Debates
16 de março de 2015

Avaliação das Perspectivas do Novo Governo

Brasil precisa reagir para superar crise e evitar uma nova década perdida.

A necessidade de realizar vários ajustes na economia, todos ao mesmo tempo e agora. Uma presidente e um governo acuados pelo escândalo de corrupção na Petrobras e sem liderança política e moral para conduzirem o país num momento de crise aguda. Uma população que já sente os efeitos da crise e começa a se organizar, via redes sociais, para protestar contra o governo, parte dela inclusive exigindo impeachment.

Esta é a conjuntura atual que assusta o país e paralisa um governo que, mal começou, e já parece estar no final. Só que não está e, no cenário mais otimista, pode se arrastar de forma medíocre pelos próximos quatro anos, levando o Brasil a viver uma nova década perdida, como a de 1980, caracterizada por inflação alta, crescimento baixo e desemprego.

O quadro acima, extremamente preocupante, foi descrito pelos palestrantes Ilan Goldfajn, economista-chefe do Banco Itaú, e Aloysio Nunes Ferreira Filho, líder do PSDB no Senado, durante o debate “Avaliação das Perspectivas do Novo Governo”, que lotou o auditório da Fundação FHC, em São Paulo, neste 9 de março. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Sérgio Fausto, superintendente-executivo do da Fundação, completaram a mesa.

As perspectivas econômicas

“In economics, things take longer to happen than you think they will, and then happen faster than you thought they could.” (Na economia, as coisas demoram mais tempo para acontecer do que se imagina que ocorreria, e então acontecem mais rapidamente do que se imagina que seria possível).

Com esta frase bastante conhecida do economista alemão Rüdiger “Rudi” Dornbusch, cuja carreira se desenvolveu em grande parte nos Estados Unidos até sua morte em 2002, Ilan Goldfajn iniciou sua exposição sobre o cenário econômico do país neste início de governo Dilma 2.

Para Ilan, os problemas atuais são resultado de “um pesado legado de equívocos estruturais lentamente construído” a partir do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, ambos do PT.

A esse legado somam-se o fim de um período de bonança internacional ocorrido entre 2003 e 2008, caracterizado pelo ciclo de alta das comanditeis, que beneficiou países exportadores de matérias primas e alimentos como o Brasil, e a reação equivocada dos governos petistas diante do novo cenário econômico mundial.

“O uso político de estatais, agências reguladoras e bancos públicos começou antes de Dilma se tornar presidente, assim como políticas como a tentativa de criar campeões nacionais com recursos do BNDES”, explicou Goldfajn. Ele também criticou o fechamento da economia brasileira, com a ausência de acordos comerciais significativos nas gestões petistas, a política de conteúdo nacional nas compras da Petrobras e a mudança do sistema de exploração do petróleo após a descoberta do pré-sal.

Já no primeiro mandato de Dilma (2011-2014), o economista-chefe do Itaú criticou o abandono do tripé macroeconômico, sustentado no respeito à meta de inflação, obtenção de superávit primário para pagamento da dívida pública e câmbio flutuante.

“Como resposta ao fim do boom mundial, o governo deu ênfase ao consumo privado e público, distribuiu subsídios, baixou os juros à força e, para impedir o estouro da inflação, reduziu as tarifas de energia elétrica, congelou os preços da gasolina e das tarifas de ônibus e interferiu no câmbio tanto para um lado quanto para o outro (desvalorização e valorização do real, dependendo do momento)”, lembrou.

Segundo Goldfajn, neste início do segundo mandato de Dilma o governo terá de corrigir todos esses problemas simultaneamente, num momento em que a economia brasileira está em recessão, com previsão de queda do PIB de aproximadamente 1% em 2015, e a situação econômica mundial segue adversa.

Entre os fatores complicadores, ele também citou o provável aumento do desemprego e a redução da renda nos próximos meses, assim como o risco de racionamento de energia e água. “Só o ajuste fiscal prometido pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda) já seria complicado, mas fazer todos esses ajustes ao mesmo tempo é muito difícil”, afirmou.

Para Ilan, há dois cenários possíveis. No primeiro, o governo não consegue fazer os ajustes, o Brasil tem sua nota rebaixada pelas agências de classificação de risco (como aconteceu recentemente com a Petrobras), a recessão se aprofunda e a crise dura todo o segundo mandato de Dilma.

No segundo, classificado como “mais otimista”, o governo consegue fazer os ajustes minimamente necessários (mas não suficientes para a retomada do crescimento) e Dilma chega ao final do mandato sem uma crise de maior proporção, mas com a economia crescendo pouco, resultando no que o debatedor chamou de “nova década perdida.”.

As perspectivas políticas

Já o senador Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB-SP), que foi candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves em 2014, iniciou sua fala criticando o pronunciamento de televisão da presidente Dilma Rousseff na noite do último domingo, 8 de março. “Ela parecia presidente de Plutão, de tão desvinculada foi sua fala da atual realidade brasileira”, afirmou. O panelaço ocorrido em diversas capitais brasileiras durante o discurso foi o principal assunto da plateia antes do início do evento.

