Debates
15 de junho de 2020

Crescimento sustentado pós-pandemia: os desafios da recuperação verde

“Não queremos reconstruir o que não estava dando certo, queremos uma nova economia que parta do pressuposto básico do combate às mudanças climáticas”, disse Rachel Biderman, diretora da World Resources Institute Brasil, neste evento on-line.

Neste webinar, Joaquim Levy, economista e ex- ministro da Fazenda, Rachel Biderman, diretora da World Resources Institute Brasil (WRI), e Randolfe Rodrigues, senador da República (REDE/AP), conversaram sobre a retomada do crescimento econômico de forma sustentável no futuro. Segundo Biderman: “Não queremos reconstruir o que não estava dando certo, queremos uma nova economia que parta do pressuposto básico do combate às mudanças climáticas”. O Brasil é capaz de fazer diferente e o capital para isso existe: as oportunidades foram apontadas neste evento em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). 

 

O coronavírus e a busca de soluções para o futuro

A pandemia do Covid-19 representou um choque socioeconômico para o Brasil e o mundo. Além de terem que lidar com o desconhecido na saúde pública, os países vivem uma recessão econômica que se desdobra em outras mazelas sociais. Segundo Rachel Biderman, “Estamos com o maior desafio que a humanidade já enfrentou sem dúvida nenhuma. Os números que vêm sendo apresentados pelo FMI e pelo Banco Mundial e os estudos aqui sobre o Brasil demonstram uma grande recessão, ou até mesmo uma depressão, algo que a gente só viveu na grande depressão de 1929. Sair desse desafio e não cair no imobilismo é fundamental.”

Existem diferentes opções de saída para a crise econômica e uma delas é a recuperação verde. Seu princípio básico é gerar crescimento econômico e criar empregos a partir de uma mudança nas bases da economia, incentivando áreas e projetos que contribuam para um desenvolvimento sustentável e para o combate das mudanças climáticas.

Recuperar a economia respeitando o meio ambiente significa também a prevenção de futuras pandemias. Segundo Randolfe Rodrigues, “60% das doenças infecciosas da humanidade e 75% das doenças emergentes têm origem zoonótica. Ou seja, são resultado da interação humana com as outras espécies. (…) Nos últimos anos devido à ampliação da destruição dos ecossistemas esse tipo de doença começou a surgir mais.” Ou seja, existe uma relação entre impacto ambiental e o surgimento de novas doenças. Para o senador, a pandemia escancarou a necessidade de olhar para as questões ambientais e seus impactos no presente e não algo cujas consequências serão vividas no futuro: “O que estamos vivendo nos prova que o meio ambiente não é só um ativo para as gerações futuras, mas para a atualidade”, disse. Biderman acrescentou que a economia climática é inclusive mais vantajosa economicamente e do ponto de vista social.

Os rumos tomados pelos países e pelo Brasil na recuperação econômica pós-pandemia podem forjar uma economia mais sustentável a longo prazo. Mas como fazer isso? Os debatedores relataram diversas oportunidades para o Brasil:

Investimento

A primeira questão trazida no webinar foi a disponibilidade de recursos, internacionais e nacionais, para o investimento em projetos sustentáveis. A diretora executiva do World Resources Institute (WRI) Brasil citou alguns exemplos de investidores: “grandes fundos soberanos de países como a Noruega, fundos ligados aos valores de sustentabilidade, investidores institucionais de grupos de mudanças climáticas”. Segundo ela, cerca de 4 trilhões de dólares estão disponíveis no mundo para uma transição de carteira em investimentos de emissão líquida zero carbono. O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy concordou: “O capital existe, se criarmos as condições adequadas, não tenho a menor dúvida de que ele vai entrar.” Para atrair esses investimentos para o Brasil, “o país precisa provar que está focado em sustentabilidade: humana, social, econômica, ambiental, entre outras”, afirmou Rachel, doutora em Administração Pública e Governo (FGV-SP).

