China: the challenges of the new leadership
Neste debate, realizado em parceria com o Conselho Empresarial Brasil-China, recebemos David Shambaugh, diretor do programa sobre a China da Universidade de George Washington.
No dia 15 de maio de 2013, a Fundação FHC – em parceria com o Conselho Empresarial Brasil-China – realizou o seminário “China: the challenges of the new leadership”, com exposição de David Shambaugh – diretor do programa sobre a China da Universidade de George Washington – e comentários dos embaixadores Sergio Amaral e Clodoaldo Hugueney Filho, representante do Brasil na China entre 2008 e 2013. Em sua apresentação, o pesquisador americano traçou o perfil das novas lideranças políticas chinesas e discutiu os desafios que têm pela frente.
De acordo com Shambaugh, o processo de escolha dos novos líderes chineses – encerrado em fins de 2012 – resultou em um comitê central (com sete membros, entre eles o presidente e o vice-presidente) tão conservador quanto o anterior. O Politburo, no entanto, dá mostras de maior renovação. De seus 25 membros, 19 possuem diploma universitário, um é formado pela Academia Militar da China, e os outros cincos estudaram na Escola Central do Partido, equivalente a uma universidade. Há 30 anos, nenhum membro possuía diploma universitário. Além disso, as duas formações anteriores eram compostas majoritariamente por engenheiros. Já entre os membros atuais, seis estudaram economia; dois, relações internacionais; dois, literatura; um, história; um ciência política; e os outros 13 cursaram a pós-graduação. As representações das províncias costeiras e interioranas também estão mais balanceadas: 14 membros trabalharam em regiões do primeiro grupo e 11, em localidades do segundo. Por fim, a presença de civis está mais forte: apenas dois membros atuaram previamente nas Forças Militares.
Em relação aos dois principais líderes políticos do país, Shambaugh acredita que o primeiro-ministro Li Keqiang não está bem preparado para o cargo. Desde que o assumiu, em março de 2013, sua única manifestação expressiva teria sido o anúncio de que pretende reduzir a pesada burocracia chinesa. Já em relação ao presidente Xi Jinping, o pesquisador estadunidense destacou a leitura que a mais alta figura do regime político do país faria do chamado “sonho chinês”. Segundo Shambaugh, Jinping entenderia que, além de se tornar uma sociedade mais equitativa e igualitária, a China deveria se reposicionar globalmente, colocando-se no centro da ordem mundial. Tal entendimento seria dotado de um forte caráter militarista, expresso, por exemplo, em críticas do líder político às reformas de Mikhail Gorbachev, as quais teriam acentuado a separação entre partido e Exército na União Soviética, deixando o primeiro desarmado. Para Shambaugh, opiniões como essa dariam ao menos duas indicações sobre o Partido Comunista Chinês (PCC): (i) ele não parece estar disposto a proceder a reformas políticas e (ii) ele aparenta estar ciente das dificuldades que enfrenta e da eventual necessidade de recorrer ao Exército para ser salvo, assim como aconteceu em 1989.
Sem reformas em direção à maior abertura política, Shambaugh acredita serem impossíveis reformas econômicas que alterem o papel do Estado chinês na economia e também o seu modelo de crescimento, reorientando-o de uma matriz fortemente baseada em investimentos em infraestrutura interna e em exportações subsidiadas para um modelo orientado ao consumo doméstico e à inovação. A aposta de Shambaugh de que mudanças como essa não irão ocorrer até 2017 – quando novos líderes serão escolhidos ou os mandatos dos atuais serão renovados – não se apoia apenas no perfil conservador do atual comitê central do PCC. De acordo com ele, mesmo que as novas lideranças tentem implementar mudanças, sobretudo no campo político, elas devem encontrar fortes resistências internas. Mais especificamente, elas devem ser bloqueadas pelo que Shambaugh denomina como “quadrilátero de ferro” (iron quadrangle): (i) grupos de interesse cuja influência depende diretamente do poder político e econômico do Estado chinês, (ii) o aparato interno de segurança do país, que, em tempos recentes tem recebido mais verbas que as Forças Armadas, (iii) o Exército, que, há tempos, desfruta de um orçamento vultoso, e (iv) a predominante facção conservadora do PCC.
