscientização de que é preciso preservar a maior floresta equatorial do mundo vem junto com a percepção de que é fundamental olhar também para as condições sociais e econômicas dos habitantes da região.
“Já temos o diagnóstico: a Amazônia ocupa 40% do território sul-americano, sendo que mais de 60% fica no Brasil; cerca de 40% dos 60 milhões de habitantes da região vivem abaixo da linha de pobreza. Na área social, a maioria das comunidades, na floresta, à beira dos rios, na zona rural e nas cidades, carece de serviços básicos. Na área econômica, a região tem baixo nível de produtividade, muita informalidade e atividades ilegais. Isso tem que mudar”, disse o palestrante.
“No BID, já temos a Iniciativa Amazônica há algum tempo, mas queremos evoluir no sentido de sermos um guarda-chuva de projetos regionais que visem tanto o monitoramento da floresta, dos rios, da biodiversidade e do clima, como também a melhoria das condições sociais, o desenvolvimento de atividades alternativas e a infraestrutura física e digital. O objetivo é somar recursos e coordenar esforços para cuidar do meio ambiente e das pessoas, de maneira integrada e com real impacto”, continuou.
Segundo Goldfajn, esse guarda-chuva que o BID pretende criar terá um lado de financiamento, por meio de doações e empréstimos, e outro de capacitação técnica para formatar os projetos, acompanhá-los e analisar os resultados. O banco de desenvolvimento já tem US$ 430 milhões disponíveis para grants (recursos doados a fundo perdido), mas pretende reunir bilhões de dólares públicos e privados. “Os grants disponíveis são na casa dos milhões, os empréstimos que pretendemos obter são na casa dos bilhões, mas, para que a Amazônia dure para sempre, como propõe a ministra Marina Silva, precisaremos de trilhões de dólares nos próximos anos e décadas”, disse Goldfajn.
“Os recursos públicos são essenciais mas não são ilimitados, assim como os do BID e de outras organizações internacionais. Então vamos precisar de recursos do setor privado para complementar. Podemos desenhar os instrumentos financeiros para garantir que isso aconteça”, disse. Durante o evento, o presidente do BID anunciou o lançamento do programa Amazônia Sempre, segundo ele inspirado pela ministra e ambientalista brasileira.
Goldfajn relatou que, recentemente, o BID auxiliou na troca de parte da dívida pública equatoriana por investimentos do governo na preservação do Arquipélago de Galápagos, tendo como contrapartida metas predefinidas. “Funciona como um prêmio: quando determinados objetivos de ações de defesa do clima e preservação da natureza são alcançados, há uma redução da dívida do país”, disse.
“Também estamos pensando em emitir um bônus amazônico, com garantia do banco. O que o BID quer e pode contribuir é com a priorização e a organização, com um olhar estrutural, financeiro e econômico que busque unir os esforços de todas as iniciativas que já existem e outras que serão desenvolvidas na mesma direção. O nome do jogo a partir de agora é foco, escala e velocidade”, disse.
Ainda segundo o presidente do BID, a Cúpula da Amazônia — iniciativa do presidente Lula para fomentar a cooperação entre os países amazônicos e outros parceiros em prol do desenvolvimento sustentável da região —, que acontecerá em Belém em agosto, será uma oportunidade para trazer doadores públicos e privados de todo o mundo para conhecer a realidade da Amazônia de perto e amealhar mais doações e recursos. “Pretendemos organizar um evento paralelo com possíveis doadores de fora da Amazônia”, disse.
Outra prioridade do Banco Interamericano de Desenvolvimento é colocar seu peso e sua influência para viabilizar a criação de um mercado internacional de créditos de carbono.
O tripé do governo Lula: combate à desigualdade, fortalecimento da democracia e sustentabilidade
Durante sua apresentação, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou que a política ambiental brasileira deve ser transversal, envolvendo não apenas a maioria dos ministérios, órgãos e autarquias do governo federal, como também os estados e municípios, o setor privado, o terceiro setor e toda a sociedade.
“Quando comecei a defender essa ideia há 20 anos, na minha primeira gestão no Meio Ambiente (2003-2008), poucos entendiam. Hoje, 28 dos 37 ministérios do governo Lula e diversos órgãos da administração federal têm ações voltadas para o clima e a sustentabilidade, 19 deles com estruturas bem organizadas. Existe, de fato, um compromisso do governo federal com o enfrentamento da mudança climática”, disse Marina.
A ministra destacou o Plano de Transição Ecológica — que foi anunciado há poucos dias pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e será detalhado em breve — como um exemplo de engajamento do governo Lula no enfrentamento das questões ambiental e climática.
“Outro passo importante foi o recente anúncio do novo Plano Safra Sustentável 1.0, que será a base do financiamento de uma agricultura sustentável de baixo carbono. Não se consegue tornar todo um país ou uma região sustentável em um dia ou um ano, mas a partir de agora teremos um olhar prospectivo. Os recursos federais serão condicionados à sustentabilidade da nossa agricultura e da nossa pecuária e a um portfólio de projetos de baixo carbono”, disse.