Para Levy, uma possibilidade concreta de investimento no Brasil é o setor de saneamento, cuja melhoria teria forte impacto na qualidade de vida das pessoas e reduziria uma fonte de poluição ambiental. “O investidor brasileiro quer sair da dívida pública, da Selic, que está rendendo menos, e busca outras opções para investir. Então se você abrir o setor de saneamento, que existe no Brasil inteiro e onde podem atuar companhias brasileiras, para as pessoas se tornarem sócias ou tomarem dívidas de companhias que implantem novos projetos ao redor do Brasil, isso traz desenvolvimento, cria empregos imediatamente e nos cria ativos extremamente valiosos para continuar nosso processo de crescimento.” O ex-CFO do Banco Mundial ainda citou como setor de investimento a produção de gás sem emissão de carbono.

Biderman elencou outros setores que representam oportunidades para o investimento verde no país: infraestrutura com sustentabilidade e equilíbrio das contas públicas, energia (solar, eólica, biocombustíveis e etanol de segunda geração), transporte (ônibus elétricos nos grandes centros urbanos) e construção (cimento).

Atuação subnacional

Um grande pacto pela retomada sustentável depende da atuação a nível nacional, com liderança do executivo e do legislativo para sinalizar incentivos domésticos e internacionais necessários à mudança de rumo. Contudo, os estados também podem agir em prol de uma nova economia. 

Joaquim Levy apontou como possibilidade o uso das compensações ambientais em empreendimentos com impacto ambiental. Segundo ele, as compensações correspondem a 0,5% do valor dos projetos, mas não são bem utilizadas na maioria dos estados, que não possuem marco jurídico claro e tampouco boa governança. “Em alguns estados isso existe e faz uma enorme diferença, pode ser usado para recuperação ambiental, regeneração de florestas”, disse.

Outro exemplo é a implementação de um ICMS Verde: “os estados podem criar estímulos para os municípios não só realizarem a preservação ambiental, mas também investirem no tratamento de resíduos sólidos, por exemplo”, afirmou o ex-estrategista chefe e CEO da BRAM-Bradesco asset management.

Amazônia

Uma região importante para a discussão da retomada verde no Brasil é a Amazônia, dado que “o problema do Brasil é que a maior parte das nossas emissões não acrescentam nada ao PIB. São da mudança do uso da terra, desmatamento e pecuária, que correspondem a 70% das nossas emissões”, conforme afirmou o ex-ministro Joaquim Levy.

Segundo ele, “a gente só vai conseguir proteger a Amazônia se tivermos um modelo de desenvolvimento que dê condições de progresso e qualidade de vida às 25 milhões de pessoas que vivem na região, sem desmatamento.” 

O senador do Amapá Randolfe Rodrigues ressaltou que, deste total de habitantes da região, “18 milhões se encontram em 9 cidades (…) e essa população que vive nas zonas urbanas e periurbanas precisa ser convencida do valor da floresta em pé para que ela seja mantida.”

Para isso, Randolfe, bacharel em Direito e mestre em Políticas Públicas (UFCE), citou como saída possível para a região o desenvolvimento econômico a partir de atividades sustentáveis propostas no Projeto Amazônia 4.0, desenvolvido pelo climatologista Carlos Nobre. Um exemplo seria o investimento em produtos que podem ser retirados mantendo a floresta em pé: “O açaí gera uma receita anual de 1 bilhão de dólares. Imagina o açaí aplicado a outros produtos: o cupuaçu e outros frutos ainda não conhecidos podem ser usados inclusive na indústria farmacêutica e de cosméticos”, relatou o líder da oposição no Senado. “Há um espaço enorme a partir da economia da floresta para a geração de novos empregos”, concluiu.

