Drogas e Segurança Pública: É hora de descriminalizar?
“É a palavra do policial versus a do preso em flagrante, cuja voz é em geral silenciada durante o processo penal que resulta em sua condenação”, alertou o promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Fábio Bechara.
A Lei nº 11.343 (2006), que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, exclui o usuário das punições penais previstas. Na prática, porém, o espírito da lei não produz os efeitos desejados. Falta a definição clara da quantidade de droga que distinguiria o uso pessoal do tráfico de drogas. “Muita gente tem sido presa e condenada pelo porte de pequenas quantidades de cannabis e cocaína”, disse Leandro Piquet, pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas da USP, neste seminário realizado em parceria com o IBCCRIM.
“O foco da repressão policial tem sido no pequeno tráfico, mas o pequeno traficante, ao ser preso, é substituído no dia seguinte. Nesse sentido, a repressão tem se mostrado nula do ponto de vista do funcionamento do mercado ilícito”, disse Luiz Guilherme Paiva, ex-secretário nacional de Política de Drogas do Ministério da Justiça, que sugeriu que o Brasil estude caminhos alternativos como o implementado em Portugal, onde o uso de drogas continua sendo ilegal e o tráfico segue sendo crime, mas o usuário, quando flagrado com uma quantidade de droga até o limite definido em lei, não é enviado para a Justiça criminal e, sim, encaminhado ao sistema de saúde.
A pesquisadora Gorete Marques (Núcleo de Estudos de Violência da USP) apresentou resultados de uma pesquisa que mostra que o testemunho policial é o principal fator para determinar se uma pessoa é usuária ou traficante. “É a palavra do policial versus a do preso em flagrante, cuja voz é em geral silenciada durante o processo penal que resulta em sua condenação”, disse.
“Preocupa-me essa discussão mais rasa, centrada na liberdade individual de cada um usar ou não usar droga, descontextualizada de um cenário mais abrangente. Afinal, o consumo de drogas e o consequente tráfico, pois onde tem mercado (demanda) tem oferta, está intimamente conectado à existência de poderosos crimes organizados, violência, corrupção e lavagem de dinheiro”, disse o promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Fábio Bechara. Segundo Bechara, “muitas iniciativas morrem na aprovação de uma lei sem que, em seguida, haja esforços consistentes para tirá-la do papel”. Em vez de alterar a legislação já existente, tema que enfrenta resistência por parte da maioria da população, com reflexos no Congresso, no Executivo e também no Judiciário, o promotor sugeriu um olhar mais apurado em relação à governança da atual política de drogas, como a instituição de um Sistema Único de Segurança em todo o país.
Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.