Economia e geopolítica do mar: Brasil busca na ONU ampliar domínio sobre Atlântico
Recebemos representantes da Marinha, do Ministério das Relações Exteriores e da comunidade científica, atores-chave para o crescimento sustentável da chamada Amazônia Azul.
O Brasil foi um dos países pioneiros em solicitar à Comissão de Limites da Plataforma Continental, órgão criado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982), a extensão do direito de exploração de recursos naturais do Oceano Atlântico para além de sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE), faixa de 200 milhas náuticas diante da costa brasileira. Em 2008, a Comissão da ONU atendeu parcialmente ao pedido do Brasil, ao concordar com a ampliação da chamada Amazônia Azul em 750 mil quilômetros quadrados e solicitou mais informações em relação a outros 190 mil km², também incluídos na solicitação brasileira.
No final de 2018, o Brasil apresentou nova demanda que totaliza 2,1 milhões de km² (incluídos os 190 mil km² pendentes da solicitação anterior), divididos em três áreas do Oceano Atlântico, e aguarda uma decisão por parte da ONU, que pode sair em breve, ainda que parcialmente. “O Brasil é visto como exemplo pelos países que querem legitimar a governança dos oceanos por meio da Convenção sobre o Direito do Mar”, disse o capitão de mar e guerra André Panno Beirão, professor da pós-graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (EGN), no seminário “Economia e geopolítica do mar”, realizado pela Fundação FHC com apoio da Marinha brasileira.
Netuno versus Leviatã
Segundo Beirão, está em curso um “duelo entre Netuno (rei dos mares, segundo a mitologia grega) e Leviatã, representado pelos Estados nacionais. O objetivo desses últimos é obter a primazia na exploração do solo e do subsolo marinho, onde há grandes reservas de minerais raros, ainda pouco conhecidas e estudadas”. De acordo com o especialista, quanto mais poderosa é a nação, econômica, naval e militarmente, menos interesse ela tem na legitimação das plataformas continentais marítimas via ONU, pois assim pode agir livremente mesmo em áreas distantes de seu território/costa.
“Estados Unidos, Japão e algumas potências europeias preferem que os oceanos continuem desregulamentados como foram durante muitos séculos, já o Brasil e alguns outros países têm defendido nos últimos anos a necessidade de regulamentação da exploração do fundo do mar com base na Convenção da ONU”, explicou o diplomata de carreira e chefe da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília.
“Além das 12 milhas náuticas de mar territorial, sob o qual o país tem soberania absoluta, e das 200 milhas náuticas da ZEE, faixa em que temos direito de exploração exclusiva de todos os recursos marinhos, sejam na água, no solo ou no subsolo, a ONU já aceitou a reivindicação brasileira sobre 750 mil km² de plataforma continental, em que o direito de exploração exclusiva se restringe aos recursos presentes no solo e no subsolo”, disse o contra-almirante Sergio Gago Guida, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que reúne diversos ministérios e órgãos federais envolvidos na preservação, gestão e exploração do mar.
“As principais potências do mundo estão de olho nos enormes recursos minerais disponíveis no subsolo marinho, e o Brasil não poderia ficar para trás. Para ter uma ideia da importância de garantirmos o controle sobre a plataforma marítima diante de nosso território, basta dizer que parte do pré-sal está dentro da ZEE brasileira, mas outra parte está fora”, afirmou Guida.
Na vanguarda da exploração em águas profundas
O contra-almirante da Marinha brasileira lembrou que o Brasil está na “vanguarda da exploração (de petróleo e gás) em águas profundas com responsabilidade ambiental” devido à vasta experiência da Petrobras no pós-sal e, mais recentemente, no pré-sal. “A história de sucesso da Petrobras é, sem dúvida, algo que conta a nosso favor em nossos pleitos à Comissão da ONU”, afirmou.
O Brasil solicitou a extensão de sua plataforma marítima em direção a três novas áreas. A primeira, a “Submissão Sul”, corresponde a 170 mil quilômetros quadrados. A segunda, “Ocidental/Meridional”, é a maior das três, com 1,6 milhão de km², e inclui a Elevação do Rio Grande, rica reserva mineral oceânica. A terceira, chamada “Submissão Equatorial”, tem 390 mil km².
“Com o surgimento e a popularização de novas tecnologias, como carros elétricos, usinas eólicas e outras, haverá aumento da demanda por metais raramente encontrados nos depósitos terrestres, mas que, segundo estudos preliminares, são abundantes em áreas do solo e subsolo marítimo que ficam além das ZEEs (Zonas Econômicas Exclusivas). Daí o interesse de países como o Brasil de garantir o controle sobre essas áreas, para impedir que outros as explorem”, disse José Angel Alvares Perez, professor do curso de Oceanografia e do mestrado e doutorado em Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí (SC).
Perez, que estuda a biodiversidade das regiões profundas do Atlântico Sul e os impactos gerados pela pesca e pela extração de recursos minerais, questionou, no entanto, o real interesse e capacidade do país de pesquisar e viabilizar a exploração dessas áreas mais distantes, como a Elevação do Rio Grande. “Grande parte da nossa ZEE continua desconhecida. Não quero que a Elevação do Rio Grande venha para nós para, depois, nos esquecermos dela”, criticou.
Legislação ambiental mais rígida
Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela cátedra UNESCO para a Sustentabilidade dos Oceanos, alertou para os riscos de exploração do subsolo marinho. “A mineração submarina implica em grandes desafios tecnológicos e ambientais, devido à fragilidade desses ecossistemas e ao pouco conhecimento que ainda temos sobre suas características e o impacto que projetos desse tipo teria na vida marinha e nos oceanos”, disse.
“Trata-se de uma atividade permeada de incertezas e que exigirá muita precaução e ponderação. A legislação ambiental e os processos de concessão de exploração precisarão ser reforçados, jamais fragilizados, devido aos grandes riscos envolvidos”, afirmou o oceanógrafo, que propôs o desenvolvimento de um Planejamento Espacial Marinho para detalhar, de forma minuciosa, que tipo de atividade poderá ser realizada, onde e como.
Miguel Marques, líder do Centro de Excelência Global da PwC (PricewaterhouseCoopers) para os Assuntos do Mar, defendeu uma atuação mais ambiciosa por parte do Brasil nas questões relacionadas aos oceanos. “O mundo precisa do Brasil para contrabalançar o impressionante avanço chinês, principalmente, e asiático no domínio dos mares. O Atlântico está perdendo rapidamente importância em relação ao Pacífico e o Brasil tem papel importante em evitar que esse gap se aprofunde ainda mais”, disse o economista português, sócio da PwC Portugal. Marques apresentou recente relatório global da empresa sobre as atividades econômicas relacionadas aos oceanos (veja sua apresentação e a de outros palestrantes na seção Conteúdos Relacionados, à direita desta página).
“A chamada economia do mar não é uma moda passageira. Nosso futuro será retirado dos oceanos, o que exige muita pesquisa, responsabilidade e determinação”, concluiu o empresário José Sampaio de Souza Filho, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Ceará, estado brasileiro que tem buscado articular políticas para o setor.
Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.