Em que mundo vivemos? Debate sobre o livro de Bernardo Sorj
A obra analisa as complexas relações de complementaridade e de conflito entre democracia e capitalismo.
“Para um autor o livro é o ponto de chegada. Para um leitor é o ponto de partida”, definiu o sociólogo Bernardo Sorj aos convidados Demétrio Magnoli (sociólogo e colunista dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo) e Pérsio Arida (PhD em Economia pelo MIT, ex-presidente do Banco Central e do BNDES e um dos idealizadores do Plano Real). Os três se reuniram neste webinar, realizado pela Fundação FHC, para discutir o novo livro de Sorj, Em que mundo vivemos?, mais recente lançamento da coleção “O Estado da Democracia na América Latina”, co-dirigida por Sorj e Sergio Fausto e publicada pela Plataforma Democrática, iniciativa da Fundação FHC e do Centro Edelstein de Políticas Sociais (RJ), disponível gratuitamente em formato digital.
“Diante das constantes transformações da realidade, o sociólogo pode assumir três atitudes: a de enfatizar o novo, esquecendo a experiência histórica e o conhecimento que ela permitiu acumular, aferrar-se ao velho ou tentar edificar pontes, ou seja, entender o que mudou mas também indicar como o novo se nutre do passado. Minha opção foi a terceira, buscando não deixar a balança pender na direção do passado”, admitiu Sorj ao apresentar os dilemas que enfrentou ao reunir em livro um conjunto de ensaios de sua autoria, majoritariamente inéditos. A pergunta subjacente é se os valores do Iluminismo, que tornaram possíveis os avanços da democracia, ainda são atuais ou se vivemos no limiar de um novo período histórico, marcado pela ascensão de tendências autoritárias no mundo.
Para o autor, a obra é permeada por um sentimento da urgência, provocado pelo contexto brasileiro. Explica que essa urgência decorreu de uma preocupação profunda com o futuro da democracia, que estaria em xeque tanto pelas ameaças colocadas pelo atual governo, como pelas transformações sociais, “que vão da automação, de tecnologias de vigilância e invasão de nossa privacidade, até mudanças climáticas e transformações na ordem geopolítica global”. E lembra que “não existe democracia, existem democracias, no plural. É algo que se mexe, à medida em que vamos avançando”.
Sorj salienta a esperança de que os ensaios que compõem o livro contribuam para uma reflexão coletiva — fundamentada no pluralismo e no confronto de ideias entre todas as tendências de pensamento que, apesar de suas diferenças, valorizam a democracia.
Magnoli: ‘Livro é manifesto político e deve ser lido assim’
Magnoli ressaltou que a obra do sociólogo vai além de discutir as relações entre democracia e capitalismo, “ele trata da tensão que existe entre democracia e capitalismo, e as implicações políticas dessa tensão”. Também destaca o caráter engajado do livro, que “não escolhe entre a reflexão acadêmica e a interjeição política, é também um manifesto político e deve ser lido assim”.
O jornalista trouxe para o debate alguns pontos de discordância, dentre eles o tema do liberalismo, lançando uma provocação: “Será que essa traição dos liberais exige mesmo uma marcha da insensatez (que Bernardo cita no livro)? É mesmo preciso uma marcha da insensatez para que os liberais se curvem a uma direita mais reacionária, nacionalista e ao autoritarismo?”. Arida acrescentou que “na economia há muitas vertentes de liberalismo, e a noção caricatural do liberalismo como defensor do estado mínimo etc. é útil da perspectiva da esquerda, mas não é correta, não abarca o liberalismo contemporâneo”.
Arida: ‘Abrangência extraordinária, senti ausência da China’
O economista elogiou Sorj por trazer ao livro os principais temas que dominam os debates de hoje: neoliberalismo, tensões religiosas, secularização, fake news, ameaças à democracia, governos autoritários, papel dos partidos políticos, meio ambiente, entre outros. “Esta abrangência é extraordinária”, reforçou. No entanto, destacou uma lacuna, indicando um possível caminho para futuras reflexões: “Dentre os temas modernos que aparecem aqui, sinto a ausência da China, o fenômeno mais extraordinário de crescimento da história em um período de 30 ou 40 anos, um exemplo de um capitalismo sem democracia.”
Arida e Magnoli ressaltam que Sorj tem uma abordagem analítica engajada na defesa dos valores do Iluminismo, o que é fundamental. Arida aponta ainda que “a noção de que você pode ter uma postura analítica desengajada é uma noção equivocada”. Para Sorj, “a questão que se coloca é o que pode ser feito para limitar, delimitar, os efeitos mais destrutivos sobre os valores do iluminismo. No livro falo muito sobre a perda de sentido no mundo moderno. Cabe a nós encontrar um sentido, procurar fazer essas pontes com o passado e enfrentar o futuro que está chegando”.
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Isabel Penz, historiadora formada pela USP, é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação FHC.