Desafios para o Brasil avançar na restauração ecológica e na redução da mudança climática
Neste debate, conversamos com Paulo Henrique Marostegan e Carneiro, engenheiro florestal que atua no governo federal desde 2005; Priscila Matta, gerente sênior de Sustentabilidade da Natura; e Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor titular da Esalq/USP.
O Brasil se comprometeu, junto à Convenção do Clima das Nações Unidas, a restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2035. A meta é parte de um plano mais amplo para reduzir em até 67% as emissões nacionais de gases de efeito estufa, em comparação com os níveis de 2005. Trata-se de um compromisso crucial frente à emergência climática — e, ao mesmo tempo, uma janela estratégica que pode reposicionar o país como potência ambiental, social e econômica no século 21.
Como transformar essa meta em realidade? Como avançar da intenção para resultados permanentes, com escala adequada à meta? Como fazê-lo de modo a articular desenvolvimento sustentável, inclusão social e inovação? Este foi o foco do debate promovido pela Fundação FHC, que reuniu três especialistas com perspectivas complementares sobre o tema: o engenheiro florestal e professor Ricardo Rodrigues (Esalq/USP e re.green), a antropóloga e gerente de sustentabilidade da Natura, Priscila Matta, e o gestor público Paulo Henrique Carneiro, do ICMBio. A mediação foi de Sergio Fausto, diretor da Fundação FHC.

Os convidados convergiram em quatro ideias centrais: (1) o Brasil tem vantagens únicas para liderar a agenda global de restauração e clima; (2) é possível combinar retorno ambiental, social e econômico com inovação e ciência; 3) falta articulação entre políticas públicas, regulação, segurança jurídica e investimento privado de longo prazo; e (4) a entrada de recursos do setor privado na área florestal é fundamental para que a preservação e a restauração ecológica ganhem a escala necessária.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o valor estimado para restaurar os 12 milhões de hectares de florestas que o Brasil se comprometeu no Acordo de Paris (2015) seria de R$ 200 bilhões (até 2035), soma muito elevada que, diante dos recursos públicos limitados, exige a participação do setor privado. O mercado de créditos de carbono, cuja regulamentação foi sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2024, é um instrumento fundamental para tornar mais atraentes os investimentos em restauração florestal.
Não há um valor consolidado da quantidade de capital privado investido em restauração florestal no Brasil, mas há um aumento significativo no interesse e nos investimentos, tanto do setor público quanto privado. Várias iniciativas e fundos estão sendo criados para impulsionar essa área, com projeções de movimentar bilhões de reais nos próximos anos:
- O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já ultrapassou R$ 650 milhões em investimentos para restauração florestal.
- O Fundo Clima do BNDES destinou R$ 100 milhões para a restauração florestal em parceria com a empresa Mombak.
- O BNDES também liberou R$ 80 milhões do Fundo Clima para a empresa Re.green reflorestar áreas na Amazônia e Mata Atlântica.
- A Salesforce investiu mais de US$ 3 milhões em capital filantrópico no Brasil para conservação e restauração da Mata Atlântica, com planos de dobrar esse valor até 2025.
- Instituições financeiras como o Itaú e a JGP Asset também estão buscando formas de investir e financiar a restauração.
- A Coalizão Brasil para o Financiamento da Restauração e da Bioeconomia busca mobilizar US$ 10 bilhões até 2030.
- O Fundo de Capital Semente de Restauração tem como objetivo aumentar a contribuição do financiamento privado para a restauração florestal.

O papel da ciência e da restauração planejada
Ricardo Rodrigues, professor da Esalq/USP e coordenador do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF), trouxe dados sobre o uso ineficiente da terra no Brasil e sobre os caminhos possíveis para aliar restauração ambiental e desenvolvimento rural. “A expansão da fronteira agrícola no Brasil foi, historicamente, fundamentada no uso do fogo, resultando em um cenário de degradação ambiental generalizada. Porque o fogo não permite nenhum planejamento — nem ambiental, nem agrícola”, alertou. Áreas que deveriam ser protegidas, como as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais, acabaram sendo comprometidas. Ricardo destacou que a maioria das propriedades rurais brasileiras apresenta algum tipo de irregularidade ambiental, fruto dessa lógica de ocupação sem planejamento.