Segundo Aloysio, além de autocrítica, faltam à presidente da República atributos políticos para liderar uma reação por parte do Poder Executivo. “Para superar a atual crise, a presidente precisaria ser capaz de apresentar alternativas, mostrar claramente perspectivas do que fará depois do ajuste fiscal”, disse o senador.

Para Nunes Ferreira, o principal sinal de que “o governo Dilma nem bem começou e já acabou” é o fato de que os dois principais partidos governistas já lançaram candidatos à sua sucessão no primeiro mês de seu novo mandato. O PT já lançou a nova candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o PMDB ensaia o nome de Eduardo Paes, prefeito do Rio.

O senador paulista também citou a senadora Marta Suplicy (cuja saída do PT parece ser iminente) como uma liderança política que abandonou Dilma antes mesmo da posse no segundo mandato e deve se lançar candidata de oposição ao PT à Prefeitura de São Paulo. “A política é extremamente competitiva e os políticos antecipam o futuro para conseguirem sobreviver”, disse Aloysio.

Segundo Aloysio, o governo Dilma errou ao tentar dividir o PMDB na disputa pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e enfrenta agora forte reação capitaneada pelo senador Renan Calheiros e deputado Eduardo Cunha, peemedebistas que comandam as duas casas do Congresso. Tanto Calheiros como Cunha serão investigados em nova fase da Operação Lava Jato e acusam o governo de atuar para envolvê-los no escândalo.

Dentre os dois cenários sugeridos por Ilan Goldfajn, Nunes Ferreira aposta no segundo. “Acredito que as medidas de ajuste tal como apresentadas pelo governo serão desidratadas no Congresso, e o segundo mandato de Dilma será a consagração de um estado de mediocridade, que não levará o país a lugar nenhum”, afirmou.

FHC faz um alerta

Diante do cenário de mediocridade desenhado pelos debatedores, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, anfitrião do evento, pediu a palavra e alertou para o perigo de o Brasil perder chances históricas de desenvolvimento econômico e social. “Isso é terrível. É preciso reagir e refazer um outro bloco que sustente o poder, um novo pacto”, afirmou.

Segundo FHC, o rumo de desenvolvimento do Brasil estabelecido durante seu governo, “a duras penas, com várias crises e também cometendo erros”, foi preservado durante o primeiro mandato de Lula (2003-2006), quando o ministro da Fazenda era Antonio Pallocci. Mas, depois da crise financeira global de 2008, foi progressivamente abandonado pelo ministro Guido Mantega, que permaneceu à frente do Ministério da Fazenda de 2006 (último ano do primeiro mandato de Lula) a 2015 (início do segundo mandato de Dilma).

O governo do PT buscou criar um novo pacto, com o Bolsa Família beneficiando os mais pobres, o acesso ao crédito barato do BNDES alegrando os empresários, principalmente algumas grandes empresas, e o estímulo ao consumo seduzindo a classe média. “Criou-se uma sensação de euforia. Lula era Deus!”, lembrou FHC.

Para FHC, o custo daquele pacto explode agora e o bloco de poder que deu sustentação aos sucessivos governos do PT ruiu. Segundo ele, a credibilidade de Dilma está cada vez mais em xeque diante da opinião pública e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é um técnico, não um líder político. “Ele não tem condições de enfrentar o Congresso”, disse.

Para FHC, é preciso cautela. “O sistema político está esgarçado. E somos todos responsáveis. Não adianta tirar a presidente e, depois, fazer o quê?”, perguntou FHC.

As perspectivas de impeachment

Apesar de nenhum dos integrantes da mesa ter defendido a abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff nas condições atuais, o tema se fez presente em diversas ocasiões durante a conversa de mais de duas horas.

“O impeachment é como a bomba atômica durante a Guerra Fria. É para dissuadir, não para ser usado”, comparou FHC. Ele lembrou que, no início dos anos 1990, lideranças como o deputado Ulysses Guimarães e ele próprio resistiram inicialmente a apoiar o processo de impeachment contra o então presidente Fernando Collor de Mello, alvo de denúncias de corrupção. “Mas as denúncias se avolumaram, a sociedade se pôs a favor e não houve jeito. O processo foi aberto e Collor acabou sofrendo impeachment.”

Segundo o ex-presidente, “o processo político não é 100% previsível e as lideranças políticas precisam sentir o momento e não podem deixar a sociedade avançar sozinha”.

Aloysio Nunes Ferreira Filho lembrou que, naquela época, já existia um esboço de diálogo das forças políticas que, depois da saída de Collor, deram sustentação ao governo Itamar Franco (1992-1994). É bom lembrar que o PT, um dos maiores defensores do impeachment de Collor, se recusou a apoiar e integrar o governo Itamar.

O senador paulista defendeu uma aproximação entre o PSDB e  PMDB não apenas para discutir um futuro pacto político, para o caso de a hegemonia política do PT chegar ao fim, como também para avançar imediatamente em questões importantes como a reforma política.

Ele se mostrou contrário, no entanto, a um processo de impeachment nas condições atuais. “Não quero o impeachment. Quero ver a Dilma sangrar. Não quero o Michel Temer presidente”, afirmou Aloysio.