Debates
08 de outubro de 2020

Amazônia: quais são os caminhos para o desenvolvimento sustentável?

Webinar com Alfredo Homma, agrônomo com doutorado em economia agrícola, e Carlos Nobre, climatologista e pesquisador colaborador do IEA-USP.

A Amazônia ocupa um lugar central nos debates dentro e fora do Brasil. O bioma amazônico abrange cerca de 40% do território nacional e é conhecido por cumprir funções importantes do ponto de vista climático. A Fundação Fernando Henrique Cardoso convidou dois cientistas para debater esse relevante tema, desafiando-os a explorar os caminhos possíveis para um desenvolvimento sustentável na Amazônia. Neste webinar, estiveram presentes Alfredo Homma, agrônomo com doutorado em economia agrícola e pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, e Carlos Nobre, climatologista e pesquisador colaborador do IEA-USP.

Nobre: “A Amazônia está muito próxima de um ponto de não retorno” 

O climatologista Carlos Nobre iniciou sua exposição alertando para o fato de que a Amazônia está chegando perto de um ponto de não retorno (tipping point): “Há cinquenta anos, quando a ditadura militar se expandiu para a Amazônia, não se enxergou a floresta, apenas uma área para expansão do modelo desenvolvimentista de agricultura. Nos anos 90 criei o que era ainda uma hipótese, a da ‘savanização’, que alertava que, se desmatássemos a Amazônia, grandes áreas virariam savana e não voltariam a ser floresta. E já estamos vendo, agora, uma série de sinais muito preocupantes que apontam nessa direção”.

Nobre explicou que esse fenômeno ocorre pois, embora 86% dos solos da Amazônia sejam muito pobres, em dezenas de milhares de anos de evolução a floresta desenvolveu um sistema muito eficiente de reciclagem de água e de nutrientes. Por isso ela é tão rica em biodiversidade, em biomassa e em carbono. Contudo, se desmatarmos a floresta, acabamos com esse complexo sistema. “A floresta amazônica somente existe por que a floresta existe”, disse o climatologista.

Podemos evitar esse ponto de não retorno? Esse questionamento motivou Nobre a desenvolver, desde 2017, um projeto denominado Amazônia 4.0. “É uma escolha humana. Vamos por qual trajetória? A distópica, com aumento continuado do desmatamento, que é o que temos observado nos últimos anos, principalmente 2019 e 2020, ou a utópica, de zerar o desmatamento e restaurar uma boa parte da floresta, principalmente com sistemas agroflorestais, absorver carbono e reduzir o risco desse ponto de não retorno? Cabe a nós decidir.”

Nas últimas décadas, pudemos observar duas visões distintas no debate nacional a respeito da conservação da floresta amazônica. A “primeira via” seria isolar completamente grandes extensões da floresta, visando sua conservação. A “segunda via” defende um modelo de desenvolvimento que inclui a agricultura de monocultura, a pecuária extensiva e a mineração em áreas já desmatadas entre o bioma do Cerrado e o início da Amazônia. As duas vias dividem opiniões e parecem inconciliáveis.

Foi a partir dessa dicotomia que se pensou uma “terceira via”, a chamada “Amazônia 4.0”. Ela representaria uma oportunidade de se desenvolver uma economia verde, que aproveitasse a floresta e sua biodiversidade e, com a ajuda das tecnologias da quarta revolução industrial (ou indústria 4.0), estabelecesse um modelo de desenvolvimento econômico moderno e socialmente inclusivo.

O projeto “Amazônia 4.0”, segundo Nobre, é um novo paradigma de desenvolvimento sustentável. “É criar do zero”, explica ele, pois não existe um país tropical desenvolvido baseado nesse modelo. Seria através dele que poderíamos liderar, usando a bio-industrialização atrelada às tecnologias modernas — internet das coisas, redes de comunicação, inteligência artificial etc. Esse modelo tem raízes profundas na Amazônia e não enxerga o local apenas como um solo para extração e produção de commodities primárias para o exterior. “É uma fusão de idealismo, realismo e inovação”, sintetiza Nobre.

Homma: “Precisamos apressar e não depender de propostas futuristas” 

Alfredo Homma se contrapôs às propostas de Nobre: “gostaria de chamar a atenção para muitas dessas propostas que vêm sendo colocadas recentemente, com bioeconomia, floresta em pé e o extrativismo vegetal, no qual eu vejo grandes limitações”, colocou o agrônomo.  

