Debates
10 de dezembro de 2015

Como remover os obstáculos ao investimento privado?

“Hoje a ideia predominante é a de que quanto mais poder tiver o Estado, mais seguro ele estará ao realizar licitações e concessões. É um equívoco. A lei deve buscar o equilíbrio entre os interesses dos setores público e privado”, falou o senador Antonio Anastasia.

O maior obstáculo às tão necessárias obras de infraestrutura no Brasil é a desconfiança do Estado, incluindo os três poderes da República, e da própria sociedade em relação à iniciativa privada, disse o senador Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador de Minas Gerais.

Esta desconfiança se reflete diretamente no ordenamento jurídico, nas regras e nos processos de concessão e licitação, travando o investimento privado em obras de infraestrutura. “Há uma desconfiança intrínseca em relação à competição. Onisciente e onipresente, o governo quer definir o retorno dos investimentos de um escritório em Brasília”, disse João Manoel Pinho de Mello, formado em administração pública pela FGV-SP, com PhD em Economia pela Stanford University (Califórnia, EUA).

“Hoje a ideia predominante é a de que quanto mais poder tiver o Estado, mais seguro ele estará ao realizar licitações e concessões. É um equívoco. A lei deve buscar o equilíbrio entre os interesses dos setores público e privado”, defendeu Anastasia durante o debate “Remoção de obstáculos ao investimento em infraestrutura”, realizado pela Fundação FHC.

De acordo com o senador, ao tentar reduzir os ganhos do setor privado com uma “canetada” — como na tentativa fracassada de reduzir as tarifas de energia elétrica durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff —, o governo leva o setor privado a ter receio de investir.

Desde várias décadas atrás, mas em especial diante da atual crise, o Estado brasileiro em seus diversos níveis não tem recursos disponíveis para investir por conta própria em estradas, portos, aeroportos e outros projetos de infraestrutura essenciais para a melhora da produtividade, a redução do Custo Brasil e a aceleração do desenvolvimento. Por isso, precisa contar com recursos privados que, no entanto, não vêm de graça.

“A parceria entre os setores público e privado só dá certo se houver um ambiente propício, tanto do ponto de vista cultural quanto normativo”, afirmou o ex-governador. Entre as várias pedras no caminho, destacam-se a incerteza jurídica e o Direito Administrativo brasileiro, pouco propício a estimular novas formas de cooperação entre Estado e setor privado.

Existem no momento diversas iniciativas importantes, no Congresso e no Executivo, que visam melhorar a regulação pública da atuação de empresas privadas na área de infraestrutura, entre elas o Projeto de Lei 349/2015, de autoria do senador mineiro sob orientação do professor Carlos Ary Sundfeld, professor da Escola de Direito da FGV-SP e também palestrante no seminário. O projeto  prevê a inclusão de disposições sobre segurança jurídica, transparência e eficiência na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.

Outros projetos importantes são o chamado PPP+, apresentado por uma comissão de especialistas convocada pelo ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, da qual o próprio Carlos Ary fez parte, e o Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais, em estudo por uma comissão presidida pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), entre outros.

Dinheiro jogado no lixo

Um exemplo do fracasso brasileiro em desenvolver uma infraestrutura adequada é o alto valor do frete de grãos do Mato Grosso para a China, que pode chegar a US$ 190 por tonelada. Já o frete da Argentina e dos EUA para o país asiático custa US$ 100 e US$ 75, respectivamente. “Isso é dinheiro jogado no lixo”, disse João Manoel Pinho de Mello, professor titular do Insper.

Segundo o economista, o melhor mecanismo de definição de preços durante um processo de licitação ou concessão é o leilão: “É preciso confiar na competição.” Do contrário, o resultado são concessões de qualidade duvidosa, com preços abaixo ou acima do custo. A falta de transparência também facilita a formação de cartéis. “A autoridade pública deve calcular a taxa de retorno que considera mais adequada, mas não deve divulgá-la antes do leilão para não viciar o processo”, disse.

Para Sundfeld, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, não cabe ao governo tentar determinar quem serão os vencedores de um leilão, ainda que a intenção seja boa. “A boa intenção com frequência resulta em escândalos de corrupção. Por isso, a lei deve proibir o Estado de direcionar concessões”, afirmou.

Controlar os órgãos de controle

De acordo com os participantes do evento, os órgãos de controle do Estado, incluindo os Tribunais de Conta e o Ministério Público, assim como as várias instâncias do Poder Judiciário, precisam agir com mais responsabilidade ao analisar projetos de infraestrutura.

“O controle deve ser rígido na fase de estruturação e planejamento, mas o que vemos com frequência é a interrupção de obras quando elas já estão em andamento, causando grandes prejuízos”, afirmou Carlos Sundfeld, autor do livro Direito Administrativo para Céticos (segunda edição, 2014, ed. Malheiros).

“A Lei de Introdução ao Direito Brasileiro deve obrigar os controladores a agir com mais racionalidade, controlando os controles. Quando é necessário interromper uma obra, eles devem apresentar alternativas realistas”, afirmou.

Segundo os palestrantes, os diversos órgãos de jurisdição nacional, estadual e municipal, muitas vezes refratários ao investimento privado, também agem sem integração, tomando decisões contraditórias. “A legislação estimula o conflito entre os diversos órgãos do Judiciário e os Tribunais de Conta da União, dos Estados e dos Municípios”, disse Sundfeld.

Entre outras medidas sugeridas para estimular o investimento em infraestrutura estão:

  • Prazos mais curtos para o licenciamento ambiental sair;
  • Fomentar o mercado de capitais de longo prazo, pois não será mais possível recorrer ao  BNDES para financiar todos os investimentos;
  • Maior transparência e eficiência na realização dos contratos para evitar aumento de valores no decorrer da obra;
  • Mais competição e menos conflitos;
  • O poder público deve ter mais instrumentos para combater os cartéis;
  • Eliminar barreiras burocráticas.

Otávio Dias, jornalista, é especializado em política e assuntos internacionais. Foi correspondente da Folha em Londres, editor do site estadao.com.br e editor-chefe do Huffington Post no Brasil.