Debates
18 de abril de 2013

Brasil e América Latina: que liderança é possível?

O debate marcou o lançamento do livro “O Brasil e a Governança da América Latina: que tipo de liderança é possível?”.

No último dia 18 de abril, a Fundação FHC lançou o livro “O Brasil e a Governança da América Latina: Que Tipo de Liderança é Possível?”. A obra dá continuidade à coleção “O Estado da Democracia na América Latina”, uma iniciativa da Fundação, em parceria com o Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, dentro do projeto Plataforma Democrática.

Organizadores do estudo, Sergio Fausto e Bernardo Sorj destacaram as principais conclusões do livro:

1. Embora cada vez mais integrada em termos  de fluxos econômicos e humanos, a América Latina está profundamente fragmentada em termos de modelos de desenvolvimento;

2. Esta fragmentação levou à criação de dois grandes eixos, o liberal e o “bolivariano”. O Brasil não forma parte de nenhum deles e tem dificuldade para definir uma política que traduza em influência o seu peso econômico e territorial na região;

3. O principal freio à maior influência do Brasil na região é interno e diz respeito à dificuldade do país em abrir seu mercado, compartilhar soberania, assumir o ônus que os maiores países têm em processos de integração regional, como, por exemplo, na área de infraestrutura;

4. Os principais freios externos à influência do Brasil são o temor que o “imperialismo brasileiro” desperta em alguns países e as dificuldades da convivência com algumas nações sul-americanas que são pouco estáveis politicamente;

5. Acresce-se o fato de que o mundo multipolar oferece a todos os países da região, em número maior do que no passado, fontes de comércio, crédito e investimento fora da América do Sul, reduzindo a dependência que possam ter em relação ao Brasil para atingir os seus objetivos nacionais de desenvolvimento;

6. O  Mercosul está em crise e, ao mesmo tempo, dificulta a negociação de tratados de livre-comércio bilaterais com blocos e países de fora da região,  à diferença  do que ocorre com os países do eixo liberal. Esta situação coloca limites às aspirações brasileiras de se projetar como ator global;

7. A Unasul representa um espaço político, mas não um caminho de integração econômica;

8. Na ultima década a construção de instituições regionais efetivas foi substituída por uma “política de presidentes”;

9. O texto finaliza com propostas para uma agenda realista, que supere uma retórica oficial na qual predominam princípios e uma pratica onde dominam interesses de curto prazo.

Segundo Celso Lafer – ministro de Relações Exteriores durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) –, falta à política externa brasileira para a região um marco de referência abrangente, que articule valores e interesses do Brasil numa perspectiva de longo prazo. Na ausência dessa referência, o governo brasileiro vem atuando de modo reativo, em resposta a interesses imediatos, pressões pontuais e conjunturas específicas. A isso se tem somado uma tendência a orientar-se por simpatias políticas em suas decisões de política externa para a América do Sul. Resulta dessa combinação de deficiências que o Brasil tem sido muitas vezes caudatário dos interesses de governos vizinhos. Lafer exemplificou o seu argumento referindo-se à suspensão do Paraguai do Mercosul. Nesse episódio, na visão do ex-chanceler, o Brasil dobrou-se às conveniências políticas imediatas dos governos de Hugo Chávez e Cristina Kirchner.

Rubén Aguilar – porta-voz da presidência do México durante o governo de Vicente Fox (2000-2006) – chamou a atenção para a suposta contradição de o Brasil, ao mesmo tempo, aspirar à liderança regional e resistir a uma efetiva abertura de seu mercado doméstico aos produtores dos países vizinhos, como se a liderança de um país fosse tanto maior quanto mais elevados os seus superávits comerciais com os países de seu entorno. Aguilar sustentou que essa contradição revelaria um entendimento ultrapassado sobre os fatores de liderança de uma nação no mundo contemporâneo. Hoje, na sua visão, esses fatores estão ligados fundamentalmente à capacidade de inovar tecnologicamente, assegurar estabilidade jurídica, oferecer modelos atraentes de desenvolvimento, convivência social e diversidade cultural. Dessa perspectiva, faltaria ousadia ao Brasil. Em lugar de limitar-se à América do Sul, o país precisaria propor-se a uma presença global maior, a começar pela América Latina. Para tanto, a intensificação das relações econômicas, políticas e culturais com o México seria o melhor caminho.  A integração entre os dois países deveria apontar para uma integração de todas as Américas, para competir e cooperar com uma Ásia cada vez mais dinâmica.

Tabaré Vázquez abordou o tema da liderança em conjunto com o da governança, sem a qual a integração regional avança com dificuldade. A boa governança ajudaria a promover iniciativas coletivas capazes de fazer a região ir além do que a soma dos esforços nacionais de cada país é capaz de levá-la. O ex-presidente uruguaio frisou que não pode haver boa governança sem liderança regional. Na América do Sul, este papel caberia principal, embora não exclusivamente, ao Brasil. Vázquez observou, porém, que os governantes brasileiros não parecem dispostos a arcar com o ônus da liderança. Este consiste em contribuir mais do que os outros países para o objetivo comum da integração na expectativa de que os eventuais benefícios coletivos futuros compensem a contribuição maior feita no momento presente.  O ex-presidente uruguaio fez referência à negativa brasileira de mediar a discórdia entre Argentina e Uruguai no chamado “caso das papeleiras”, que acabou resolvida na Corte Internacional de Haia, em favor do Uruguai.

No encerramento do seminário, Fernando Henrique Cardoso observou que, quando o assunto é a liderança por parte de um país, não há um momento em que se chega a hora para começar a exercê-la: ou bem uma nação passa, naturalmente, a ser o principal responsável por coordenar as vontades dos grupos aos quais pertence ou bem determina e impõe tais vontades, assustando seus pares. Na avaliação do ex-presidente, apesar de insistir na questão da liderança, o Brasil estaria perdendo a capacidade de construir consensos em processos envolvendo seus vizinhos, pois, em momentos cruciais, o país tem se mostrado receoso em assumir posições claras. Exemplo disso seriam os episódios recentes em que o governo brasileiro assumiu posições ambíguas em relação à defesa da democracia na região.