E como as elites chinesas veem a situação do Partido? Para Shambaugh, o fato de possuírem parcelas expressivas de seu patrimônio no exterior, como se estivessem prontas para deixar o país caso algo acontecesse, seria um sinal da fragilidade e da instabilidade do PCC, mas de modo algum seria um prenúncio de que o regime esteja prestes a entrar em colapso ou a implodir. Isso porque o Partido disporia de inúmeros elementos a seu favor: fortes aparatos de segurança interna e externa, a possibilidade de realizar inúmeras indicações políticas e os resultados econômicos que vêm obtendo, para citar apenas alguns. Além disso, mencionou Shambaugh, o PCC – sempre preocupado em tirar lições do fim da União Soviética – teria aprendido que é preciso controlar a “arma”. E os chineses, segundo o pesquisador americano, sabem como fazê-lo.
O embaixador Sergio Amaral, por sua vez, descreveu uma China mais aberta a reformas em diferentes áreas, sobretudo no campo econômico. De acordo com o embaixador brasileiro, inúmeras mudanças estariam na mesa de discussão: controle do endividamento das províncias, alterações no mercado financeiro, provimento de serviços públicos à população, etc. Portanto, o que estaria em jogo no campo das reformas econômicas não seria se elas irão, ou não, acontecer, mas sim como realizá-las em um país tão grande e diversificado como a China. Já em relação às reformas políticas, Amaral apontou que as propostas não podem ser tão assertivas quanto o são na esfera econômica, pois o PCC é a parte mais importante de uma máquina que está no centro da sociedade e do Estado chinês. É ali onde política e economia se encontram. Por isso, por mais que o regime ceda em áreas como o controle das mídias sociais ou que aceite aumentar a participação política em determinados fóruns, as decisões estratégicas devem continuar a ser tomadas pelas instâncias mais altas do Partido.
O embaixador brasileiro abordou também um outro desafio posto às novas lideranças chinesas: criar um discurso que legitime a emergência do país como um ator de primeira linha no cenário global. De acordo com Amaral, os propósitos e valores que orientam a China não estariam claros ainda, e isso poderia representar um problema ao país, pois, ao longo da história, sempre que a balança mundial de poder sofreu alterações, novas ideias e discursos – capazes de dar legitimidade a essas mudanças – foram criadas. Amaral acredita que as autoridades chinesas sabem disso e que, ao fazerem referências ao “sonho chinês” em seus discursos, estariam demostrando empenho em construir uma narrativa desse tipo, e não, como afirmou Shambaugh, dando sinais de que o Partido pode vir a assumir posturas mais belicosas nos próximos anos.
Por fim, o embaixador Clodoaldo Hugueney Filho, ao tratar dos desafios postos às lideranças políticas chinesas, afirmou acreditar que, no campo econômico, elas têm um curso pré-determinado de ação e o estão levando adiante. De acordo com o embaixador, a China teria uma maneira singular de fazer reformas: as autoridades do país as fariam por partes, por localidades, testando o que funciona e expandindo o que se mostra bem-sucedido. Esse estilo não deve mudar. Para Hugueney, o país teria um plano a seguir e desejaria continuar a implementá-lo, rumo à construção de um desenvolvido poder de renda média nos próximos dez anos, provavelmente no processo de se tornar a primeira economia mundial. No campo político, em contrapartida, o embaixador brasileiro acredita não existir, entre as lideranças chinesas, um curso claro de ação. E isso pode representar um obstáculo às reformas econômicas, pois – assim como Shambaugh – Hugueney também acredita que, sem reformas políticas, sem abrir mão de parte do controle exercido pelo Partido, a China terá dificuldades para implementar reformas mais amplas em outros setores.