Desigualdades sociais no Brasil e no México: um debate sobre diagnósticos e políticas
O que nos ensinam a experiência de Brasil e México a respeito da formulação, formação de apoio político e implementação de políticas públicas para a redução das desigualdades sociais?
Diferentemente do Brasil, que há 30 anos criou o Sistema Unificado de Saúde (SUS), no México o sistema de saúde público atende somente os trabalhadores com empregos formais, que possuem seguridade social. Os que estão na informalidade (cerca de 50% da população) recebem apenas um seguro popular. “O presidente López Obrador (que assumiu o poder no final de 2018) prometeu acabar com o seguro popular e criar o Instituto Nacional de Saúde para o Bem-Estar, mas não está claro de onde virão os recursos nem o que será feito para melhorar a articulação entre governo federal, regiões, estados e municípios”, disse a cientista política Laura Flamand (El Colegio de México), na abertura dessa mesa redonda que analisou políticas sociais dos dois maiores países da América Latina. Segundo a especialista, o México gasta pouco mais de 6% do PIB com saúde, percentual baixo em comparação com outros países; 44% dos gastos com saúde seriam pagos pelas próprias pessoas e não pelo Estado.
O sociólogo Carlos Alba Vega (também do El Colegio de México) apresentou detalhes de uma ampla pesquisa sobre os milhares de ambulantes que trabalham no centro histórico da Cidade do México. Segundo o pesquisador, as mulheres em geral se destacam como líderes e existem muitos vínculos entre a economia formal e informal. Também há estreita relação com os gigantescos mercados de rua da China, de onde vem a maior parte das mercadorias vendidas. “É interessante observar como a globalização também é um fenômeno ‘de baixo para cima’, pois os mercados de rua das grandes cidades estão todos conectados”, disse o coautor de “La globalización desde abajo, la otra economía mundial” (2015).
“Existe uma forte regulação social e política, pois, embora o Estado esteja praticamente ausente, os próprios ambulantes estabelecem regras que devem ser respeitadas ou as consequências serão severas”, concluiu.
“Ao determinar que nenhum cidadão brasileiro deve ser excluído dos serviços de saúde, a Constituição de 1988 trouxe para a cobertura do estado cerca de 60% dos domicílios, antes desatendidos. Trinta anos após a criação do SUS, os maiores desafios são sustentabilidade financeira (agravada pelo envelhecimento da população) e coordenação entre os diversos atores envolvidos (União, Estados, municípios, iniciativa privada e organizações sociais) para oferecer serviços de melhor qualidade”, comentou Marta Arretche, uma das principais estudiosas dos temas da desigualdade e da análise comparada dos sistemas de proteção social.
“As experiências do Brasil e do México na área social dão pistas interessantes para entendermos os dilemas da governança democrática em nossa região. De um lado, há uma demanda crescente por maior igualdade social e melhor cidadania. Por outro, esbarramos nos limites da capacidade de financiamento. Como arbitrar quem ganha e quem perde? Como enfrentar setores encastelados que se apropriam de recursos públicos escassos? Os conflitos distributivos tendem a crescer na América Latina e as instituições democráticas serão testadas”, disse Sergio Fausto, superintendente executivo da Fundação FHC, na conclusão desta mesa redonda que comparou algumas políticas sociais do Brasil e do México.
Otávio Dias, jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. Atualmente é editor de conteúdo da Fundação FHC.