Apesar de ser o maior exportador de carne do mundo, o Brasil ocupa apenas a 21ª posição em produtividade pecuária. “Dois terços da terra agrícola do Brasil são usados para uma pecuária de baixa produtividade, que não gera retorno econômico significativo”, explicou. Apenas 9% do território nacional estão ocupados por agricultura intensiva. Isso significa que há milhões de hectares de pastagens degradadas e áreas de baixa aptidão agrícola que poderiam ser convertidas em florestas ou em sistemas produtivos sustentáveis.
“O nosso grande programa deveria ser a tecnificação da pecuária. Só isso já liberaria uma enorme área para a restauração florestal.” Segundo ele, investir em eficiência produtiva é uma estratégia muito mais inteligente — e compatível com os compromissos ambientais do país — do que continuar expandindo a fronteira agropecuária por meio das queimadas e do desmatamento.
Ricardo também apresentou a experiência da re.green, empresa que atua na restauração ecológica em larga escala com base em ciência e tecnologia e busca obter lucro com a venda de créditos de carbono. A meta é transformar 1 milhão de hectares de pastos degradados em floresta, com o potencial de capturar 15 milhões de toneladas de carbono.
A re.green utiliza drones para o diagnóstico, a operação (como a semeadura direta) e o monitoramento das áreas em restauração, combinando inovação tecnológica com o rigor científico. “A tecnologia por si só não garante o sucesso da restauração; o monitoramento e o manejo são cruciais”, enfatizou Ricardo, que integra o conselho técnico da re.green.
O professor da Esalq/USP reforçou que restaurar e produzir não são caminhos opostos. Ao contrário: quando bem planejada, a restauração melhora a qualidade do solo, a regulação hídrica e a produtividade. “Na Esalq, restauramos áreas e dobramos a produção de alimentos. A restauração bem feita colabora com a segurança alimentar.” Para ele, o Brasil tem uma oportunidade única: “Não precisamos derrubar uma única árvore sequer para continuar produzindo. Temos área, ciência e capacidade para fazer diferente — e melhor.”
Floresta em pé como ativo estratégico: a experiência da Natura
Com formação em Antropologia e mais de 18 anos de experiência na Natura, Priscila Matta apresentou a perspectiva da empresa sobre restauração e sustentabilidade, com foco principal na Amazônia.
Desde 1969, a Natura tem como premissa central encarar os desafios socioambientais como oportunidades de negócio. Ela depende diretamente da biodiversidade. Seu modelo de cosméticos é baseado em ingredientes naturais e vegetais — 96% dos produtos da empresa são feitos com esses ingredientes..
Embora atue também em outros biomas, a empresa concentra seus esforços na região amazônica, que considera uma plataforma de inovação. O objetivo é promover o uso sustentável da biodiversidade local. “Isso é feito em parceria com comunidades locais, unindo conhecimento científico e tradicional e valorizando um patrimônio cultural e social, para gerar economia”, explicou.
Ela destacou que, além de desenvolver insumos naturais, a Natura atua na restauração de áreas degradadas por meio de sistemas agroflorestais, REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) e serviços ambientais. “Só em 2023, alocamos R$ 48 milhões em comunidades da Amazônia. Com esses recursos, é possível gerar renda, atrair jovens para o campo e manter a floresta em pé”, afirmou.
Assim como Ricardo, a antropóloga afirmou que, em primeiro lugar, é fundamental conservar as florestas existentes, pois restaurar é muito mais caro — e não se atinge, em uma floresta restaurada, a mesma biodiversidade nem os mesmos serviços ambientais existentes em uma floresta nativa remanescente.
Priscila enfatizou a necessidade de mudar o discurso no Brasil para que a população enxergue a floresta em pé como um ativo e não um passivo econômico. A Natura, reiterou, enxerga os “desafios socioambientais como oportunidade de negócio”.