De acordo com a ministra, os esforços do Ibama, da Polícia Federal e de outros órgãos envolvidos no combate ao desmatamento ilegal da Amazônia já começam a dar resultado: “Dados ainda preliminares indicam tendência de queda de 30% no desmatamento, em breve dados mais precisos coletados pelo sistema PRODES/INPE devem confirmar isso. Nossa meta é alcançar o desmatamento zero.”
Marina lamentou que, nos últimos anos, o país tenha retrocedido na defesa do meio ambiente. “Já éramos para estar lá na frente. O Brasil havia reduzido o desmatamento ilegal em mais de 80% por quase uma década (no início dos anos 2000), mas durante o governo anterior nos tornamos um pária ambiental. Entre 2003 e 2008, 80% das áreas protegidas do planeta estavam em nosso território, com 25 milhões de hectares em unidades de conservação, uma grande contribuição do país para a proteção da biodiversidade. Estamos de volta para garantir a preservação da Amazônia e de todos os nossos biomas. A decisão política e o compromisso ético fazem a diferença”, afirmou.
“A política do governo Lula se baseia em um tripé, formado pelo combate à desigualdade, pelo fortalecimento da democracia e pela promoção da sustentabilidade. Em uma democracia, a política não deve ser feita ‘para as pessoas’, mas ‘com as pessoas’. É fundamental incluir a comunidade científica e as comunidades tradicionais, os governos em seus diversos níveis, o setor privado, o terceiro setor e todas as forças do espectro político. Dá trabalho, mas é assim que as coisas devem ser construídas para trazerem resultados duradouros”, disse.
Segundo a ministra, a repressão às atividades ilegais não é suficiente, mas é uma obrigação do Estado. “É muito difícil combater as atividades ilegais. É uma ilusão achar que tudo vai se resolver com mais controle e mais repressão. Mas não tem política pública, não tem investimento privado e público que se sustente sem o combate firme e constante à ilegalidade, que faz tudo para inviabilizar os caminhos corretos, éticos e justos”, afirmou.
Marina lembrou que o Brasil tem grandes oportunidades nas áreas de energias renováveis e produção de alimentos. “Podemos receber grandes investimentos para a produção de energias renováveis de terceira geração, como o hidrogênio verde. O mundo precisa de grãos, de proteína? Já temos um agronegócio moderno, tecnológico, competitivo e rentável, mas ainda há setores que funcionam com baixa produtividade e que destroem o meio ambiente. Temos todas as condições de mudar isso e garantir que nosso agronegócio seja respeitado em todo o mundo”, defendeu.
Uma boa quadratura para garantir que a Amazônia fique em pé para sempre
Para a ambientalista, o desafio do Brasil, dos demais países da região amazônica e do mundo é o de “estabelecer uma boa quadratura para mitigar o aquecimento global, incluindo esforços de governos, instituições internacionais, iniciativa privada, setor financeiro, comunidade científica e sociedade civil para que, juntos, tenhamos resultados substantivos no menor tempo possível. Afinal, as consequências trágicas da mudança do clima já batem à nossa porta”.
A ministra destacou a importância do Fundo Amazônia (criado em 2008) como um dos instrumentos mais criativos para receber recursos de outros países destinados a ações de preservação e sustentabilidade da floresta. “Vejo aqui o Joaquim Levy, que, com sua grande experiência no mundo financeiro, me ajudou muito na formatação do Fundo Amazônia, há mais de 15 anos atrás. É um fundo inovador, que infelizmente foi abandonado no governo anterior, mas que está sendo retomado e poderá receber recursos de parceiros de todo o mundo”, disse. Engenheiro e economista, Levy foi secretário do Tesouro Nacional (2003-2006), vice-presidente do BID (2006) e ministro da Fazenda (2015), entre outros cargos importantes.
“Nosso objetivo é priorizar projetos e ações que contribuam para a perenização da floresta, de seus rios e de sua biodiversidade e, ao mesmo tempo, possibilitem que a população amazônica tenha meios de vida adequados. Qual é a agricultura, qual é a pecuária, qual é a pesca, qual é o extrativismo, qual é a indústria, qual é o turismo, qual é a infraestrutura capazes de fazer com que a Amazônia se mantenha em pé e viva para sempre?”, perguntou.
“A diretriz do modelo de desenvolvimento sustentável é uma realidade que se impõe como uma necessidade econômica, política e social para a nossa região e como um imperativo ético para todo o mundo. A Terra é uma só, o que eu faço aqui impacta do outro lado do mundo e vice-versa. Com a participação de todos, é possível mudar o curso do planeta, da humanidade e de todas as formas de vida”, concluiu a ambientalista.
Assista ao vídeo do debate na íntegra.
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Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.