Homma citou um artigo que publicou na revista Veja, nos anos 1990, em que defendia que o extrativismo vegetal pode ser positivo em pequena escala, mas não tem condições de suportar o aumento do mercado e, consequentemente, da demanda. Ele explica que na Amazônia muitos produtos extrativos já chegaram no seu limite, como a castanha-do-pará, o pau-rosa e o bacuri.

O agrônomo defende os cultivos perenes como uma grande oportunidade. Uma agricultura sem desmatamentos e queimadas na Amazônia é possível, explicou, desde que acompanhada por um aumento na produtividade e um nivelamento tecnológico, além da promoção da transição florestal.

Um equívoco que Homma observa na política ambiental brasileira é a falta de aproveitamento das áreas já destruídas no passado. Já desmatamos 18% da Amazônia legal, então bastaria usar uma fração dessa área para abrir a possibilidade de reduzir a pressão e mitigar futuros danos. “A floresta ainda vai arder por um bom tempo — se serão três, quatro ou quinze anos vai depender das alternativas tecnológicas que precisamos adotar agora. Então precisamos nos apressar, e não depender de propostas futuristas”, alerta o pesquisador da Embrapa. Mas que propostas seriam essas?

Uma primeira proposta seria trabalhar intensivamente a pecuária, que já está presente em 61% da área desmatada na região. Esse setor precisaria passar por um choque tecnológico, assegurando-se uma recuperação de 10% das pastagens por ano, para evitar  pressões de ocupação da floresta densa. “A ideia é reduzir as pastagens através de um aumento de produtividade”, defendeu Homma. Outras propostas de curto prazo apresentadas por Homma incluem dobrar a atual área de reflorestamento e os cultivos perenes, incentivar a produção de peixes, apressar a transição ambiental e coibir os ilícitos, para tentar primeiro acabar com o desmatamento ilegal (que configura mais de 90% do desmatamento da Amazônia) para posteriormente acabar com o desmatamento legal.

Podemos conciliar as propostas? 

Embora tenham em comum a crença na viabilidade do desenvolvimento da Amazônia, Carlos Nobre e Alfredo Homma apresentaram propostas divergentes.

Nobre concorda com a necessidade de se aumentar a escala e a qualidade da produção na Amazônia, mas criticou, na proposta de Homma, a ausência da agrofloresta e o foco na monocultura. “Todo monocultivo que se adotar na Amazônia, seja de cacau ou qualquer outro, vai causar o aumento do desmatamento. Acredito que seja possível explorar economicamente a região mantendo a biodiversidade, com rentabilidade e escala. A diferença entre a monocultura  e os sistemas agroflorestais está em um princípio básico: a floresta evoluiu com biodiversidade”, concluiu o climatologista.

“Precisamos combater uma visão romântica dos SAFs (sistemas agroflorestais)”, rebateu o agrônomo, argumentando que muitos SAFs existentes são antieconômicos e demandariam anos para ficarem prontos: “não se monta um SAF num estalar de dedos; para viabilizar sua montagem e torná-lo rentável leva-se algo como 10 ou 15 anos. Não existe solução mágica para a Amazônia”.  

Homma argumentou em defesa de medidas imediatas para estancar os desmatamentos e as queimadas, e acrescentou que, na proposta do colega cientista, permanece uma incerteza sobre a situação dos 750 mil pequenos produtores da Amazônia. “Não se justifica Belém e Manaus comprarem do Sul e do Sudeste até 75% dos hortifrutigranjeiros que consomem, quando poderiam produzi-los localmente, gerando empregos. A produtividade agrícola da Amazônia é muito baixa. Precisamos fazer um nivelamento entre os produtores, melhorando a tecnologia, por exemplo, para dar um salto. Isso reduziria a pressão sobre as florestas”, concluiu.

Com relação ao tempo de implementação dos sistemas agroflorestais regenerativos, Nobre apontou que as transformações na era 4.0 não levam mais décadas, e sim anos. Seu modelo têm como objetivo começar a bio industrialização da Amazônia, “que não será feita em um dia, mas que precisa começar”. Para ele é impossível imaginar um país desenvolvido sem industrialização, e na Amazônia não deveria ser diferente. “Precisamos criar melhores oportunidadades  de emprego para os jovens da Amazônia, para além da agricultura. E as tecnologias 4.0 podem viabilizar isso”.

Saiba mais: Linhas do Tempo – Política Ambiental 

Isabel Penz, historiadora formada pela USP, é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação FHC.