Segundo Priscila, o grande desafio é alinhar políticas públicas, investimento privado e ciência aplicada. Por atuar em diversas frentes — do financiamento à regularização fundiária — a empresa percebe a necessidade de maior conexão entre os atores públicos e privados, incluída a comunidade local. Ela acredita que a COP 30 é uma oportunidade para mostrar casos práticos de sucesso e convencer o cidadão comum do valor econômico da preservação da natureza.

O papel das políticas públicas
Paulo Henrique Carneiro, que atua no sistema federal de conservação desde 2005, incluindo passagens pelo Ibama, Serviço Florestal Brasileiro e Instituto Chico Mendes (ICMBio), do qual foi presidente entre 2018 e 2019, abordou o tema do seminário da perspectiva do governo federal. Ressaltou a dificuldade financeira que esses órgãos têm para enfrentar os desafios de preservar e restaurar o meio ambiente num país de território imenso e biomas sensíveis.
“Precisamos mudar o nosso modelo produtivo. Às vezes, olhamos para o agronegócio e enxergamos exemplos de tecnificação e alta produtividade, mas é preciso olhar o setor como um todo. Temos que entender o que está acontecendo nos territórios e, sim, intervir com políticas públicas e assistência técnica”, propôs o engenheiro florestal.
Segundo Carneiro, cerca de 40% do território brasileiro — o equivalente a aproximadamente 330 milhões de hectares — é composto por terras públicas, concentradas principalmente na região Norte do país. E aproximadamente 55 milhões desses hectares ainda não foram destinados formalmente, o que favorece a grilagem, o desmatamento ilegal e a insegurança jurídica para a implementação de projetos de restauração.
Carneiro também ressaltou a importância da rastreabilidade como instrumento para fortalecer cadeias produtivas sustentáveis e garantir escolhas mais conscientes por parte dos consumidores. “É fundamental que, como consumidores, a gente saiba identificar e escolher produtos com procedência confirmada — que sejam produzidos de forma viável e socialmente justa.”
Apesar do potencial, os mecanismos de financiamento público hoje disponíveis ainda são limitados. A maior parte dos recursos que chegam ao ICMBio é oriunda de doações. Há também outras fontes, como obrigações judiciais (por exemplo, conversão de multas) e compensações ambientais. No entanto, esses instrumentos frequentemente não garantem a continuidade e a manutenção de longo prazo dos projetos, já que muitos têm duração limitada.
Entre os exemplos mencionados, está o fundo Floresta Viva, uma iniciativa do BNDES que opera em modelo de match fund — cada real aportado por um parceiro privado é igualado por um real do banco público. Mesmo assim, o fundo conta atualmente com cerca de R$ 800 milhões para investir em restauração — um valor que, como observou Sergio Fausto, contrasta fortemente com a meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares. “As ferramentas que a gente tem hoje não são suficientes para atender o tamanho da demanda que a gente tem”, reconheceu Paulo Henrique.
Nesse contexto, as concessões florestais surgem como um mecanismo promissor, especialmente após a modificação da legislação em 2023, que conferiu mais segurança jurídica para a concessão de áreas voltadas à restauração. Seria uma forma de atrair recursos privados para a conservação das florestas.
Por fim, Paulo Henrique destacou o potencial do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016) como caminho para que o ICMBio possa firmar arranjos de parceria tripartite. Esses arranjos permitiriam que a receita gerada pelas atividades retornasse diretamente para as unidades de conservação, superando o problema atual em que os recursos arrecadados vão para a conta única da União e não voltam às áreas onde foram gerados. Esse modelo poderia incentivar as unidades de conservação a se mobilizar em busca de parcerias e assim fortalecer o seu financiamento de forma duradoura.
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Assista também ao episódio ‘Como o Brasil pode se tornar uma potência agroambiental’, da série Ponto a Ponto, com Marcello Brito e Ricardo Rodrigues.
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Isabel Penz é historiadora (FFLCH-USP) e mestre em comunicação (Universitat Pompeu Fabra/Espanha). É analista de Estudos e Debates na Fundação FHC.