Inserção da pauta na reforma tributária

Outra estratégia relevante para a retomada verde tem sido a inserção de incentivos ambientais na discussão da reforma tributária no Congresso. De acordo com o senador Rodrigues, uma possibilidade é a criação de um fundo a partir da unificação de impostos no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em que inicialmente 0,5% até 1,5% dos recursos arrecadados sejam distribuídos para os municípios seguindo critérios como: áreas ocupadas por populações indígenas e vegetação nativa; acesso da população ao serviço de água e esgotamento sanitário; e correta destinação dos resíduos sólidos.

Ademais, Randolfe citou proposta no “âmbito dos fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-oeste, para incluir critérios para priorizar distribuição dos recursos para ações de preservação do meio ambiente, combate ao desmatamento ilegal, recuperação de áreas desmatadas, implantação de sistemas agroflorestais e de desenvolvimento sustentável”.

Segundo Joaquim Levy, “o Congresso tem tido uma função importante para abrir espaço para capital nacional e internacional para esses investimentos [verdes]”.

A atuação do Brasil e seu papel no mundo

O Brasil já teve papel importante no cenário internacional no tema do meio ambiente. A existência de maior parte da floresta amazônica e de uma grande parte das reservas de água doce do mundo em nosso território também contribui para nossa centralidade na discussão do futuro do clima. “Nós tivemos ao longo dos anos enormes avanços na questão ambiental e um protagonismo global por parte do Brasil em diferentes governos desde a redemocratização”, disse Randolfe Rodrigues. De acordo com Joaquim Levy, “as emissões de combustíveis fósseis no Brasil são baixas comparadas a países em desenvolvimento. Isso se explica em grande parte pela presença das energias renováveis, hidrelétricas, biocombustíveis e eólica. Quase toda a nossa eletricidade é sustentável.” Apesar das políticas favoráveis à energia renovável, “o Brasil está entre os 10 maiores emissores de gases do efeito estufa”, alertou Rachel Biderman.

Para saber mais sobre os acontecimentos da Política Ambiental entre 1985 e 2018, conheça a Linha do Tempo sobre Política Ambiental, um projeto recém-lançado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso sobre a evolução da democracia e dos direitos no Brasil.

A despeito dos compromissos e do protagonismo brasileiro que vinha sendo construído no mundo na temática ambiental, “hoje vivemos retrocessos. O nosso papel na última Conferência do Clima foi deprimente. Em todas as anteriores, participamos da solução do problema e nessa Conferência nós participamos da ampliação do problema. (…) A atuação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem sido contrária ao Acordo de Paris e ao que foi estabelecido nas Conferências do Clima anteriores”, afirmou o senador Randolfe.

Em sua exposição, Rodrigues elencou algumas dessas medidas tomadas pelo MMA: enfraquecimento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas e do Departamento de Combate ao Desmatamento.

De acordo com Biderman, a falta de compromisso do poder executivo não ajuda a atrair os recursos necessários para mudanças a favor da retomada verde: “Temos uma dificuldade de atrair o investimento hoje no Brasil, há uma insegurança. É importante seguirmos uma rota de estabilização”, disse. Essa rota inclui, segundo ela, evitar o lockin, que “no jargão dos climáticos significa travar a economia brasileira no modelo da economia de alta emissão de carbono. Para isso, precisamos retirar da nossa prioridade os combustíveis fósseis, eliminar o desmatamento nos níveis atuais e incorporar na área de infraestrutura soluções mais verdes”.

Sair da crise econômica gerada pela crise sanitária é possível. Sair dela em direção a um país mais sustentável, comprometido com valores sociais e ambientais também. Nas palavras de Rachel: “Nós temos como fazer diferente, já sabemos a receita, mas precisamos da injeção de recursos e vontade política”. “O crescimento sustentável não parece mais um objetivo a ser alcançado, é um imperativo global, inclusive para o Brasil se incluir economicamente na nova economia”, concluiu Randolfe Rodrigues.

Beatriz Kipnis, mestre e bacharel em Administração Pública e Governo (FGV-SP), é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação Fernando Henrique Cardoso.