As telecomunicações 25 anos após a privatização: como dar um novo salto?
Conversamos com os presidentes da Anatel e da Conexis, associação que representa as principais operadoras de telefonia do país, e uma respeitada técnica especializada no setor.
A privatização da Telebrás em 1998, que marcou o fim do monopólio estatal no setor de telecomunicações, deu início a uma revolução na telefonia fixa e, principalmente, na telefonia móvel no país, com o número de celulares saltando de apenas 7 milhões para cerca de 300 milhões (mais de um celular por habitante) em 25 anos, transformando os smartphones no principal meio de acesso dos brasileiros à internet e num decisivo instrumento de trabalho, numa sociedade cada vez mais digitalizada.
Ao longo dos anos, no entanto, o crescimento da demanda e a evolução das novas tecnologias digitais foram mais rápidas do que a capacidade do órgão regulador, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), e das empresas de telefonia/internet de acompanhar as rápidas mudanças.
Para o setor recuperar o dinamismo e conseguir concorrer com os novos players do mercado digital, será necessário rever as regras no sentido de uma maior desregulamentação, mas com equilíbrio, assim como promover uma mudança no modelo de negócios das operadoras, que está obsoleto.
Ao mesmo tempo, será necessário nivelar o campo de jogo entre as operadoras, de um lado, responsáveis pelos investimentos na infraestrutura das redes, e, de outro, as empresas que dela se utilizam sem ônus e ofertam serviços de valor agregado com margens de lucro muito superiores.
Estas foram as principais conclusões deste seminário presencial que marcou os 25 anos da privatização das telecomunicações no Brasil, um dos marcos do governo FHC (1995-2003), e contou com as participações dos presidentes da Anatel e da Conexis, associação que representa as principais operadoras de telefonia do país, e uma respeitada advogada especializada no setor.
“A velocidade das mudanças tecnológicas exige maior ousadia. A Anatel, com toda a capacitação técnica e a experiência acumulada desde a sua criação em 1997, poderia ser protagonista de uma maior desregulamentação dos serviços, corrigindo o mercado apenas quando necessário e possibilitando que a iniciativa privada possa andar tão rápido quanto a evolução da tecnologia e da demanda”, sugeriu Elinor Cotait, sócia do Veirano Advogados, com uma carreira de mais de 30 anos na área administrativa e regulatória, com ênfase em telecomunicações, mídia, tecnologia, direito administrativo e contratos governamentais.
Segundo Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis Brasil Digital e da Confederação Nacional de Tecnologia de Informação e Comunicação, um dos caminhos para superar os gargalos regulatórios é a autorregulação. “Em um mundo cada vez mais competitivo e voltado para as exigências e necessidades do mercado, como sair da regulação por vezes excessiva? Um dos caminhos é a autorregulação e as operadoras estão comprometidas em fazer essa transição, que no entanto deve ser feita em parceria com a Anatel”, disse.
“A desregulamentação é necessária? Com certeza, mas vivemos um paradoxo nas telecomunicações, com serviços regulados, como as operadoras de telefonia e TV a cabo, e não regulados, como os serviços de streaming e troca de mensagens instantâneas, disputando o mesmo mercado”, disse Carlos Baigorri, presidente executivo e do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações.
“Para que haja uma disputa justa entre os diversos players, mais antigos e novos, é preciso haver algumas regras que valham para todos, mas alguns dos novos players operam nas margens das legislações internacional e nacional, dificultando a criação de normas comuns”, disse o economista, que é servidor de carreira da Anatel desde 2009.
Baigorri defendeu que as grandes operadoras brasileiras precisam repensar seus modelos de negócio, ainda baseados na venda de assinaturas por mês, enquanto as grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, lucram com a venda de publicidade digital a partir da análise dos dados pessoais dos usuários de seus serviços, aparentemente gratuitos.
“Mudaram as tecnologias disponíveis, mudaram os players do universo digital, mudaram os consumidores e os hábitos de consumo de serviços e conteúdo. As operadoras continuam apostando na conquista de clientes por assinatura, mas esse modelo já bateu no teto, não existem mais novos clientes para conquistar. As empresas precisam mudar de mentalidade e buscar outras formas de ganhar dinheiro e competir no mundo digital”, disse Baigorri.
“Nesses 25 anos, o ecossistema digital virou algo muito mais complexo do que as telecomunicações, com assimetrias regulatórias que definem os ganhadores e os perdedores”, concluiu o presidente da Anatel.
“O futuro do país está no incentivo do setor de telecomunicações, impulsionando a inclusão e a educação digital de todos os brasileiros, como vários países asiáticos já fizeram com sucesso. Temos de colocar o 5G em todo o país até 2029, conectar as escolas, disponibilizar internet nas rodovias, enfim ter um país de fato conectado digitalmente e, assim, construir uma economia digital, inclusiva. Esta é uma tarefa de todo o governo, nos três níveis federativos, do setor privado e do terceiro setor”, defendeu o economista Marcos Ferrari, com passagens pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda.
“É preciso cuidado ao exigir que as empresas implementem certas medidas, por vezes custosas, sem que haja demanda do público ou condições adequadas para isso. Um exemplo é quando houve a decisão de instalar internet banda larga nas escolas. Um repórter da Folha visitou escolas de várias partes do país e algumas não tinham energia elétrica, computadores, não tinham nem teto. Já a internet via telefonia móvel teve muita demanda e é hoje a principal forma de acesso dos brasileiros à rede. É preciso maior coordenação entre o governo, a agência reguladora e a iniciativa privada”, disse Elinor Cotait.
Os palestrantes também falaram dos desafios trazidos pelo advento da Inteligência Artificial e da comunicação via satélite, entre outros temas.
Assista ao vídeo do debate na íntegra.
Visite a exposição virtual: Embate político e discussão pública: a privatização das telecomunicações no Brasil
Otávio Dias é editor de conteúdo da Fundação FHC. Jornalista especializado em política e assuntos internacionais, foi correspondente da Folha em Londres e editor do site estadao.com.br.