Debates
12 de abril de 2022

As eleições na França e seus impactos na Europa

Neste webinar, promovido pela Fundação FHC, Câmara de Comércio França-Brasil e República do Amanhã, conversamos com Dominique Reynié, cientista político e professor do Sciences Po.


Cinco anos depois, a história se repete. Assim como em 2017, a França sai da eleição do último dia 10 novamente dividida entre Emmanuel Macron, que ficou em primeiro lugar, e Marine Le Pen, que com ele disputará o segundo turno. Mas mais do que uma referência ao passado recente, o pleito francês diz muito sobre o futuro do país. Quem analisa o que as urnas devem dizer no próximo dia 24 é Dominique Reynié, cientista político, professor do Institut d’Études Politiques de Paris (conhecido como Sciences Po) e diretor do think tank francês Fondation pour I’Innovation Politique (Fondapol). Com a experiência e o conhecimento de quem está no centro dos acontecimentos, Reynié – que durante o webinar promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso foi questionado pelos entrevistadores Tatiana Roque, matemática e filósofa, integrante dos Archives Poincaré (Histoire et Philosophie des Sciences), da Université de Nancy, e Octavio de Barros, economista,  vice-presidente da Câmara de Comércio França-Brasil e fundador do think tank República do Amanhã – resumiu o que suas pesquisa indicam com relação às principais questões que impactam a sociedade francesa nos planos político, econômico e social e, em particular, a evolução da opinião pública francesa e europeia. 

Reynié se interessa particularmente pelos movimentos eleitorais e, mais recentemente, pela onda populista que vem tomando conta do debate político. Para ele, o surgimento deste populismo marca uma situação eleitoral surpreendente que a muitos fascina. A diferença é que o momento agora é distinto do que ocorreu cinco anos atrás, principalmente pelo fato de que a vitória de Marine Le Pen faz parte do horizonte. “O que não seria de todo ruim”, admite Reynié, já que ela dificilmente conseguirá maioria no parlamento e terá sua ação restrita a alguns limites.

Com origens na extrema direita, Marine Le Pen vem há uma década buscando se tornar mais moderada. Afastou-se progressivamente do legado de seu pai, Jean Marie Le Pen, um nacionalista xenófobo, misógino e admirador do governo de Vichy, chefiado pelo General Pétain, que colaborou com os nazistas durante a ocupação da França. A filha mudou o nome do partido: de Front Nacional para Rassemblement National, nome evocativo do partido criado pelo General De Gaulle. Condenou o antissemitismo de seu pai, deixou de se opor ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e abrandou suas críticas à União Europeia, ao euro e à OTAN e suas simpatias por Vladimir Putin. Ainda assim, é uma das estrelas da direita populista na Europa, que faz da defesa de medidas contra a imigração e contra o multiculturalismo o seu cavalo de batalha. 

Tampouco Macron é o mesmo de cinco anos atrás, analisa Reynié, quando surgiu à testa de um movimento cívico (En Marche), correndo à margem do sistema de partidos, com uma mensagem de superação das divisões tradicionais entre a esquerda e a direita na França e de afirmação da liderança francesa na União Europeia. “Macron é um vencedor por ter sido o representante de uma política moderada e de conciliação no momento em que há uma explosão das forças populistas. Em resumo, Macron é um sobrevivente”, avalia Reynié. “Macron não é mais alguém que possa se apresentar como fora do sistema. Agora, ele é quem garante o sistema”.

Não é possível vislumbrar, ainda segundo Reynié, um futuro otimista. “Em termos políticos, nada foi reconstruído na França desde 2017”, admite o cientista político, lembrando o cenário desanimador que o país atravessa, em que não houve a possibilidade de uma campanha eleitoral de alto nível. A decadência de partidos tradicionais, em especial dos Partido Socialista e dos Republicanos, aprofundou-se nesses cinco anos. Desde a inauguração da chamada V República, em 1958, representantes ligados a essas duas famílias políticas – o socialismo e o gaullismo – se alternaram no poder. A vitória de Macron, em 2017, marcou a primeira quebra nessa sequência. Em 2022, nem um nem outro alcançou o limite mínimo de 5% dos votos que qualifica um partido a pedir reembolso dos custos da campanha, um valor alto, de milhões de euros. Ou seja, as forças tradicionais não apenas não se reconstruíram como perderam quase completamente a sua relevância. Tampouco Macron conseguiu consolidar o movimento En Marche como um partido político.

