Debates
25 de agosto de 2025

Ciclo Meio Ambiente e Desenvolvimento: O agronegócio no campo e no Congresso

Este debate, promovido pela Fundação FHC e pelo Instituto Arapyaú, discutiu os desafios do setor tanto na heterogênea realidade do campo como na sua representação política, responsável pela projeção de sua imagem no Brasil e no exterior.

Ao abrir o evento, com a primeira mesa “Agro e clima: a aplicação da ciência na realidade do campo”, Ludmila Rattis, cientista do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), apresentou mapas que apontam para a acelerada desertificação da região do Matopiba, uma grande área agrícola nas fronteiras do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, em consequência do aquecimento global.

“Se fosse um país, o Matopiba seria o terceiro maior produtor de grãos do mundo. Atualmente, 35% das fazendas já estão fora do ideal climático e enfrentam quebras de safra. No cenário otimista, cerca de 80% das propriedades terão falta de água até o final do século. Estamos caminhando para uma situação de seca que não sabemos como será. Não será uma savana, que é um lugar muito rico em biodiversidade, mas algo mais seco e inóspito do que a caatinga”, disse Ludmilla.

Para a doutora em ecologia e professora da Fundação Dom Cabral, para reverter esse processo será necessário proteger as florestas que continuam em pé e fazer a transição para a agricultura regenerativa –  sistema agrícola que, em vez de apenas preservar, visa revitalizar e melhorar ativamente a saúde do solo, da água e da biodiversidade. Busca recuperar ecossistemas degradados através de práticas que promovem o sequestro de carbono, a conservação de água e o aumento da resistência a mudanças climáticas, tornando a produção agrícola mais sustentável e resiliente. 

A cientista Ludmila Rattis em debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Essa realidade contrasta com a percepção de uma maioria conservadora, bem representada e articulada no Congresso. Para a  maioria dos políticos de centro direita e direita, as questões climática e ambiental são associadas à esquerda e a uma “agenda do não pode”, que dificulta o desenvolvimento do país, disse a cientista política Mônica Sodré, diretora executiva da recém-criada Meridiana, que se define como “uma organização brasileira de inteligência política que apoia tomadores de decisão na conexão entre natureza e desenvolvimento econômico”. 

Para Mônica, em vez de continuar a bater na tecla dos repetidos alertas de catástrofe ambiental, a melhor maneira de avançar rumo à descarbonização seria por meio de um programa bem estruturado de projetos e investimentos que, ao mesmo tempo, torne o agronegócio menos emissor de CO2, mais eficiente e mais produtivo.

“Falar de clima com tomadores de decisão no Parlamento e em outras esferas da política e da economia pelo lado do ‘vai secar’, ‘vai encher’, ‘o PIB vai cair’, é um jeito ruim de começar a conversa. Desengaja em vez de engajar. A agenda climática-ambiental é cada vez mais uma agenda de desenvolvimento econômico e social”,  reiterou Sodré. “Não dá para tratar o agronegócio, cuja relevância só cresce, como problema, ele tem que ser parte fundamental das soluções que levem o Brasil a atingir suas metas de descarbonização.”

Caio Pompeia e Mônica Sodré em debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

As diversas correntes do agronegócio

“Ainda há quem tente dividir os atores do agronegócio em dois campos, um mais atrasado que não reconhece a importância de preservar o meio ambiente, e outro mais moderno, avançado, de olho no futuro. Identifico pelo menos quatro correntes, que se aproximam ou se distanciam a depender da situação e do momento”, disse Caio Pompeia, professor do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que participou da segunda mesa do seminário, intitulada “Do Campo à Política: a representação do agronegócio no Congresso”, ao lado de Mônica Sodré. 

“Elas vão de correntes que negam as mudanças climáticas, desprezam os direitos indígenas e favorecem o enfraquecimento da legislação e dos órgãos ambientais, congregadas na antiga UDR, até correntes que apostam na compatibilização entre o desenvolvimento produtivo e a proteção do meio ambiente, a exemplo da Coalizão Clima, Florestas e Agriculturas, passando correntes intermediárias que oscilam entre os dois polos. Nesse processo, ora  preponderam as forças de fissão (dispersão), ora  as forças de fusão (unificação)”, explicou Caio.

Segundo o pesquisador com passagens pelas Universidades Harvard (EUA) e Oxford (Reino Unido), a força da Frente Parlamentar do Agronegócio não vem apenas da soma dos votos de que dispõe no Congresso, mas da capacidade de incidir sobre o debate na sociedade. Para tanto, conta com a retaguarda do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), que reúne seis dezenas de entidades ligadas ao agro, não apenas dos produtores rurais, mas também das indústrias e do setor de serviços, subsidia o setor com informações e pesquisas, administra conflitos e promove convergências. “O agronegócio brasileiro é rural e urbano. São vários agros, mas também pode ser um”, disse. Em nome da unidade, observou Pompeia, é frequente os setores mais modernos cederem aos mais atrasados em votações sobre temas críticos para o meio ambiente.

Caio Pompeia, Mônica Sodré e Sergio Fausto em debate na Fundação FHC –
Foto: Vinicius Doti

Paragominas trocou desmatamento por agropecuária consciente 

A relação de forças entre os correntes do agro não é estática. Exemplo disso foi dado pela  presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas (Pará), Maxiely Scaramussa Bergamin, que relatou a transformação ocorrida no município desde 2008, quando o governo federal lançou a Operação Arco de Fogo, com vistas a  combater o desmatamento na Amazônia. 

“Até 2008, éramos o município com a segunda maior quantidade de madeireiras do mundo. Veio o Programa Arco de Fogo, que nos obrigou a encerrar aquele ciclo e iniciar um novo, o da agropecuária. Temos hoje 300 mil hectares destinados ao plantio de grãos com três safras anuais, e um rebanho de 350 mil cabeças. Em menos de duas décadas, mostramos que uma agricultura e uma pecuária bem pensadas e trabalhadas podem trazer benefícios para toda a sociedade”, contou a diretora da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará.

Paragominas conseguiu zerar as invasões de terras e tem 80% de sua área devidamente registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), como determina o Código Florestal. “A igualdade entre produtores pequenos, médios e grandes é um dos pilares do modelo bem-sucedido de Paragominas. Também buscamos valorizar as lideranças femininas no campo, que, por meio do projeto Rural Delas, passaram a trocar informações, experiências e a trabalhar em rede, tornando-se protagonistas do agronegócio local”, disse Maxiely.

Maxiely Scaramussa Bergamin em debate na Fundação FHC – Foto: Vinicius Doti

Dificuldade política para avançar

“O agronegócio brasileiro tem qualidade, tem ciência, tem inovação. Mas no campo político ainda temos um caminho enorme a caminhar. Hoje temos lideranças monotemáticas tanto no campo ambiental como no agrícola, que repetem sempre as mesmas coisas, como no agrícola, caracterizado por um ufanismo exagerado”, afirmou Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio dos Estados da Amazônia Legal.

“Vivemos um processo autofágico em que a sociedade e seus representantes são incapazes de analisar, com base na ciência e na racionalidade, processos de mitigação e compensação dos impactos da emergência climática e o que precisa ser feito para garantir as condições para o desenvolvimento sustentável do país”, concluiu o professor e coordenador do Centro Global Agroambiental, da Fundação Dom Cabral.


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Veja como foram os debates:

Desafios para o Brasil avançar na restauração ecológica e na redução da emergência climática

Meio ambiente e desenvolvimento: as oportunidades da descarbonização e como aproveitá-las


Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br. 

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