Cenário com posições radicalizadas

Macron, que teve 27% dos votos válidos, precisará atrair eleitores de vários setores para conquistar a reeleição. Se há cinco anos, ele pôde contar com muitos votos do partido de centro-direita os Republicanos, agora Macron vê esse eleitorado minguar, com a queda da sigla, de 20% para pouco mais de 4% dos votos. Enquanto isso, Marine Le Pen obteve 23% dos votos e deve herdar de imediato o apoio do candidato da direita radical, o ex-comentarista político Éric Zemmour, que ocupou o espaço aberto à direita pela moderação maior da mensagem de Le Pen. Zemmour chegou a despontar em segundo lugar nas pesquisas, mas terminou com 7% dos votos, afetado negativamente pela invasão da Ucrânia pela Rússia, dadas suas notórias simpatias por Vladimir Putin. Le Pen deve ganhar ainda o apoio do soberanista antieuropeu Nicolas Dupont-Aignan, o único candidato que a apoiou há cinco anos e que agora obteve 2% dos votos. A grande dúvida é com relação ao destino dos votos recebidos por Jean-Luc Mélenchon, que ficou em terceiro, com 21%. Seus eleitores não são simpáticos ao atual governo, acusando Macron de pouca sensibilidade às questões sociais. Muitos deles se inclinam pela abstenção no segundo turno, embora Mélenchon tenha declarado, ser necessário “não dar um só voto à Sra. Le Pen”.

Num momento em que a segurança da Europa se encontra em crise, o jogo eleitoral francês tem um papel significativo. Em um cenário com posições radicalizadas à esquerda e à direita, aí incluído um forte conteúdo racista e xenófobo, a escolha dos franceses pode afetar o futuro da democracia no continente. O comando da economia e a condução da política europeia com relação à segurança e às questões culturais, sociais e ambientais marcam as principais diferenças entre os dois candidatos.

Uma ilha solitária

“O macronismo é uma ilha solitária cercada por um mar de protestos”, define Reynié, explicando que o debate político francês se esvaziou quando os acontecimentos das últimas décadas diminuíram os poderes das forças tradicionais – como os partidos, os sindicatos e a imprensa. Este enfraquecimento fez surgir novas formas encontradas pelos eleitores para manifestar suas insatisfações, em especial as redes sociais e as idas às ruas de maneira violenta.

A eleição, que não encontra paralelo no histórico recente francês pelo contexto que a precede, marca de forma bem clara as posições dos dois adversários. Talvez uma das mais evidentes seja o fato de Macron ser um fervoroso defensor da criação do fundo comum da União Europeia para a reconstrução pós-pandemia, o que é combatido por Marine Le Pen.

Em seu comentário sobre a fala de Reynié, Tatiana Roque assinalou que é possível notar, apesar de algumas diferenças pontuais, semelhanças com o que está acontecendo no cenário eleitoral brasileiro. “Vários autores já analisaram esse fenômeno em que a democracia vive uma crise profunda. Atravessamos uma espécie de democracia da rejeição”, explica Tatiana. Reynié completou o pensamento de Tatiana acrescentando o que chama de “democracia das destituições”, em que o eleitor não se preocupa mais em instalar algo novo e, sim, em destituir o que está no poder. “É uma conquista de rupturas”, classifica Reynié.

Saiba mais: 

Capitalismo de Vigilância e Democracia, com Shoshana Zuboff

 

Márcio Pinheiro é jornalista com passagens pelo O Estado de S. Paulo e Zero Hora.

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